Há exatamente 75 anos, entre os dias 14 e 15 de janeiro de 1940, Porto Alegre mergulhava literalmente nas águas e no caos após um temporal de verão muito intenso que despejou água na cidade impiedosamente por muitas horas consecutivas. Na edição do dia seguinte, o jornal Correio do Povo noticiava: “Começou a chuviscar. Tudo muito direito. Julgava-se que isso iria resolver o problema [do calor intenso]. Podia ser que refrescasse. Porém São Pedro pregou-nos uma bruta peça. Abriu as torneiras do céu e foi um Deus nos acuda. Como choveu nesta ‘muy valerosa cidade’. Aí, então, tivemos diante de nossos olhos esses espetáculos curiosos, contristadores alguns. Porque muitas zonas foram inundadas, muita gente saiu de dentro de casa com os colchões às costas, dezenas de automóveis tiveram paralisada a sua marcha em conseqüência do elevado nível de água em determinados locais. O repórter saiu para a rua e observou a labuta incessante dos moradores da Ilhota do Menino Deus e de outras zonas da metrópole, eternas vítimas das enxurradas. Fora do que há de pitoresco, verificaram-se desabamentos de prédios, ruíram pontes e pontilhões, e muitas pessoas estiveram na iminência de perecer afogadas”.


O bairro Menino Deus foi duramente castigado pelo temporal de 15 de janeiro de 1940 na cidade. A chuva já tinha sido intensa na véspera em Porto Alegre e região, mas ganhou muita força entre a tarde e noite do dia 15 e prosseguiu caindo muito forte até a madrugada do dia 16. No bairro Menino Deus, a rua Marcílio Dias foi a mais castigada pela chuva extrema. Moradores eram vistos de barco no Menino Deus e os carros enfrentavam grandes alagamentos em algumas ruas. Na Marcílio Dias, a água chegou a subir até meio metro dentro das residências. Segundo descrição literal à época feita pelo Correio do Povo, “na mesma rua Marcílio Dias, quando mais intenso era o temporal, uma senhora, cabelos em desalinhos, pés descalços, braços nus, roupas em tiras, passou desesperadamente gritando que queria ver os filhos. Adiantava, em altos berros, que os mesmos estavam morrendo afogados. Uma outra senhora corria atrás dela. Levantavam aqui, caíam ali. A primeira estava prestes a morrer afogada. Não fosse a intervenção de moradores da zona e de um guarda civil e teria desaparecido sob o lençol branco das águas. Mais adiante, um conhecido médico procurava, a todo o transe, pôr em movimento o seu automóvel a que a chuva tinha molhado as velas. O carro voltou a funcionar e ele aprestou-se a penetrar, por cima da calçada, na Rua Marcílio, a fim de socorrer os ‘asilados’. Foi em vão. Teve de retroceder porque o veículo também podia desaparecer”.


A cidade transtornada. O tráfego de bondes parou. As águas tinham coberto os trilhos. Os “elétricos da madrugada” ficaram paralisados muitas horas, esperando que a água cedesse, fazendo com que os passageiros que não podiam pegar táxis tivessem que aguardar por longas horas. O alagamento foi geral no Quarto Distrito. As casas números 192, 196 e 201 da então Rua 24 de Maio desabaram com a força da chuva. Uma mulher de 80 anos teve que ser resgatada pela polícia. No chamado Quinto Distrito de Porto Alegre, houve falta de luz. As comunicações telefônicas também acabaram afetadas. Na Avenida Teresópolis, no lugar que era conhecido em 1940 como  “Antiga Estação”, desmoronou a parte não calçada que servia de leito aos trilhos da Carris, dificultando o tráfego no local que passou a ser feito de “baldeação”. Na Rua Barros Cassal, os bombeiros foram acionados para socorrer moradores de prédios que também ameaçavam ruir. “Na Riachuelo e na Duque de Caxias, bem como em outras zonas centrais da cidade, os prédios já velhos, com o forte temporal, tiveram suas paredes completamente rachadas, ameaçando agora vir abaixo a qualquer instante”, destacou o vespertino Folha da Tarde.


Os problemas da chuva extrema trazida pelo temporal se estenderam pela região. A estrada que liga Porto Alegre a Viamão sofreu graves danos. Caiu um pontilhão nas proximidades da escola de Agronomia e Veterinária. A ponte do Passo do Feijó, que recém tinha sido inaugurada pelo Daer veio completamente abaixo na madrugada do dia 16. “Um chofer de ônibus da linha Porto Alegre-Viamão informou que cerca das 2h30m da madrugada de hoje, guiando um ônibus com 22 passageiros atravessou a ponte que já estava quase submersa. Minutos depois, esta cedeu ante o ímpeto das águas, deixando, assim, de se registrar, por bem pouco, um tremendo desastre”, noticiou a Folha da Tarde em sua contracapa no dia 16 de janeiro.


A chuva intensa deixou pelo menos um morto. O brigadiano José Alves da Silva morreu ao tentar salvar uma pessoa que gritava por socorro. Na tarde do dia 14, na ponte da Rua Arlindo, o praça morreu afogado no riacho que se achava transbordado. Por pouco não ocorreu outra tragédia no cais do Porto. E por uma situação pitoresca enfrentada pela polícia naqueles dias chuvosos. Um dos soldados que estava em serviço no local, na noite do dia 14, foi obrigada a socorrer uma mulher que tinha se jogado momentos antes ao Guaíba perto de uma embarcação atracada nas docas, no fundo do mercado de legumes. Ela foi retirada com a ponta do fuzil do soldado, ao qual se agarrou. “Ao delegado de plantão, ela declarou que, tendo tomado alguns tragos, teve vontade de morrer e aproveitou a oportunidade da enchente”, relatou o Correio do Povo.

O volume de chuva foi excepcional em Porto Alegre e os relatos são de que houve rajadas de vento e ainda granizo no Vale do Sinos com muitos danos em Sapucaia do Sul. O Instituto Coussirat Araújo, distribuiu nota à imprensa que dizia: “A violenta chuva que se verificou nesta Capital, entre o anoitecer do dia 14 e a madrugada do dia 15 de janeiro de 1940, apresentou quantidade excepcional. Assim, na estação do Instituto Coussirat de Araújo, foram registrados 145 milímetros de água pluvial, ou seja, 145 litros por metro quadrado. Este é o maior valor observado em Porto Alegre [em 24 horas] desde o início das observações do referido instituto há trinta e um anos”.