O ar polar não se resumirá a avançar pela América do Sul nos próximos dias. Como se diz na linguagem do futebol, o ar gelado irá literalmente “patrolar” o Cone Sul do continente. Fundamental tentar entender os motivos pelo qual se prevê tanto frio e para isso se faz imperativo entender a dinâmica atmosférica. Hoje, o Rio Grande do Sul amanheceu com frio de 1,7ºC negativo em São José dos Ausentes, resultado de massa de ar frio e seco que ingressou no Sul do Brasil entre domingo e ontem. Observem na análise da madrugada de hoje do modelo GFS as várias ondas longas ao redor da Antártida e como a mais expressiva se dá justamente no Atlântico Sul, e que se desloca de Oeste para Leste após sua crista ter nos alcançado ontem, o que advectou o ar frio para o Estado. Estávamos na crista da onda, literalmente ! Vem mais. Vamos “surfar” nelas.


A dinâmica atmosférica será bastante mais radical durante a segunda metade da semana e no começo da próxima na América do Sul. O que já denominei em análises no passado (e muita gente gostou da expressão adotada) de “corredor polar” será literalmente escancarado entre o Cone Sul e a Antártida na segunda metade da semana. As correntes de vento que trarão ar gelado aqui para o Rio Grande do Sul e países vizinhos virão direto da região entre a Terra do Fogo e a Península Antártica, o que explica a grande força do frio que nos impactará. Observe nas linhas de corrente em níveis médios da atmosfera (500 hPa) como o fluxo de ar gelado se dará diretamente da região polar para a Argentina, o Uruguai, Paraguai e o Sul do Brasil.


O segundo pulso de ar polar gelado entre quinta e sexta-feira, e o terceiro no domingo, serão mais fortes que este primeiro que começa a se despedir, apesar de que as mínimas resultantes do segundo não serão tão baixas como hoje. As máximas sim despencarão ! O primeiro pulso de ar frio bateu à porta do Brasil neste começo de semana. O segundo abrirá a porta do Brasil. E o terceiro invadirá o Brasil. Vou me valer da máxima do “show, don’t tell” (mostre, não conte). Então, vejam !!!!!


A dinâmica polar vai ser tão interessante no decorrer dos próximos dias que o chamado vórtice polar antártico (ciclone persistente e de grande escala sinótica) deve se posicionar bem ao Norte da sua posição climatológica tradicional, em torno do meio do polo Sul. Modelos projetam seu deslocamento em direção à América do Sul, nas proximidades da Terra do Fogo (Ushuaia), o que ajuda a explicar porque as advecções de ar polar previstas pelos modelos devem ser tão fortes no Cone Sul.

A série de erupções de ar polar ocorre no momento ainda em que a cobertura de gelo marítimo ao redor da Antártida está 1,2 milhão de quilômetros quadrados acima da média, uma das maiores já registradas na era de observação por satélites. Nenhum ano das décadas de 80 e 90, por exemplo, teve tanto gelo marítimo no Polo Sul como se tem neste exato momento.


Coincidência ou não, em 8 e 9 de julho de 2007, quando  a cidade de Buenos Aires e região tiveram a maior nevada desde o distante 1918, a cobertura de gelo marítimo ao redor da Antártida também estava em níveis altíssimos. À época o valor era recorde para o Polo Sul na era de observação por satélites. Foi um dos invernos mais frios das últimas décadas na Argentina.


A presença de gelo nos mares antárticos é importante para a análise das incursões de ar frio em nossa região assim como a intensidade das ondas de frio. Estudo publicado por pesquisadores da UFRGS, que defendem a linha de estudo aquecimentista nas mudanças climáticas, destacou uma mudança na trajetória do ar frio em direção à América do Sul. De acordo com o estudo, as incursões polares que atingem o Brasil se originam no Mar de Bellinghausen, a Oeste da Península Antártica. Os pesquisadores, contudo, defendem que houve mudanças. O aquecimento da Terra teria alterado a dinâmica da atmosfera com vento mais forte. Estes se originam do Oceano Pacífico e podem ter deslocado, segundo estes cientistas, a origem das massas frias para o Mar de Weddell, no outro lado da Península Antártica. Estas massas de Weddel são mais frias por existir maior cobertura de gelo no mar. Em fevereiro deste ano, o gelo no Mar de Weddell estava quase 400 quilômetros ao Norte do normal. (Colaboraram Luiz Fernando Nachtigall na análise técnica-sinótica e Alexandre Aguiar com pesquisa histórica)