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Primavera mais quente do que o normal sob El Niño terá frequência maior de tempestades e um risco muito elevado de enchentes no Sul do Brasil | GABRIEL ZAPAROLLI/ARQUIVO

Primavera de 2023 começa neste sábado (23) às 3h50 com o equinócio, marcando a transição para o verão. As estações do ano são fenômenos naturais e ocorrem por causa da inclinação do eixo da Terra em relação ao plano de sua órbita em torno do Sol. O instante exato do início de uma estação do ano é determinado por uma posição específica da Terra em sua órbita, como explica a pesquisadora Josina Nascimento, da Coordenação de Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional.

“Para compreender o início das estações, é preciso imaginar a Terra parada e o Sol se movendo em relação a nós. Nessa perspectiva, o Sol percorre um caminho, que se chama eclíptica, e o instante do equinócio de setembro é aquele em que o Sol cruza o equador celeste, que é a extensão do equador terrestre, indo de Norte para Sul. No Hemisfério sul é o equinócio de primavera e no hemisfério norte é o equinócio de outono.”

As estações do ano são marcadas pela maneira como os raios solares incidem nos hemisférios. Além da temperatura, um dos efeitos que evidenciam as estações é a variação dos comprimentos dos dias, ou seja, a quantidade de tempo que o Sol fica acima do horizonte. Nas regiões próximas ao equador terrestre, esse efeito praticamente não existe. Quanto mais nos afastamos do equador terrestre, mais esse efeito torna-se evidente.

No início da primavera, os dias terão aproximadamente a mesma duração das noites, e no Hemisfério Sul, os dias vão ficando cada vez maiores e as noites cada vez menores, até o dia com maior presença do Sol no ano, que ocorre no início do verão, que em 2023 será em 22 de dezembro à 0h27 (horário de Brasília).

El Niño mais forte

A primavera deste ano vai se dar sob a influência do episódio do fenômeno El Niño mais forte desde 2015. No fim do inverno, o El Niño apresentava moderada a forte intensidade. Ao longo da primavera, conforme a estação evolui, o El Niño tende a se intensificar e pode atingir forte a muito forte intensidade até seu pico no fim do ano.

NOAA

O último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, indicou que a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 1,6ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central. O valor está na faixa de El Niño forte (+1,5ºC a +1,9ºC). A última vez que esta área do Pacífico esteve tão quente foi em março de 2016, no episódio do Super El Niño de 2015-2016.

Por outro lado, a região Niño 1+2, estava com anomalia de +2,6ºC, em nível de El Niño costeiro intenso junto ao Peru e Equador, aquecimento extremo do oceano na região que teve início no mês de fevereiro. O valor neste final do inverno, porém, estava abaixo do pico registrado de +3,5ºC, em julho deste ano.

Chuva na primavera e risco de enchentes

A tendência para a primavera deste ano é de chuva acima a muito acima da média na maior parte do Sul do Brasil por conta da influência do fenômeno El Niño. Espera-se uma repetição do padrão observado em anos como de 1997, 2009 e 2015 com grandes excessos de chuva, em particular no Rio Grande do Sul, em que alguns meses podem terminar com até o dobro ou triplo da precipitação média histórica mensal.

Por outro lado, na maior parte do Centro-Oeste e do Sudeste do Brasil a tendência sazonal indica uma primavera com precipitações abaixo a muito abaixo da média. Pontos mais ao Sul das duas regiões, sobretudo do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, é que podem ter estação com precipitação perto ou acima da média. Episódios isolados de precipitação volumosa em curto intervalo, acompanhando sistemas convectivos, podem contribuir para algumas áreas do Centro-Oeste e do Sudeste terem chuva acima da média, mas poucas.

Projeção de anomalia de precipitação (desvio da média) no trimestre setembro a novembro do modelo do Met Office (Reino Unido) | METSUL

Projeção de anomalia de precipitação (desvio da média) no trimestre setembro a novembro do modelo do SEAS5 (Centro Meteorológico Europeu) | METSUL

Projeção de anomalia de precipitação (desvio da média) no trimestre outubro a dezembro do multimodelo NMME (NOAA) | METSUL

Projeção de anomalia de precipitação (desvio da média) no trimestre outubro a dezembro do modelo GEOS (NASA) | METSUL

O Rio Grande do Sul é o estado que mais preocupa no Sul do Brasil nesta nova estação. Isso porque o mês de setembro terminará com volumes extraordinariamente altos no estado e com os níveis dos rios acima a muito acima dos seus níveis normais.

A tendência de uma primavera mais chuvosa e com excessos de precipitação agrava demasiadamente os riscos hidrológicos, assim que novas enchentes devem ser esperadas e com risco de serem de grandes proporções. O Oeste gaúcho, até agora poupado de grandes cheias no Rio Uruguai, será região do estado em que o risco de enchentes aumentará muito ao longo desta primavera.

Há uma mudança no regime de chuva no Centro-Sul do Brasil na primavera. No Centro do Brasil, a estação seca que tem seu auge no inverno chega ao fim e a chuva começa a se tornar mais frequente à medida que a estação avança com maior influência de ar tropical quente e úmido. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem média histórica de chuva de apenas 83,3 mm em setembro na estação do Mirante de Santana e de 143,9 mm em novembro.

Já mais ao Sul do Brasil, na segunda metade da estação, a chuva passa a ocorrer também pela combinação de calor e umidade, a famosa chuva de verão, especialmente de novembro em diante, o que não ocorre na maior parte do ano em que as precipitações são dependentes de sistemas de grande escala como frentes fria, frentes quentes e áreas de baixa pressão.

Temperatura na estação

Como estação de transição para o verão, na primavera aumenta a frequência de dias de calor e diminui os de frio. O começo da estação ainda tem características mais amenas e até com frio em alguns dias, ao passo que o final já tem padrão típico de verão. Os dias de calor aumentam, especialmente entre novembro e dezembro, quando algumas jornadas são muito quentes com possibilidade de ondas de calor e marcas perto ou acima de 40ºC.

A tendência é de uma primavera com temperatura acima a muito acima da média em quase todo ou mesmo em todo o Centro-Sul do Brasil. Onde a temperatura deve ficar mais acima da média é no Centro-Oeste e no Sudeste, onde é possível que em várias cidades a primavera deste ano possa ser a mais quente ou a segunda mais quente já observada desde o começo dos registros há um século no Brasil, ou seja, será uma estação excepcionalmente quente.

Projeção de anomalia de temperatura (desvio da média) no trimestre setembro a novembro do modelo do Met Office (Reino Unido) | METSUL

Projeção de anomalia de temperatura (desvio da média) no trimestre setembro a novembro do modelo do SEAS5 (Centro Meteorológico Europeu) | METSUL

Projeção de anomalia de temperatua (desvio da média) no trimestre outubro a dezembro do multimodelo NMME (NOAA) | METSUL

Projeção de anomalia de temperatura (desvio da média) no trimestre outubro a dezembro do modelo GEOS (NASA) | METSUL

A alta frequência de chuva dificulta a ocorrência de ondas de calor de mais longa duração no Sul do Brasil, mas, por outro lado, a maior umidade tornará os dias mais abafados e com noites mais quentes. Em novembro e dezembro cresce o risco de episódios de calor muito intenso a extremo de calor que podem vir a caracterizar ondas de calor no Sul.

No Centro-Oeste e no Sudeste, ao contrário, há uma probabilidade maior de fortes a intensas ondas de calor com extremos até históricos de temperatura. O períodos mais crítico para estes extremos de temperatura será compreendido entre este final de setembro e novembro, uma vez que a partir de dezembro a maior ocorrência de chuva torna menos provável eventos de temperatura muito acima do normal por longas sequências de dias.

Temporais serão mais frequentes nesta primavera

A MetSul destaca que a primavera é período com maior frequência de tempestades, não raro severas com intensos vendavais e granizo. Há precedentes de tornados na estação. Neste ano, com o Pacífico aquecido e uma tendência de temperatura e chuva acima da média no Sul do Brasil, a MetSul avalia que a frequência de tempestades pode ser muito alta no Sul do Brasil.

Espera-se, por exemplo, que ocorra com frequência maior do que o habitual um sistema típico da primavera que são os Complexos Convectivos de Mesoescala, aglomerados de nuvens muito carregadas que se formam com o calor úmido no Nordeste da Argentina e no Paraguai que avançam para o Mato Grosso do Sul e o Sul do Brasil. Este tipo de sistema, que tem ápice de intensidade à noite, costuma trazer muita chuva com volumes altíssimos em curto período e temporais de vento, raios e granizo.

O tempo muito mais quente que o normal no Centro-Oeste e no Sudeste, mesmo que haja um indicativo de chuva abaixo da média na maior parte destas regiões, deverá favorecer uma maior frequência de tempestades isoladas também no Centro do Brasil durante a primavera deste ano. São formações que se dão principalmente à tarde e à noite pela convecção gerada pelo calor muito intenso, capazes de trazer vendavais, granizo e chuva torrencial.

Estação costuma ter mais vento

Uma condição típica da primavera no Rio Grande do Sul é o vento que sopra da tarde para a noite do quadrante Leste, às vezes com rajadas fortes. Como as massas de ar frio de alta pressão atmosférica começam a ter trajetória mais oceânica e o continente passa a aquecer mais com baixas pressões no Norte da Argentina e no Paraguai.

O contraste térmico entre ar frio na costa e ar quente no continente, assim como de pressão, acentua o vento da tarde para a noite do quadrante Leste, sobretudo em outubro e novembro, o que rendeu a expressão popular de “Vento de Finados”. Neste ano, como se espera uma menor frequência de incursões frias, o vento Leste da tarde para a noite será menos frequente que em anos anteriores de La Niña e muitas incursões frias tardias.

A estação ainda tem risco de ciclones extratropicais no Atlântico Sul e que, em alguns casos, podem ser intensos e provocar muito vento e forte ressaca do mar na costa gaúcha. Com El Niño, contudo, o risco destes ciclones é maior no inverno e menor na primavera, uma vez que o predomínio de ar mais quente nas latitudes médias resultará em menor contraste com massas de ar frio (baroclinia), o mecanismo que forma os ciclones.