A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul fez um alerta à população devido à situação da dengue na região metropolitana de Porto Alegre. Entre os 67 municípios gaúchos hoje com infestação do mosquito que transmite a doença (Aedes aegypti) estão Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Leopoldo e Viamão. Neste ano já foram registrados nessas cidades 17 casos importados de dengue (quando a contaminação ocorreu em outros estados), sendo dois em Canoas, 14 em Porto Alegre e um em Viamão. Em Porto Alegre, grande parte da cidade está hoje com índice de infestação (IIP) de risco ou alto risco, segundo o último levantamento de índice rápido (LIRA).


Na Capital, a taxa de infestação passou de 1,8% em janeiro para 4,7% em março. O índice, considerado de alto risco, é o maior desde 2007. Antes, a infestação era maior nos bairros próximos ao Lago Guaíba. Nos últimos levantamentos realizados pela Secretaria Municipal da Saúde, porém, observou-se expansão para outros bairros, alguns dos quais são limítrofes com municípios da Região Metropolitana.

Na amostragem de março, em 14.287 imóveis de 76 bairros da cidade de Porto Alegre, foram encontrados 884 depósitos com larvas, uma média de 1,3 criadouro por imóvel. O maior número deles (60%) estava em pratinhos de suporte para vasos, potes e vasilhames. Em segundo lugar (14,8%), estavam calhas, lajes, piscinas não tratadas, sanitários desativados e caixas pluviais. Lixo, sucatas e entulhos representaram 7,5%.

Apesar de uma forte estiagem na maior parte do Rio Grande do Sul, o verão chuvoso e muito quente pode ter contribuído fortemente para a forte subida dos índices de infestação em Porto Alegre e região metropolitana, conforme o entendimento da MetSul. Janeiro teve em Campo Bom 257,6 mm de precipitação, quando a média histórica (1985-2011) é de 142,8 mm. Em fevereiro foram 190,9 mm contra uma média de 130,4 mm. Em março, a chuva somou no município 105,8 mm, quando a normal histórica é de 117,5 mm. Já em São Leopoldo, na estação da MetSul, foram 125,2 mm em janeiro (média histórica é de 138,8 mm) e de 228,6 mm em fevereiro (média de 121,2 mm).

Não só a chuva foi excessiva. O calor também. Campo Bom teve em janeiro temperatura média de 24,2ºC, 0,7ºC abaixo da normal histórica. Em fevereiro, porém, a temperatura média no município de 26,1°C (normal é 24,3°C) foi recorde absoluto desde o início dos registros em 1985, superando janeiro de 1986 que teve média de 26,0°C. Já março, que teve uma primeira quinzena tórrida, acabou com temperatura média de 22,5ºC, 0,9ºC abaixo da normal histórica em conseqüência do frio muito intenso para a época do ano registrado na última semana do mês.

Em Porto Alegre, onde os índices de infestação de dengue deram um salto entre janeiro e abril, a chuva no verão também ficou acima dos padrões históricos. Foram 166,0 mm em janeiro (média histórica de 100,1 mm), 139,5 mm em fevereiro (média de 108,6 mm) e 122,7 mm em março (normal histórica 1961-1990 de 104,4 mm). A temperatura média na Capital em janeiro foi de 24,8ºC em janeiro (0,2ºC acima da normal 1961-1990), de 26,6ºC em fevereiro (1,9ºC superior à média) e de 23,5ºC em março (0,4ºC acima da média histórica).

Em fevereiro, Porto Alegre teve a segunda pior onda de calor para o mês desde 1958 e a maior temperatura máxima na cidade no mês dos últimos 54 anos. Foi o segundo fevereiro mais quente na Capital, pelo menos, desde 1961. A média mensal compensada de 26,6ºC somente perde para os 26,8ºC de 1984. A temperatura mínima média no mês foi de 22,5ºC, valor 1,7ºC acima da média histórica e a mais alta para fevereiro desde 1984, quando a média mínima foi de 22,8ºC. Já a temperatura máxima média atingiu impressionantes 33,5ºC, desvio de 3,5ºC acima da normal. A média máxima de fevereiro de 2012 superou, inclusive, a de 33,1ºC de 1984 e pode ter sido a mais alta já registrada em Porto Alegre em um século ao lado dos 33,5ºC de março de 1926.

A correlação entre o clima (regime de chuva e temperatura) e a dengue, doença tropical, parece ser muito clara no Rio Grande do Sul, no entendimento da MetSul. Existem vários estudos no Brasil e no exterior, aliás, que identificaram a relação da doença com o clima local, tanto quanto à temperatura e, sobretudo, quanto à chuva como Gonçalves Neto e Rebelo (2004), Guzman e Kouri (2003), Chakravarti e Kumaria (2005), (Gratz 1993) e Indaratna (1998).

Em “Aspectos epidemiológicos do dengue no município de São Luis, Maranhão, 1997-2002”, os pesquisadores Vicente Silva Gonçalves Neto e José Manuel Macário Rebelo destacam que “a chuva exerce grande influência no período de ocorrência da doença”. Segundo eles, na capital do Maranhão, precipitação pluviométrica e umidade relativa do ar são fatores que não só aumentam consideravelmente o número de criadouros para o desenvolvimento das formas imaturas do vetor (mosquito) como também geram condições ambientais para o desenvolvimento dos adultos. A análise dos autores revelou ainda maior freqüência de casos na estação chuvosa (83,80%), em detrimento do período de estiagem (16,20%) Houve correlação positiva, ao longo dos anos, com a precipitação pluviométrica (r = 0,8415) e a umidade relativa (r = 0,7606), contudo negativa para a temperatura (r = -0,7838).

Em outro estudo brasileiro, intitulado “Clima e sobreposição da distribuição de Aedes aegypti e Aedes albopictus na infestação do Estado de São Paulo”, Carmen Moreno Glasser e Almério de Castro Gomes verificaram que “quanto menor a temperatura, mais lento foi o processo de expansão geográfica da população de Ae. Aegypti”, o que teve influência preponderante na determinação dos diversos padrões macrorregionais de expansão geográfica da espécie no estado paulista.

Um dos mais interessantes trabalhos sobre correlação da dengue com o clima publicado na literatura médica mexicana por Joan M Brunkard. O autor desenvolveu um modelo para avaliar a influência de fatores climáticos (temperatura da superfície do mar) e do tempo (temperatura máxima, temperatura mínima e precipitação) sobre a incidência de dengue na fronteira do México com os Estados Unidos. O período de análise foi de 11 anos, compreendendo 1995-2005.

De acordo com o estudo no México, a incidência de casos da dengue aumentou 2,6% uma semana depois de cada 1ºC de aumento da temperatura média semanal e 1,9% duas semanas depois de cada centímetro (25 milímetros) de aumento na precipitação semanal. Para cada 1ºC de aquecimento da temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 (Pacífico Equatorial Central) observou-se 18 semanas depois um aumento de 19,4% na incidência de dengue, demonstrando a maior propensão de enfermidade na região em conseqüência de episódios de El Niño.

Aqui no Rio Grande do Sul, os primeiros casos da enfermidade contraídos no Estado, os chamados casos autóctones, ocorreram em 2007, ano que foi de El Niño moderado com chuva acima da média e temperatura elevada no verão não apenas no território gaúcho, mas também nas regiões vizinhas como o Norte da Argentina e o Paraguai. Já em 2008 e 2009, com episódios de La Niña clássico (canônico) no Pacífico (gráfico abaixo com as anomalias de temperatura da superfície do mar no Pacífico Central destacado o período 2007-2009), não houve registros de casos de dengue autóctones.


Em 2010, ano que o verão foi marcado pelo evento de El Niño mais forte desde 1997/1998, com chuva e temperatura acima da média em parte da estação, a doença retornou ao Rio Grande do Sul após uma trégua de dois anos. Porto Alegre teve uma brutal onda de calor na primeira metade de fevereiro de 2001 e registrou a maior mínima na cidade (27,9ºC) em um século de observações.

Em 2011, houve La Niña no verão, contudo o Rio Grande do Sul teve condições climáticas distintas das tradicionais de La Niña, muito em razão do Atlântico Sul que em 2010/2011 teve o maior aquecimento das suas águas desde 1973. O verão foi chuvoso na Metade Norte e janeiro foi escaldante. Porto Alegre terminou janeiro de 2011 com média das mínimas, que refletem as marcas noturnas, de 22,6ºC, valor 2,1ºC superior à normal 1961-1990, sem uma mínima sequer abaixo de 20ºC, fato inédito. Já a média composta de janeiro na Capital foi de 26,2ºC, 1,6ºC acima da média 1961-1990 e 1,5ºC superior ao que se viu no período 1931-1960. A temperatura média mensal e a média mínima em Porto Alegre em janeiro foram as mais altas desde o início das observações em 1910. Com isso, o Estado teve o primeiro verão com dengue sob La Niña, já que nos dois anos anteriores em que a enfermidade se manifestou estava presente o El Niño.

Neste ano de 2012, de estiagem na maior parte do interior durante o verão e temperatura elevada, houve uma ruptura de padrão em relação a anos anteriores com a manifestação da enfermidade no Noroeste gaúcho, a despeito da chuva abaixo da média. O número de casos, porém, é baixo. Em 2012, o Estado tem até o momento 29 casos autóctones contra 181 no mesmo período do ano passado. Este número menor, em nosso entendimento, não apenas decorre dos esforços de saúde pública, mas também do fato da chuva ter ficado bastante abaixo da media na maior parte do Rio Grande do Sul desde novembro. O que merece reflexão para o futuro é se o alastramento territorial e o aumento nos índices locais de infestação ao longo dos últimos anos não tornariam a doença com recorrência anual a partir de agora nos verões e outonos, modulando-se só a gravidade do número de casos ou de epidemias de ano para outro, conforme as condições sazonais de temperatura e chuva no território gaúcho. Cresce, neste aspecto, a importância da informação do clima como assessoramento para os agentes de saúde pública nas suas tarefas de planificação.


Pelo menos 2,5 bilhões de pessoas, em uma centena de países tropicais, estão expostas ao risco de infecção por dengue, doença tropical em plena expansão e a mais disseminada após a malária, segundo especialistas. Como causa da “expansão geográfica”, aparecem os transportes públicos, a urbanização em massa e desordenada e o modo como a água utilizada é descartada. De 60 a 100 milhões de pessoas são infectadas todos os anos pela dengue no mundo. As formas graves da doença, dengue hemorrágica e dengue com síndrome de choque, que se agravam em várias regiões intertropicais, podem levar à morte (mais de 20.000 óbitos por ano), sobretudo, nas crianças abaixo dos 15 anos. Nas páginas dos órgãos de saúde (veja) podem ser encontradas muitas recomendações sobre como prevenir a doença. (Com a colaboração de dados do meteorologista Eugenio Hackbart e do geógrafo Nilson Wolff, e imagens do Inmet e SMS-PMPA)