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Militares ucranianos da 92ª brigada mecanizada usam tanques, canhões autopropulsados e outros veículos blindados em meio à neve perto da cidade de Chuguev, região de Kharkiv, na tensa situação militar com a Rússia | SERGEY BOBOK/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O clima ao longo do tempo teve importante papel na estratégia militar. O inverno russo cruel fez com que impérios militares sucumbissem e a previsão do tempo foi decisiva na escolha do Dia-D para o desembarque das tropas aliadas na Normandia em 1944. Ganhou notoriedade a expressão “General Inverno”, primeira vez usada em 1812 em uma charge britânica dedicada à catastrófica campanha russa de Napoleão.

Mesmo no século 21, a guerra é afetada pelo clima e isso é um fator na ofensiva russa na Ucrânia. A escolha do mês de fevereiro não é à toa e, certamente, a palavra Rasputitsa frequentou os debates entre militares em Moscou e Kiev. Rasputitsa é o termo para a lama da primavera, quando as viagens na Rússia e na Ucrânia por estrada se tornam mais difíceis.

Em regra, o impacto de Rasputitsa é mais sentido em março, quando a neve começa a derreter. Em 2022, o inverno tem sido excepcionalmente ameno em grande parte da Ucrânia e em vários dias a neve deu lugar à chuva, mas grande parte do território ucraniano ainda tem neve no solo. Com a chegada da primavera nas próximas semanas, a neve derreterá e exporá a terra lamacenta e pantanosa ao longo das fronteiras. Isso faz mais difícil o terreno para as tropas, tanques e equipamentos militares.

James Sherr, membro associado do programa Rússia e Eurásia na Chatham House, disse ao Comitê de Defesa da Câmara dos Comuns do Reino Unido que por isso fevereiro é um mês crítico. “Se você for além de fevereiro, os desafios logísticos de montar um ataque considerável se tornarão progressivamente menos favoráveis ​​à Rússia”, disse. Com terreno congelado, o deslocamento dos blindados é facilitado.

Vídeos de mídia social de várias áreas onde as forças russas estiveram no lado russo da fronteira, alguns postados pelos próprios soldados, mostravam solo alagado e muita lama em alguns dias nas últimas semanas. Em outros pontos próximos da fronteira da Rússia com a Ucrânia imagens de satélite mostravam o solo coberto de neve no começo deste mês, quando a Rússia aumentava suas tropas.

Imagem de satélite de veículos militares chegando a uma área de treinamento perto de Kursk, no Oeste da Rússia, com o solo coberto de neve | MAXAR TECHNOLOGIES

Dados do Sistema Copernicus, o programa climático da União Europeia, mostrou que grande parte da Europa Oriental experimentou temperaturas muito acima da média em janeiro. A Ucrânia viu temperaturas entre 1ºC e 3ºC acima da média dos últimos 30 anos. O Copernicus também observou que em janeiro “a Europa Oriental estava predominantemente mais úmida do que a média” e o solo na Ucrânia estava mais encharcado que o normal. A combinação significa menos gelo e mais lama.

O inverno ameno não surpreende os cientistas locais como Svitlana Krakovska, chefe do Laboratório de Climatologia Aplicada do Instituto Hidrometeorológico Ucraniano, em Kiev. “O que estamos vendo em uma trajetória de longo prazo é um número menor de dias com cobertura de neve, bem como noites de geada. Definitivamente, vemos um aquecimento muito mais forte acontecendo aqui do que a média global”, disse à rede CNN.

Um militar das forças militares ucranianas fala pelo rádio enquanto mantém posição na linha de frente com os separatistas apoiados pela Rússia, perto de Novolugansk, na região de Donetsk | ANATOLI STEPANOV/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Dara Massicot, pesquisadora sênior de políticas da RAND Corporation, diz que “embora o solo congelado seja ‘bom’ para as forças russas, não é um fator determinante. “Os militares russos treinam o ano todo para que tenham experiência com diferentes condições climáticas”, explica.

Tanques russos não têm grandes dificuldades com solo molhado, apesar de avançarem com maior rapidez em solo congelado. Estes veículos enfrentariam problemas principalmente “se tivessem que sair da estrada por algum motivo”, disse Massicot. O especialista observa que a Rússia implantou equipamentos logísticos para ajudar a superar tais problemas.

Krakovska, autor do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas publicado no ano passado, diz que há uma conexão clara entre as mudanças climáticas e os invernos em constante mudança da Ucrânia. Isso é particularmente pronunciado no Leste da Ucrânia, epicentro da atual crise militar, onde as temperaturas no inverno são cerca de 3ºC mais altas, em média, que na década de 1960.

“Trinta anos atrás, teríamos cobertura de neve, especialmente no Leste da Ucrânia, por pelo menos três meses da estação fria, e teríamos noites com geada por cerca de cinco meses”, disse Kralovska. “Em 2020, não tivemos realmente inverno, apenas alguns dias estavam abaixo de zero e não tivemos muita neve, apenas um pouco”, explicou.

O presidente russo, Vladimir Putin, costumava ser ambivalente sobre o aquecimento global. Em 2003, ele até disse que “talvez a mudança climática não seja tão ruim em um país tão frio como a Rússia porque 2ºC a 3ºC não faria mal”. Mais recentemente, Putin reconheceu o dano que o aquecimento está causando ao meio ambiente da Rússia que foi afetada por graves incêndios na Sibéria e a maior temperatura já observada no Ártico com quase 40ºC.

Como as vizinhas Romênia, Polônia e Bielorrússia, a Ucrânia tem um clima tipicamente continental com invernos muito frios e verões quentes. Na capital, Kiev, no Centro-Norte do país, as temperaturas no verão ficam em torno de 20ºC enquanto no inverno a temperatura média é um pouco abaixo de zero. Nos extremos, são registradas marcas tão baixas quanto 25ºC abaixo de zero no inverno e 35ºC no verão em Kiev.

A cidade de Odessa, às margens do Mar Negro no Sul, tem um clima menos extremo com verões mais quentes e úmidos do que o Norte. O território disputado da península da Crimeia, anexado pela Rússia em 2014, mas ainda considerado pelos observadores internacionais como parte da Ucrânia, fica ainda mais ao Sul e quase cercado pelo Mar Negro.

Como resultado, tem um clima predominantemente mediterrâneo, com verões muito quentes e invernos bastante amenos. A Crimeia também experimenta menos chuvas do que mais ao norte, com menos de 500 mm de precipitação anualmente.