O último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos, a NOAA, o centro meteorológico e climático do governo norte-americano, indicou anomalia de temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central (região denominada de Niño 3.4) de +1,1ºC. No Pacífico Equatorial Leste, próximo das costas do Peru e do Equador, a denominada região Niño 1+2, a anomalia de TSM foi de +0,8ºC na última semana. Como a região Niño 3.4 é utilizada para a classificação de El Niño ou La Niña, a anomalia de temperatura da superfície do mar nesta parte do oceano está em patamar de El Niño e, inclusive, com intensidade um pouco moderada.

Por mais de dois meses as anomalias de temperatura da superfície oceânica preenchem os critérios de El Niño, mas neste fim de dezembro não se pode dizer ainda que exista um episódio do fenômeno em andamento. A razão é simples e ao mesmo tempo complexa. Há uma expressão popular que diz que “se um não quer, dois não fazem”. Pois, para que haja um episódio de El Niño tanto o oceano como a atmosfera devem se comportar em modo de El Niño e isso não ocorreu até o momento. Não houve o que, tecnicamente, se chama de acoplamento do oceano com a atmosfera em que as condições de El Niño de um e outro interagem se reforçando e sustentando o fenômeno. Grosso modo, somente um quis até agora, no caso o oceano. A atmosfera, não.

Analisando-se padrões de nebulosidade, pressão atmosférica e vento na faixa equatorial se observa que estes hoje não apresentam características de El Niño, ou seja, ainda não responderam ao aquecimento observado no oceano. Um dos principais indicadores é o chamado Índice de Oscilação Sul ou SOI em Inglês que é calculado pela diferença de pressão atmosférica entre o Taiti e Darwin. Valores positivos acompanham os eventos de La Niña e negativos os de El Niño. Ocorre que a média da SOI de 30 dias está hoje em +9 e a média móvel de 90 dias em 0. Com efeito, o comportamento da SOI está totalmente diferente do que poderia se esperar estivesse um evento de El Niño, de fato, em curso.

A esmagadora maioria dos modelos climáticos indica a continuidade do aquecimento do Oceano Pacífico nos próximos meses. A Organização Meteorológica Mundial estima em mais de 80% a probabilidade de El Niño nos próximos meses. Já a NOAA dos Estados Unidos coloca a probabilidade em mais de 90%. E aí está o grande “X da questão” para a MetSul Meteorologia. Em regra, um evento de El Niño se instala no inverno, entre junho e agosto, e atinge seu pico ao redor do Natal. Não à toa o nome El Niño que em espanhol significa menino e faz alusão ao comportamento da pesca durante o período de Natal, do menino Jesus, na costa peruana.

Estamos no período do ano que deveria marcar o auge de intensidade de um evento de El Niño e sequer temos um episódio declarado até o momento. Em 2002/2003 e 2014/2015 ocorreram eventos de El Niño tardios, mas se esse vier a se confirmar será absurdamente tardio. E atenção para esse dado. Nunca, não há precedentes, de um episódio de El Niño sendo declarado em janeiro ou fevereiro. E nessa época do ano é mais difícil que a atmosfera entre em fase com o oceano, logo, a despeito das probabilidades indicadas de 80% a 90% para a MetSul não se pode ter tal grau de assertividade que neste verão os critérios para que se declarem um evento do fenômeno sejam preenchidos.

Sem que a atmosfera esteja em fase com o oceano até o momento e com o aquecimento concentrado mais no Pacífico Central que no Leste, que seria a forma mais clássica de El Niño, a MetSul acautela que não se pode antecipar um padrão de repercussão geral na atmosfera global com suas tradicionais conseqüências no curto prazo. Assim, trata-se de cenário inédito e de enorme complexidade em que associações comuns de efeitos de El Niño no clima local e regional não podem ser feitas, uma vez que temos condições Niño oceânicas, entretanto não um episódio completo do fenômeno.