Mais de 200 toneladas de urânio permanecem dentro do reator 4 de Chernobyl que explodiu em 1986 na Ucrânia, o que levou a um investimento bilionário para a construção de um sarcófago a fim de conter a radiação e diminuir o risco de mais vazamentos radioativos se a estrutura de concreto envelhecida que cobre o reator atingido viesse a desmoronar | SERGEI SUPINSKY/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A notícia que os índices de radiação aumentaram dramaticamente na Ucrânia causou apreensão nas últimas horas. A agência reguladora de energia nuclear da Ucrânia informou em suas redes sociais que níveis de radiação gama mais altos do que o normal foram detectados na área perto da usina nuclear desativada de Chernobyl, depois que ela foi capturada pelos militares russos que avançam pelo território ucraniano.

O primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, disse em comunicado que a antiga usina nuclear e a zona de exclusão de trinta quilômetros ao redor, estão agora sob controle russo armado. Antes, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, afirmou que os ucranianos “estão dando suas vidas para que a tragédia de 1986 não se repita”.

Chernobyl foi o local do pior desastre nuclear da história, depois que um reator explodiu e espalhou resíduos radioativos pela Europa em abril de 1986. Nos últimos anos, o local tornou-se um ponto turístico popular, bem como uma história inesperada de sucesso ambiental, pois várias espécies começaram a florescer na região.


A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) disse que está acompanhando a situação na Ucrânia “com grande preocupação”, mas observou que não houve destruição relatada no local da usina nuclear de Chernobyl. “É de vital importância que as operações seguras e protegidas das instalações nucleares na [Zona de Exclusão de Chernobyl] não sejam afetadas ou interrompidas de forma alguma”, disse o diretor-geral da AIEA, Rafael Mariano Grossi.

O que causou os picos de radiação

Especialistas e cientistas começaram a se debruçar nos dados de monitoramento ambiental nas últimas horas a partir das leituras de estações de monitoramento que indicaram aumento dos índices de radiação. Sobre os picos de radiação relatados em Chernobyl, a opinião compartilhada por vários especialistas é que colunas de veículos militares russas dirigindo pela floresta contaminada perto da usina levantaram poeira radioativa.

Os picos começaram a aparecer por volta das 21h50 (hora local) de 24 de fevereiro, mas cerca de metade dos 50 sensores no mapa da rede de monitoramento da EcoBot não mostraram alterações significativas. O site da EcoBot agrega dados de fontes oficiais. Os sensores específicos são operados pelo governo ucraniano.

Toda a rede de monitoramento de radiação parou de relatar dados à 1h de 25 de hoje, horário da Ucrânia. O sistema parecia estar fora do ar, mas entre 0h e 1h desta sexta, vários sensores enviaram leituras que voltaram ao normal.


A forte possibilidade é de ter sido um evento muito transitório, portanto bastante passageiro, e não como uma ruptura no armazenamento de combustível ou um incêndio. Nenhum laboratório nacional de radiação europeu relatou leituras excepcionalmente altas, portanto não há evidência de dispersão além da área imediata.

Em 1986, no desastre, sensores na Escandinávia foram os primeiros a identificar altos níveis de radiação na atmosfera porque o governo da União Soviética escondeu do mundo o acidente nuclear em seus primeiros dias.

Os experts assinalam que os níveis de radiação mais altos relatados nas últimas horas foram semelhantes em magnitude a outros medidos em vários locais em Chernobyl nos últimos anos. São altos, entretanto dentro dos limites esperados para a região que foi assolada pelo desastre nuclear. Os especialistas dizem que esperam que a rede de monitoramento volte a funcionar em breve porque os dados responderão a muitas perguntas.

O desastre de Chernobyl

Em 26 de abril de 1986, à 1h23, o reator número 4 da central de Chernobyl, situado a 100 quilômetros de Kiev, explodiu durante um teste de segurança. Começava o maior acidente nuclear da história. Durante 10 dias, o combustível nuclear queimou e liberou na atmosfera elementos radioativos que contaminaram, segundo algumas estimativas, até 75% da Europa, especialmente as então repúblicas soviéticas da Ucrânia, Belarus e Rússia.

Desastre nuclear em 1986 assustou o mundo e espalhou radiação da usina atômica de Chernobyl por vários países da Europa | STF/AFP/METSUL METEOROLOGIA

As autoridades soviéticas tentaram esconder o acidente. O líder da União Soviética na época, Mikhail Gorbachev, não falou publicamente sobre a questão até 14 de maio. Segundo documentos de arquivo publicados pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), em 1982 e 1984 houve ao menos três falhas na usina de Chernobyl, mas as autoridades soviéticas as mantiveram em segredo.

Tanto a central de Chernobyl quanto as de Leningrado e Kursk (Rússia), todas com o mesmo tipo de reator, “são as mais perigosas em relação ao seu funcionamento, o que pode gerar consequências ameaçadoras”, segundo um documento do KGB de 1983 publicado pelo SBU.

Um total de 116.000 pessoas foram retiradas em 1986 dos arredores de Chernobyl, que permanecem atualmente praticamente inabitados. Nos anos posteriores, outros 230.000 moradores deixaram a zona. Durante quatro anos, quase 600.000 pessoas foram enviadas ao local do desastre com pouca ou nenhuma proteção para controlar o incêndio, isolar o reator com uma cobertura de concreto e limpar os arredores.

O balanço de vítimas da catástrofe continua sendo objeto de debate. O comitê científico da ONU (Unscear) reconhece oficialmente apenas 30 mortes entre os operários e bombeiros que faleceram vítimas da radiação após a explosão. Em 2006, a ONG Greenpeace calculou em quase 100.000 o número de mortes provocadas pelos efeitos radioativos da catástrofe nuclear.

A central de Chernobyl manteve a produção de energia elétrica até dezembro de 2000, quando a pressão dos países ocidentais resultou na paralisação do último reator operacional. Após anos de adiamento, no final de 2016 foi instalado um arco gigante de aço sobre o reator danificado. Esta estrutura, com um custo de 2,1 bilhões de euros financiados pela comunidade internacional, cobriu o “sarcófago” de concreto, rachado e instável, e que deve garantir a segurança pelos próximos 100 anos.

Embora as autoridades afirmem que os humanos não poderão viver na região de forma segura por pelo menos 24.000 anos, o local atrai cada vez mais turistas à procura de emoção e Kiev deseja sua inclusão na lista de Patrimônio Mundial da Unesco.