A onda de calor que atingiu os Estados Unidos e o Canadá no final do inverno e início da primavera é espantosa por todos os parâmetros e tem números que chegam a assustar pelo desvio em relação à climatologia histórica. Não é à toa que meteorologistas americanos não hesitaram em definir o período quente como épico ou surreal. Diria mais. Houve, ao meu entender, verdadeiras aberrações climatológicas. Nunca, desde o início dos registros meteorológicos na segunda metade do século XIX, houve tantas quebras de recordes na primavera da América do Norte. Estações de aeroportos de quinze estados americanos registraram suas máximas históricas absolutas para março. Não é à toa que os jornais locais fizeram manchetes como “que mês estamos mesmo?” e “pulamos uma estação?”.

O calor foi tão absurdo e fora do normal que ocorreram fatos que os meteorologistas não podiam imaginar. Houve localidades em que as mínimas, atentem que estamos falando de mínimas, superaram os recordes históricos de máximas. A mínima dia 21 em Marquette, estado de Michigan, foi de 11,1ºC, valor acima do recorde diário de máxima para a data que era de 9,4ºC. A mínima no Monte Washington (altitude de 1917 metros) no dia 21 foi de 6,6ºC, eclipsando o recorde de máxima para a data 6,1ºC. A temperatura média para o local no dia 23 de março é de -8,8ºC e o recorde de mínima diário de -32,5, mas na data este ano a máxima alcançou 10,5ºC, valor 5ºC acima do recorde de máxima diário prévio. A maior marca já registrada no dia Monte Washington, um dos locais mais frio do Leste dos Estados Unidos, é de 12,2ºC, marca de 31 de março de 1998. O que tinha de neve na montanha desapareceu.


As mínimas superaram os recordes de máximas diários não só nas montanhas. A cidade de International Falls, Minnesota, considerada a mais fria da área continental americana (Icebox of America) teve mínima no dia 20 de 15,5ºC, igualando o recorde de máxima para data. Em outras palavras, a mínima na cidade mais fria dos Estados Unidos dia 20, último dia do inverno setentrional, ficou 1ºC acima da mínima no dia registrada em Passo Fundo, onde chegava ao fim o verão. Absurdo !

A temperatura máxima de 29,2ºC em Western Head (Nova Escócia), no Canadá, foi a terceira maior já registrada em março no país até hoje, perdendo apenas para os 31,1ºC de Alberini Beaver Creek (Columbia Britânica) de 29 de março de 1926 e os 29,4ºC de Wallaceburg de 1921. Várias cidades canadenses tiveram máximas não apenas acima dos recordes absolutos de máximas para março, mas, acredite, também de abril. Em St. John (New Brunswick) a máxima no dia 21 de 27,2ºC superou o recorde de março na cidade de 17,5ºC e o de abril também de 22,8ºC. Em Kejimkujik (Nova Escócia) os 27,9ºC do dia 21 ficaram acima do recorde histórico de março de 22,5ºC (30/3/1986) e de 25ºC em abril (27/4/1990). Pior, em alguns locais, os recordes foram batidos com desvios de 10ºC a 20ºC acima da marca extrema anterior, algo surreal climatologicamente. Em Western Head (Nova Escócia), a máxima de 29,2ºC no dia 22 dizimou o recorde de máxima para a data que era de 10,6ºC em 1969. Nos Estados Unidos, na cidade de Pellston, considerada a mais fria do estado de Michigan, fez 29,4ºC no dia 21 de março, quando o recorde de máxima para a data era de 11,6ºC em 2007, ou seja, 17,8ºC acima do recorde anterior para o dia. A temperatura ficou 24ºC acima da média histórica.

O estado americano de Michigan teve seu recorde de máxima para março com o registro de 32,2ºC na quarta-feira (21) da cidade de Lapeer. O recorde anterior era 31,6ºC, do ano de 1910, e foi igualado neste episódio em outras três cidades de Michigan. Na cidade de International Falls, a temperatura foi recorde diário por dez dias seguidos. Em Chicago, Illinois, foram nove dias consecutivos de máximas diárias recordes, igualando o período de 26 de agosto a 3 de setembro de 1953. O recorde absoluto de máxima para Chicago em março de 31,1ºC de 31/3/1986, contudo, não foi batido. Os termômetros indicaram 30,5ºC em 21/3/2012. Por falar na cidade de Chicago, o período quente deste mês fez a temperatura do Lago Michigan disparar e ficar muito acima do que é normal para esta época do ano.

No estado de Minnesota, até o dia 23 de março, a temperatura máxima nas Twin Cities (registros do Aeroporto Internacional de Saint Paul) alcançou ou superou 70ºF (21,1ºC)  por sete dias, batendo o extremo anterior de março de dias seguidos em 1910. Foram quatro dias de recordes consecutivos (16 a 19 de março), quando antes só tinham ocorridos três dias em março com recordes consecutivos (23 a 25 de março de 1939 e 22 a 24 de março de 1945).  O período de 365 dias para 23 de março de 2011 a 23 de março de 2012 foi o mais quente desde o início dos registros em 1871 com média de 10,2ºC. O gráfico que foi preparado pelo Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos (abaixo) mostra os desvios de temperatura máximas ocorridos neste mês em Sant Paul-Minneapolis.


A épica onda de calor trouxe até agora mais de sete mil, você leu bem, mais de sete mil recordes de temperatura máxima neste mês, segundo dados do National Climatic Data Center do NOAA. O site do NOAA responsável por informar os recordes chegou a sair do ar, tamanha foi a quantidade de acessos e dados processados.