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Situado sobre a maior reserva de água doce do mundo, o aquífero Guarani, o Uruguai enfrenta hoje uma situação hidrológica dramática com reservatórios secos e medidas emergenciais para fazer frente à falta de água que escalaram para uma crise política e protestos de rua contra as autoridades nacionais.

Anos seguidos de seca esgotaram as reservas hídricas no Sul do Uruguai e população agora enfrenta falta de água em condições de consumo | PABLO PORCIUNCULA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O jornal El País de Montevidéu recorda que “no país que tomou o nome de rio de água doce, os habitantes do Sul bebem hoje água com um grau de salinidade fora do comum”. Isso porque desde o final de abri, a água encanada em Montevidéu e na região metropolitana da capital Uruguaiana, onde vivem 1,7 milhão de pessoas, mudou sua composição e sabor, como resultado do déficit hídrico que atinge a região há três anos.

“Como é salgada a água”, resmungam os montevideanos por toda a parte. A situação é excepcional e vai durar pelo menos mais 30 dias, esclarecem as autoridades, se não cair a chuva necessária para recompor minimamente os reservatórios de água doce que abastecem as usinas da estatal de sanamento Obras Sanitárias do Estado (OSE).

A empresa informou o alto grau de salinidade se deve ao fato de que atualmente as águas doces da bacia do rio Santa Lucía se misturam com outras águas salgadas que vêm do Rio da Prata. Com base nisso, a OSE elevou temporariamente o limite de sódio permitido por litro de água, de 200 para 440 miligramas, dobrando o que está estabelecido na regulamentação local.

A medida garante o abastecimento por mais 30 dias, embora o governo admita que esta água “não é potável na perfeita definição de potabilidade”. É “bebível” e “consumível”, insistem os governantes para a fúria da população. A empresa se defende dizendo que sem as medidas que elevaram a salinidade, a água corrente para consumo nas torneiras teria durado duas semanas.

O Ministério da Saúde do Uruguai indicou à população em geral que poderia seguir bebendo água da torneira, mas acautelou evitar o consumo por pessoas com doença renal crônica, insuficiência cardíaca, cirrose e também para mulheres grávidas.

Nos últimos dias, com a água salobra que chega nas torneiras, a venda de água engarrafada triplicou e o temor é desabastecimento. Os empresários garantem que o produto não faltará, mas admitem que “pode faltar um dia ou outro em algum comércio”.

Governos adotam medidas ainda para garantir que a população de baixa renda tenha acesso à água mineral. Os governos nacional e municipal de Montevidéu apresentaram uma série de ações para levar água engarrafada à população com menos recursos. A Presidência do Uruguai anunciou que será garantido o equivalente ao custo de dois litros de água por dia, por pessoa e por um mês, nos departamento de Montevidéu e Canelones, no Sul do país.

Protestos da água

O diário uruguaio destaca que moradores de Montevidéu se perguntam como ser possível que o Uruguai, localizado em uma das maiores reservas de água doce do mundo, esteja passando por crise hídrica tão grave. O tema está presente nas conversas do café, nos debates na tevê e mexeu com o ânimo de muitos uruguaios, que saíram às ruas nestes dias para protestar contra a gestão da água.

Pessoas protestam contra os altos níveis de sal na água fornecida pela empresa estatal Obras Sanitárias del Estado (OSE) em frente à residência do presidente uruguaio em Montevidéu | EITAN ABRAMOVICH/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Crise hídrica se transformou em crise política com governo e oposição trocando acusações sobre a falta de preparo para enfrentar os reservatórios secos | EITAN ABRAMOVICH/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Governo e oposição no Uruguai trocam acusações sobre a responsabilidade da crise hídrica. A oposição acusa o governo de ter rejeitado projeto que garantiria o abastecimento de água. Já os governistas prometem a construção da estação de tratamento de água no Sul do país que abasteceria a região metropolitana com as águas do Rio da Prata.

Um país seco

Enquanto os projetos não saem do papel a crise piora a cada dia. A represa Canelón Grande, localizada a 61 quilômetros de Montevidéu, no departamento de Canelones, secou a ponto de aparecerem rachaduras na terra antes coberta de água. O reservatório foi pensado originalmente para a irrigação, e também era usado para abastecer uma das principais infraestruturas de distribuição de água potável do país, conhecida como Águas Corrientes, que atende à capital, Montevidéu, e à sua região metropolitana.

Reservatório seco de Canelon Grande ao Norte de Canelones, no Sul do Uruguai, pela seca severa que afeta o país. O reservatório fornece água potável para a área metropolitana de Montevidé e é usado em sistemas de irrigação na área. | PABLO PORCIUNCULA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Reservatórios secaram no Sul do Uruguai | PABLO PORCIUNCULA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Uruguai, país de quase 3,5 milhões de habitantes, tem mais da metade de sua população concentrada nessa área urbana e suburbana de Montevidéu. No setor agropecuário, a situação é de extrema gravidade. É “o maior prejuízo da agropecuária e da economia nacional nos últimos 30 anos”, ressaltou o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, Fernando Mattos, citado pelo jornal “El Observador”.

Seca pode ser a pior em mais de um século

A precipitação acumulada anual no Uruguai apresenta uma grande variabilidade e é de 1305 mm por ano na série 1981-2010. Houve anos extremamente secos, como 2008 com 758 mm e 1989 com 872 mm, ao passo que 2002 foi excepcionalmente úmido com 1988 mm.

Só que o Uruguai não enfrenta um ano seco, mas vários seguidos. De acordo com dados do Instituto Uruguaio de Meteorologia (Inumet), os últimos três anos foram extremamente secos, sendo 2020 o terceiro mais seco desde a década de 1980 com 914 mm, 2021 o 11º mais seco com 1108 mm e 2022 o 10º mais seco da série 1981-2022 com 1086 mm.

Conforme o Índice de Precipitação Padronizada, usado para quantificar secas, o ano de 2020 foi muito seco (seca severa) em quase todo o país, enquanto o ano de 2021 foi ligeiramente seco com clima mais seco no Oeste e Centro-Sul do país. Já 2022 foi seco em quase todo o território uruguaio com categorização de seca severa no Sul e Sudoeste do país.

Índice de Precipitação Padronizada de 2020, 2021 e 2022 | INUMET

O Inumet fez um estudo de caso com base em dados da estação meteorológica do Prado, que é a de referência climatológica para Montevidéu. No período 1947-2022, com uma média móvel trienal, o período 2020 a 2022 com um total acumulado de 2450 mm acabou por ser o triênio mais seco.

“Apesar de estimarmos um período de retorno (empírico) de acordo com o referido estudo de caso de pelo menos 74 anos, ao realizar um cálculo teórico, este período de retorno seria ainda maior, podendo ultrapassar 100 anos”, disse o Inumet.

Quando vai chover no Uruguai

A normalização das reservas hídricas no Uruguai não virá tão cedo, mas a chuva começa aos poucos aumentar no país vizinho. A região de Montevidéu deve ter chuva agora no final desta semana, entre esta sexta e o sábado, e um novo episódio de precipitação com volumes mais altos na metade da próxima semana.

Anomalia de chuva prevista para a primavera | IRI

O grande alívio vem para o Uruguai no segundo semestre deste ano por conta do fenômeno El Niño. De início, a precipitação deve se aproximar das médias históricas e depois passar a ficar acima ou muito acima dos padrões históricos. Por isso, a segunda metade do inverno e a primavera podem ter acumulados muito altos de precipitação.