El Niño persiste no Oceano Pacífico Equatorial, ainda se intensifica e bagunça o clima com extremos de precipitação e temperatura de Norte a Sul do Brasil. Os efeitos do El Niño, que teve início em junho, se sentem no país com seca severa na Amazônia, calor extremo no Sudeste e no Centro-Oeste, e chuva recorde no Sul do Brasil. Todos estes impactos são clássicos do fenômeno no clima do Brasil e eram antecipados com precisão por modelos climáticos por vários meses.
No Norte do Brasil, a principal manifestação dos efeitos do El Niño se dá pela seca que assola a região amazônica. O nível do Rio Negro no começo desta semana chegou a 12,80 metros no Porto de Manaus, o menor desde começaram as medições em 1902. Anteriormente, a cota mais baixa foi registrada em 2010, com 13,63 metros, em uma estiagem que provocou estragos devastadores na região. A maior se deu em 2021, quando o nível do rio atingiu a marca de 30,02 metros.
O Amazonas registra a menor extensão coberta por água no estado desde 2018. Os dados foram obtidos a partir de imagens de satélites dos sistemas LandSat e Sentinel e apontam para uma superfície de água de 3,56 milhões de hectares, uma redução de 1,39 milhão de hectares em relação aos 4,95 milhões de hectares registrados em setembro de 2022, segundo o Map Biomas.
Embora o nível do rio não seja dependente da chuva que ocorre na cidade de Manaus, os acumulados de chuva têm estado quase todos os meses abaixo da média. Em junho, a cidade anotou 48,4 mm (média histórica mensal de 117,2 mm). Em julho, a chuva de 69,8 mm ficou perto da média do mês de 67,1 mm. Em agosto, apenas 18 mm para uma média de 56,1 mm. Em setembro, 42,8 mm para uma média de 79 mm. E nos primeiros 24 dias de outubro foram somente 90,2 mm, quando a média do mês é de 113,9 mm.
No Centro-Oeste e no Sudeste, o calor extremo quebrou recordes nesta primavera em duas ondas de calor, uma na segunda quinzena de setembro e outra nesta segunda metade de outubro. O episódio de setembro trouxe temperatura de 45ºC no interior de São Paulo e fez com que a cidade de Belo Horizonte registrasse sua maior máxima desde 1910 com 38,6ºC. Agora em outubro, Cuiabá teve a maior temperatura máxima desde o início dos registros com 44,2ºC, superando o recorde da onda de calor de 2020 de 44ºC.
No Sul, chuva demais. A chuva acumulada no Rio Grande do Sul apenas em 90 dias até o dia 24 de outubro nas estações do Instituto Nacional de Meteorologia somava 993 mm em Passo Fundo, 974 mm em Palmeira das Missões, 932 mm em Frederico Westphalen, 920 mm em Serafina Corrêa, 890 mm em Canela, 861 mm em Caçapava do Sul, 843 mm em São Vicente do Sul, 834 mm em Santo Augusto, 825 mm em Ibirubá, 814 mm em São Luiz Gonzaga, 808 mm em Santiago, 804 mm em Tupanciretã, e 801 mm em Cambará do Sul.
Porto Alegre registrou em setembro o mês mais chuvoso de sua história climática, com registros desde 1910. O acumulado mensal foi de 447,3 mm, superando os 405,5 mm de maio de 1941, 403,6 mm de junho de 1944 e abril de 1941 com 386,6 mm. A chuva com acumulados extraordinário de setembro trouxe a maior cheia do Rio Taquari (29,62 m) e a maior cota do Guaíba em Porto Alegre (3,18 m) desde 1941.
O Rio Grande do Sul, ademais, teve o maior desastre natural em vítimas desde 1959 com a enchente catastrófica do Vale do Taquari, com saldo oficial de 51 mortos. A vazão do sistema Taquari-Antas que levou à enchente foi colossal. A UHE (Usina Hidrelétrica de Energia) Castro Alves, tem uma vazão média de longo período de 162 metros cúbicos por segundo e teve vazão afluente registrada de 9.783 metros cúbicos por segundo, acima da estimativa de recorrência decamilenar (10 mil anos).
Em Santa Catarina e no Paraná, os extremos de chuva passaram a ser observados a partir deste mês de outubro com graves enchentes. Os acumulados de chuva somente entre os dias 1º e 24 de outubro em Santa Catarina atingiram 560 mm em Mirim Doce e 513 mm em Taió. Grande número de cidades catarinenses teve nos primeiros 24 dias deste mês volumes de 300 mm a 500 mm. Em algumas cidades paranaenses perto da divisa com Santa Catarina, os volumes deste mês até agora somam de 400 mm a 500 mm.
El Niño está hoje entre moderado a forte
O fenômeno El Niño não apresentou grande intensificação nos últimos 30 dias, mas ainda se fortalece. O último boletim semanal sobre o estado do Pacífico da agência climática dos Estados Unidos (NOAA) indicou que a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 1,6ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central. Esta região é a usada oficialmente na Meteorologia como referência para definir se há El Niño e ainda avaliar qual a sua intensidade. O valor positivo de 1,6ºC está na faixa de El Niño forte (+1,5ºC a +1,9ºC).
A anomalia de 1,6ºC, entretanto, não é a maior deste evento de El Niño até o momento. A maior anomalia até agora neste episódio do fenômeno, que se iniciou em junho, foi de 1,7ºC e registrada no boletim da semana de 20 de setembro. Foi a maior anomalia observada na região Niño 3.4 desde a semana de 9 de março de 2016, no Super El Niño de 2015-2016, quando esta parte do Pacífico chegou a ficar 1,8ºC mais quente do que a média.
Por outro lado, a região Niño 1+2, está com anomalia de +2,3ºC, com El Niño costeiro muito forte junto ao Peru e Equador, aquecimento na região que teve início no mês de fevereiro e que atingiu o seu máximo de intensidade durante o inverno. A maior anomalia de El Niño costeiro na região Niño 1+2 neste ano se deu na semana de 19 de julho com 3,5º C.
El Niño continuará até o próximo outono
A tendência é de o fenômeno El Niño seguir influenciando o clima nos próximos meses com mais extremos pelo Brasil. Ao menos até o começo ou o meio do outono de 2024 são esperadas condições de fase quente do Oceano Pacífico Equatorial. De acordo com a maioria dos modelos de clima, o pico de intensidade do El Niño se daria entre novembro e dezembro.
Com isso, novos extremos de chuva e seca devem ser esperados no Brasil. Chuva com volumes muito acima da média está no prognóstico climático da MetSul Meteorologia para os próximos meses ainda no Sul do país e acumulados acima do normal são previstos para as próximas semanas em parte do Centro-Oeste e do Sudeste, sobretudo no Mato Grosso do Sul e São Paulo.
No Norte, a chuva deve seguir abaixo da média, embora a chegada do inverno amazônico traga um aumento da precipitação. A situação tende a se deteriorar em parte da Região Nordeste com seca que tende a se agravar principalmente em áreas mais ao Norte da região com piora maior esperada para os primeiros meses de 2024.
Os mapas acima mostram as projeções trimestrais de anomalia de precipitação para a América do Sul por trimestres até abril de 2024 pela Universidade de Colúmbia, dos Estados Unidos, em que se constata a tendência muito clara de um sinal invertido da chuva no território brasileiro com excesso mais ao Sul e chuva abaixo da média no Norte e no Nordeste do Brasil.
Assim, o restante desta primavera e todo o verão de 2024 ainda terão a presença do El Niño pelas projeção da agência de clima norte-americana. A transição para uma fase de neutralidade, com o fim do episódio de El Niño de 2023/2024, somente se daria durante o outono do próximo ano, mais possivelmente entre meados de abril e maio.