A estiagem no Rio Grande do Sul se iniciou em novembro do ano passado e até agora o quadro perdura. São duzentos dias de irregularidade significativa de precipitação com prejuízos bilionários para o campo e debastecimento de água em várias comunidades do interior. Houve até períodos com chuva acima da média em algumas regiões, o que trouxe alívio temporário, mas o Rio Grande do Sul ficou muito seco de forma generalizada durante os últimos sessenta dias. A região do território gaúcho em que mais choveu desde novembro é o Nordeste do Estado, e a com mais alto déficit de precipitação o Noroeste.

A região de Uruguaiana teve um dezembro com chuva muito acima da média, o primeiro bimestre do ano foi de muita chuva na Serra, Porto Alegre teve precipitação acima das normais históricas no primeiro trimestre, o Sul e parte do Leste registraram um fevereiro de chuva satisfatória e março teve precipitação próxima ou acima da média em diversos pontos do Centro gaúcho. Como se vê, nos últimos meses, os períodos chuvosos aqui no Rio Grande do Sul foram regionalizados e não em escala estadual.


Entre 1º de novembro e 18 de maio foram 705,6 mm em Caxias do Sul, equivalentes a 70% da média histórica (1961-1990) no período. Em Porto Alegre caíram 589,6 mm, ou 89,4% da média. Os três primeiros meses de 2012 registraram chuva acima dos padrões históricos na Capital com acumulado de 422,6 mm, contudo em abril e até agora em maio foram somente 99,2 mm, pouco acima do registrado na cidade em apenas uma manhã em 14 de março. Em Caxias, desde 1º de março se precipitaram 175,6 mm, menos do que caiu em janeiro (252,4 mm) e fevereiro (195,9 mm). A escassez de chuva na Serra nestes últimos meses ameaça agora o abastecimento de água em Vacaria e São Marcos. Cartão postal do Rio Grande do Sul, a cascata do Caracol em Canela é hoje um fiapo de água (comparação de fotos de Rita Souza e Halder Ramos do Correio do Povo).

A cidade de Erechim completa 40 dias consecutivos de corte no fornecimento de água pela Corsan. É o período mais longo de racionamento nos 94 anos do município. Desde 6 de abril, a cidade está dividida em dois setores e cada um fica sem o produto durante 14 horas diárias. Os últimos cortes ocorreram em 2009, com duração de 11 dias, e em 2005, quando a medida durou 33 dias. O local virou até área de diversão para crianças, onde antes a profundidade era de mais de dois metros (foto de Rodrigo Finardi do Correio do Povo).

Em Bagé, que sofre com racionamento de água, todos os meses com exceção de fevereiro tiveram chuva abaixo da média desde novembro. Entre 1º de novembro e 18 de maio, a precipitação somou 479,6 mm, 63,7% do normal para o período, segundo levantamento da MetSul a partir de dados do Oitavo Distrito de Meteorologia. Em Uruguaiana, apenas dezembro (173,6 mm) teve chuva acima da média no último meio ano, o que fez com que a cidade registrasse desde novembro apenas 54,6% do normal para o período. Cenário semelhante é o de Santa Maria com chuva entre 1º de novembro e 18 de maio de só 58,4% da média histórica.


Na Metade Norte do Estado, o quadro de estiagem é muito mais dramático para o Oeste. Em Passo Fundo a chuva somou de 1º de novembro até agora 632,3 mm ou 69,4% da média 1961-1990. Somente novembro, porém, ainda registrou precipitação acima do normal. Já em Cruz Alta nenhum mês desde novembro sequer chegou perto de atingir a casa de 100 mm e todos tiveram precipitação inferior às normais históricas. Do primeiro dia de novembro até sexta-feira choveu apenas 339 mm na estação do município, 510,9 mm a menos que o normal para o período ou apenas 39,8% da média. Em todo o século passado, desde o início dos registros em 1912, a MetSul não encontrou nenhum período entre novembro do ano anterior e maio do ano seguinte em que a chuva não alcançasse 100 mm sequer por um mês em Cruz Alta. Por isso, o Índice Padronizado de Precipitação (Standardized Precipitation Index ou SPI) mostra seca extrema no Noroeste do Estado nos últimos seis meses.

A estiagem severa na região de Cruz Alta (Alto Jacuí) há quase sete meses revelou as ruínas de antiga vila submersa há mais de 40 anos no município de Quinze de Novembro. Da antiga localidade de Passo do Lagoão restam apenas ruínas. Hospital, frigorífico, fábrica, lojas e casas desapareceram sob as águas em 1971, quando da construção da barragem do Passo Real, então divisa dos municípios de Cruz Alta e Ibirubá. A seca fez a barragem (maior lago artificial do Estado) baixar mais de 12 metros. O chafariz que ficava no pátio da casa de um médico, a cisterna, a caixa d’água e o alicerce do antigo hospital estão a vista, assim como o gerador de energia elétrica dos moradores da época. É o menor nível que a barragem já atingiu até hoje (fotos de Isma Horbach da Prefeitura de Quinze de Novembro).

No Noroeste, onde a seca é extrema, o Rio Uruguai também está muito baixo. Na terça e quarta-feira, 15 e 16 de maio de 2012, novamente foi possível fazer a travessia a pé do rio, em Volta Grande, interior de Porto Mauá. Odacir Golfetto, morador de Volta Grande desde os sete anos de idade e que presenciou o mais baixo nível do Rio Uruguai ocorrido em 1979, realizou o sonho de chegar à Argentina caminhando sobre as pedras do leito do Uruguai (foto de Vilson Winkler da Prefeitura de Porto Mauá).

A Grande Porto Alegre também sofre os efeitos da estiagem. Maio, claro, não terminou, logo não se tem retrato definitivo, mas, assumindo que termine com pouca chuva, repetiria 1988, 1991, 1995, 1996, 1997, 2000, 2001 e 2011 no Vale do Sinos. Nosso atual período de estiagem na região vem de março, já que janeiro e fevereiro terminaram com chuva acima da média. Na estação da MetSul em São Leopoldo, foram somente 42,2 mm em março, 71,9 mm em abril e 21,5 mm até agora em maio. Falta de chuva e as descargas de poluentes na foz do Arroio Portão deixaram o nível de oxigênio no Rio dos Sinos, que está com seu menor nível em maio da história recente, praticamente zerado e centenas de peixes apareceram agonizando. Já o Rio Gravataí (foto de Vinicius Roratto do Correio do Povo) está tão baixo que deixa a régua de medição totalmente à mostra.


Já tivemos, contudo, situação pior na Grande Porto Alegre. Em 88, choveu muito menos com só 14,7 mm em fevereiro, 5,8 mm em março, 91,9 mm em abril e 42,0 mm em maio, totalizando um déficit de 286,6 mm em São Leopoldo. Em 1996 a estiagem do primeiro semestre perdurou também quatro meses com 81,0 mm em fevereiro, 70,1 mm em março, 68,9 mm em abril e 30,7 mm em maio, acumulando um déficit de 190,3 mm. Em 1995, a escassez foi de março a maio e teve déficit nos três meses de 143,1 mm, o que se repetiu em 1997 com diferença em relação à média de 146,9 mm. Em 2004 e 2006, a estiagem foi até abril. Em 1965, ano da grande enchente de agosto, quase todo primeiro semestre foi seco no Estado.

O Rio Taquari e seus afluentes mostram face jamais vista em gerações. A estiagem traz prejuízos gerados na agricultura e navegação, que começam a se refletir em outras áreas da economia. Conforme a Univates, a chuva em Lajeado nos primeiros quatro meses do ano foi de apenas 434 mm, menos que a metade da média registrada no mesmo período em 2011. O nível do rio Taquari é o mais baixo desde a inauguração do Porto Fluvial em 1977 e deixa as barrancas expostas em todo o seu leito (foto de Lula Helfer da Gazeta do Sul).

As dificuldades no Taquari têm sido monitoradas desde janeiro, quando navios maiores pararam de navegar porque o nível mínimo do calado, para possibilitar a navegabilidade, que teria de estar em 13 metros, parou em 11,1 metros. Grãos como soja e milho estão sendo escoados via rodovia, aumentando o frete, já que um navio carrega o equivalente a 100 carretas. A barragem eclusa de Bom Retiro do Sul aponta a menor medição do Rio Taquari desde a sua abertura em 1976. A cota atual é de 11,3 metros, quando o normal seria 13 metros (foto de Luís Fernando Wagner da Rádio Independente).

Situação muito complicada no Vale do Rio Pardo, onde há cidades racionando água. O acumulado de chuva parcial no trimestre março a maio é de apenas 173,2 milímetros em Santa Cruz do Sul, de acordo com dados da estação meteorológica da Universidade de Santa Cruz (Unisc). Foram 54,8 mm em março (média histórica de 124,4 mm), 96,2 mm em abril (média 121,7 mm) e 22,2 mm em maio (média 155,4 mm). A precipitação média pelos padrões históricos no trimestre março-maio é de 401,5 mm, mas considerando apenas até o dia 15 de maio a normal seria de 323,8 mm. Como só choveu 173,2 mm, a precipitação nestes dois meses e meio ficou em apenas 53% da média. Com a falta de chuva na região de Santa Cruz, o Rio Pardinho simplesmente secou (foto de Lula Helfer).

Pesquisa do Professor Marcelino Hoppe, da Unisc, revela que o atual quadro de estiagem, apesar de grave, está longe de atingir a severidade de eventos do passado. Segundo dados da série histórica 1914-1968 da estação do serviço de Meteorologia do Ministério da Agricultura de Santa Cruz do Sul, o mês mais seco no município ocorreu em abril de 1967 com apenas 4,8 mm. Já o bimestre mais seco se deu em 1926, quando em fevereiro e março caíram somente 25,2 mm. O trimestre mais seco, por sua vez, ocorreu entre novembro e janeiro de 1942 com tão-somente 96,9 mm. O março mais seco foi o de 1926 com 11,5 mm, o abril com menor índice de precipitação ocorreu em 1967 com 4,8 mm e o maio mais seco foi o de 1964 com 10,1 mm.  Este período atual de estiagem é tão forte que o Rio Jacuí pode ser atravessado caminhando em alguns trechos em Rio Pardo, onde na praia dos Ingazeiros, confluência com o Rio Pardo, o nível está muito baixo (fotos de Igor Muller da Gazeta do Sul).

Em 1964, ano que Santa Cruz do Sul teve recorde de menor precipitação em maio, quase todo o primeiro semestre foi muito seco na cidade com 76,5 mm em janeiro, 64,7 mm em fevereiro, 51,3 mm em março, 64,3 mm em abril, 10,1 mm em maio e 40,6 mm em junho.Na sequência, contudo, a chuva aumentou bastante com 104,4 mm em julho, 194,3 mm em agosto e 120,4 mm em setembro. O mês mais chuvoso de 1964 foi dezembro com 152,0 mm. Assim como em 64, Santa Cruz registrou chuva muito abaixo da média entre março e maio também em 1965 com só 180,2 mm. Junho e julho seguiram secos em 1965, mas em agosto a precipitação atingiu níveis extremos com 324,8 mm e enchentes.

Não só o Rio Grande do Sul vive os efeitos da estiagem. O vizinho Uruguai também. A escassez de água é severa em algumas áreas do país, o que ameaça a geração de energia. O Rio Negro apresenta uma baixa histórica e seu nível nesta semana era de apenas 0,18 metro. O cenário foi raramente visto com peixes mortos e apenas pedras no agora seco reservatório da usina de Palmar (foto do El Pais) que foi obrigada a paralisar a geração por falta de água.

Barcos podiam ser vistos encalhados entre as pedras no leito do rio seco. Já a represa de Salto Grande está com sua menor vazão desde a inauguração, resultado da baixa do Rio Uruguai. A estiagem impacta o custo da energia e autoridades informaram que a tarifa ao consumidor uruguaio deveria ser o dobro da hoje praticada. A precipitação no Uruguai nos últimos seis meses esteve abaixo da média na maior parte do país, porém o período de maior escassez hídrica foi na virada do ano.


E a chuva ? Quando e como vem ? Pior cenário, e estatisticamente menos provável, seria uma repetição de 1917, quase todo seco e que registrou só 513,6 mm em Bagé. O mais provável, contudo, é que a recuperação do déficit hídrico seja gradual. Junho deverá ser mais chuvoso, mas o padrão de irregularidade nas precipitações persistirá. Chuva em volumes maiores é esperada na segunda metade do ano. Na história recente, quando o trimestre março a maio foi seco na Grande Porto Alegre (1988, 1995, 1996 e 1997), os dois trimestres seguintes registraram precipitação maior, até com excessos. Esta, aliás, é uma preocupação. Em 1964 e 1965, como agora, quase todo o primeiro semestre foi de pouca chuva, mas o segundo teve excessos e até enchentes, inclusive episódios graves. Clientes da MetSul têm recebido boletins detalhados sobre a expectativa da chuva para os próximos meses e a possível evolução da estiagem.