Anúncios

A passagem de um ciclone tropical no Sul de Santa Catarina e no Litoral Norte gaúcho ainda está registrada em algumas estruturas e na lembrança dos habitantes. Mesmo após dez anos a serem completados nesta semana, há imóveis destruídos nas cidades que ficaram no olho do fenômeno meteorológico. Na época, poucos acreditaram nos alertas e havia cerca de cem embarcações em alto-mar na região. Quando os ventos fortes começaram e varreram tudo o que estava pela frente, não houve casa que mantivesse o telhado intacto em Balneário Arroio do Silva, Balneário Gaivota, Passo de Torres e Araranguá. Torres teve mais de 2 mil imóveis atingidos. Apelidado de Catarina, esse foi o primeiro furacão da história do Atlântico Sul.

“Sabe quando um bicho brabo urra? Foi assim”, lembra o sargento Nilson Gonçalves, então chefe do Corpo de Bombeiros da região. Ele fazia o monitoramento na beira da praia quando viu a tempestade se aproximar da costa e destruir parte da residência dele em Arroio do Silva. “Tínhamos que andar rastejando no chão”, salienta. As rajadas começaram por volta das 19h do dia 27 de março e passaram por 20 cidades, segundo a Defesa Civil de Santa Catarina, derrubando árvores e postes de eletricidade, além de telhas e paredes. Mais tarde veio a chuva e, depois da meia-noite, o céu ficou limpo e estrelado. “Aquilo era o olho do furacão. Estávamos no meio”, comenta o bombeiro. Conforme ele, em seguida, o vento se intensificou e derrubou o que havia sobrado.

No total, mais de 40 mil edificações tiveram prejuízos. Várias casas viraram e os moradores precisaram se refugiar nos locais mais inusitados. Em Balneário Gaivota, uma cozinheira se escondeu dentro de um forno industrial. Outra ficou quase toda a madrugada do dia 28 de março dentro de um roupeiro. O agricultor Edson Quirino viu o imóvel de madeira onde morava, no bairro Sanga da Toca, em Araranguá, balançar e tentou proteger a família indo para dentro de um Fusca, quando um cinamomo de aproximadamente 14 metros caiu sobre o carro e o esmagou. O homem não resistiu e a mulher dele, Terezinha da Rocha Quirino, sofreu ferimentos graves. “Eu e outros quatro bombeiros nos amarramos em uma corda para não sairmos voando. Tínhamos que andar rastejando. O resgate do corpo e das vítimas foi muito difícil”, conta Gonçalves. Além de Quirino, dez pescadores morreram na passagem do Furacão Catarina.


Intransitável, a BR 101 ficou coberta de troncos e postes de energia, o que dificultava ainda mais o socorro aos feridos. De acordo com o bombeiro, o número de vítimas só não foi maior porque avisaram as pessoas sobre o risco e as orientaram a não saírem de casa. Os prejuízos econômicos chegaram a R$ 850 milhões. A Defesa Civil de Santa Catarina contabilizou 33.165 desabrigados e desalojados, além de 18 feridos. Em Torres, cidade mais atingida do Rio Grande do Sul, os bombeiros resgataram 450 famílias na madrugada em que aconteceu a tempestade.

Passada uma década, o rastro do Furacão Catarina ainda está marcado em uma casa de veraneio em Passo de Torres. Os proprietários não puderam reconstruir o imóvel e o que restou das paredes serve como um símbolo da destruição de grande parte da cidade. O telhado da casa, na avenida Beira Rio, foi pelos ares, assim como as janelas. Da varanda, não sobrou nada. O prejuízo foi semelhante em milhares de residências no Sul de Santa Catarina. Em Balneário Gaivota, a Colônia dos Pescadores Z20 aguarda recursos do governo federal para recomeçar a construção de uma sede para o atendimento aos 450 associados. Em 2004, estava sendo erguida uma estrutura anexa à instituição, que foi parcialmente derrubada pelo ciclone tropical.

A vice-prefeita de Balneário Gaivota, Terrimar Ramos Pereira, afirma que, apesar dos grandes prejuízos, a cidade já conseguiu se reerguer. As estruturas, com exceção da Colônia dos Pescadores, foram todas refeitas. “Tínhamos 6 mil habitantes e mais de 3 mil casas foram atingidas”, informa. Entre os imóveis afetados, estava o apartamento dela. “Perdi tudo”, diz, lembrando o dia da tempestade, quando se abrigou na casa da sogra com os três filhos. O mais novo, na época com 1 ano, até hoje tem trauma de vento.

O município praiano recebeu muitas doações, mas teve a economia abalada. Houve um período de poucos investimentos, mas agora Terrimar observa uma retomada. O número de habitantes subiu para 12 mil, sendo 60% gaúchos. Nos primeiros anos, depois do fenômeno, foram construídas 124 casas na vila Nova Gaivota, uma das regiões mais prejudicadas pelo furacão.

Dentre a centena de barcos em alto-mar na área onde ocorreu o furacão Catarina, seis estavam próximo à barra de Torres e não puderam voltar para a margem. Ondas de 10 metros balançavam as embarcações e o vento quebrava os vidros das cabines e os cascos de madeira. “Todos foram para o beliche rezar, enquanto eu tentava controlar o barco”, conta o pescador Miguel Sidnei Teixeira da Silva, 42 anos. Estava na altura de Tramandaí, quando soube que a tempestade se aproximava.  “Parecia que o barco iria virar. Víamos os outros com problemas, mas não tínhamos como ajudar.”  Com três filhos de idades entre 7 e 10 anos, Silva só queria mandar notícias para a família. “Meu avô estava muito preocupado. Ele foi o primeiro a saber que eu estava vivo”, lembra Miguel, com lágrimas nos olhos. O retorno à terra firme aconteceu dois dias depois do furacão. “Não consigo nem explicar o que senti”, diz o pescador.

As notícias transmitidas pelo rádio deixavam os pescadores ainda mais preocupados. Todas as informações que chegavam aos tripulantes dos barcos, estavam na voz do amigo de infância do pescador Miguel da Silva, o operador da Base Meteopesca, Amilton Lopes. Enquanto havia luz e telefone, ele conseguiu alertar os pescadores do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. “Muitos pediam apoio. Cheguei a ligar para a Marinha, mas já não tinha o que fazer”, lembra Lopes. Segundo o operador, o contato com os pescadores foi perdido na madrugada do dia 28 de março. Quando a população de Passo de Torres constatou os danos na cidade na manhã seguinte, deixou de acreditar que eles tivessem sobrevivido. “Cerca de 80% das casas foram destelhadas. Havia madeira e telhas em todas as ruas. Por causa disso, do caos na cidade, todo mundo achava que no mar havia sido pior e que os pescadores tinham morrido”, recorda Amilton dez anos depois do furacão Catarina. (Texto de Karina Reif do Correio do Povo com fotos de Mauro Schaefer)

Anúncios