Em episódio surpreendente, afinal nenhum dos muitos modelos numéricos de centros mundiais de Meteorologia indicava neve, nevou na noite de ontem no Planalto Sul Catarinense em pleno mês de abril, acompanhando uma massa de ar frio que é a mais forte a ter chegado ao Brasil até agora neste ano e apenas um mês depois do término do verão.
A neve foi favorecida por dois fatores. Primeiro, a incursão de uma massa de ar frio de maior intensidade. Acompanhando, a circulação de umidade de um centro de baixa pressão que formou nuvens de desenvolvimento vertical sobre o Rio Grande do Sul – até com granizo – e que migraram para o Planalto Sul catarinense. Com a altitude do Planalto Sul, a precipitação caiu em forma de neve.
A temperatura em camadas de menor altitude da atmosfera não era muito baixa, sequer baixando de 0ºC no nível de 850 hPa (1.500 metros de altitude), o que em teoria desfavorecia nevar. Ocorre que em camadas imediatamente mais altas havia frio suficiente para a neve com o bolsão do ar mais gelado sobre a área em níveis médios da atmosfera.
Havia nuvens mais carregadas pela circulação ciclônica com convecção (movimento ascendente do ar que gera instabilidade). Neste tipo de situação, ocorre precipitação em forma de pancadas e o ar estava mais seco perto da superfície, como é comum em circulação ciclônica. Isso permite que a precipitação que deixa a nuvem como neve mantenha-se como neve até o chão, mesmo com temperatura mais alta perto da superfície. Por isso, sob ciclones, não precisa que a temperatura esteja ao redor de 0ºC para nevar,
Nevar em abril é muito raro. Com a queda de neve de ontem, no Planalto Sul Catarinense, agora são apenas três eventos de neve documentados no Sul do Brasil no quarto mês do ano. Os dois eventos anteriores que se tem registro confirmado ocorreram em 1999 e no ano de 2016.
O episódio mais marcante foi ano de 1999 porque se trata do registro mais precoce de neve que se tem registro no Brasil. O evento se deu na noite do dia 16 de abril e na madrugada do dia 17 de abril com queda de neve com acumulação no Planalto Sul Catarinense. Em 2016, no dia 27 de abril, de acordo com dados da Epagri-Ciram, a neve ocorreu nas cidades de São Joaquim e Urupema. A MetSul não tem registro deste evento de 2016 nos seus arquivos.
Mas como acabaram sendo os invernos destes dois anos?
Então, os dois invernos tiveram temperatura abaixo da média no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Os mapas abaixo mostram as anomalias trimestrais de temperatura para o trimestre do inverno climatológico (junho a agosto) no Brasil em 1999 e 2016. Nos dois anos, a temperatura média no trimestre de inverno ficou perto ou abaixo da climatologia histórica nos três estados do Sul, ou seja, foram invernos frios.
Em 1999, voltou a nevar nos dias 19, 20 e 30 de maio entre os Campos de Cima da Serra e o Planalto Sul Catarinense. Em junho e julho, não nevou. Mas haveria surpresas. Uma grande nevada com acumulação ocorreu o dia 15 de agosto. A neve caiu em várias cidades da Metade Norte gaúcha e no Planalto Sul Catarinense com um poderoso ciclone. Mas não parou por aí. Voltou a nevar no dia 3 de outubro no Morro da Igreja.
Há uma imensa diferença entre 1999, 2016 e 2023 que não recomenda que neve cedo em abril seja tomada como um sinal para o inverno. Em 1999, o ano inteiro foi com La Niña moderada a forte. No primeiro trimestre do ano, o chamado Índice Niño Oceânico (ONI) estava em -1,3ºC. Neste ano, em -0,4ºC. No inverno de 1999, trimestre de junho a agosto, o ONI foi de -1,1ºC. Em 2023 deve ser positivo com El Niño, como projetam quase todos os modelos de clima, o que não significa deixará de fazer frio.
Já em 2016, o ano começou com Super El Niño. O Índice Niño Oceânico (ONI) da NOAA durante o primeiro trimestre do ano foi de +2,5ºC. Ocorre que o El Niño rapidamente perdeu força na sequência. No inverno de 2016, o índice estava em -0,4ºC e se reitera que em 2023 no mesmo trimestre será positivo com um provável El Niño instalado.
Portanto, a analogia histórica com base na neve de abril de 1999 e 2016 não é bom indicativo para como será o inverno de 2023, uma vez que se antecipa condições oceânicas no Pacífico e de circulação global da atmosfera muito distintas no trimestre de junho a agosto de 2023 na comparação com o mesmo trimestre de 1999 e 2016.