A chuva mudou a trajetória de uma das mais importantes e lembradas histórias da carreira de Pelé. O celebrado e imortalizado milésimo gol poderia ter ocorrido antes, mas quis o destino que fosse no maior templo do futebol brasileiro, o estádio de Maracanã.
No dia 19 de outubro de 1969, em jogo válido pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa – Taça de Prata, Pelé marcou de falta para o Santos, aos 37 minutos, empatando a partida contra o Corinthians diante de quase 50 mil torcedores. Rivelino havia marcado quatro minutos antes.
O jogo transcorria com o gramado completamente alagado no Pacaembu por um temporal de chuva na capital paulista. A chuva forte, porém, fez o árbitro Airton Vieira de Morais interromper o jogo no intervalo.
A partida, então, foi anulada e um novo confronto foi realizado dia 4 de novembro, com portões abertos, sem gol de Pelé. O gol que Pelé havia marcado contra os corintianos, assim, deixou de valer pela anulação da partida em razão da chuvarada.
Um mês depois, no dia 19 de novembro de 1969, uma quarta feira, Pelé escrevia mais um capítulo na história do futebol, ao marcar de pênalti o milésimo gol da sua gloriosa carreira, na vitória do Santos contra o Vasco por 2 a 1, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
A expectativa pela marca inédita era acompanhada em todo o mundo. A contagem atingiu a marca de 999 gols, dias antes, no jogo contra o Botafogo da Paraíba. Pelé marcou um gol na vitória por 3 a 0.
A partida amistosa no acanhado estádio José Américo de Almeida, em João Pessoa, não era o cenário ideal para o tão sonhado espetáculo. Quando o goleiro Jair Esteves sofreu uma contusão, o Rei não pensou duas vezes e trocou a chance do milésimo gol para defender outra meta, o arco santista.
Naquela noite de sonho, 19 de novembro, o Maracanã levou 65 157 pessoas para o estádio. As homenagens estavam preparadas; as emissoras de TV anunciaram a transmissão da partida e um plano de policiamento foi estabelecido para evitar a invasão de campo no momento do gol de Pelé.
O Santos entrou em campo todo de branco, com camisas de mangas curtas, e foi escalado pelo técnico Antoninho com Agnaldo, Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Djalma Dias (depois Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel. O Vasco, do técnico Célio de Souza, jogou com Andrada, Fidélis, Moacir, Renê, Eberval, Fernando, Buglê, Benetti, Acelino (Raimundinho), Adilson e Danilo Menezes (Silvinho).
O árbitro Manoel Amaro de Lima autorizou o início da partida. A bola começou a rolar e o clima tenso pairava no ar. O Santos era melhor, mas foi o Vasco que abriu o marcador, com Benetti, aos 16 minutos do primeiro tempo.
Aos 33 minutos deixaram Clodoaldo livre. Ele avançou pelo meio da intermediária vascaína e enfiou uma bola rasteira para Pelé. Este dominou na corrida e se preparava para chutar quando foi abalroado por dois zagueiros adversários e caiu sobre a marca de pênalti. Manoel Amaro foi caminhando até onde estava Pelé e abaixou o corpo para apontar a marca.
Desesperado, o goleiro Andrada jogou a bola com força para o chão, depois tentou argumentar com o árbitro e, por fim, conversou com Pelé. Um outro jogador vascaíno cavava a marca de pênalti com o pé. Os jogadores do Santos foram todos para a risca do meio de campo.
O público passou a gritar o nome de Pelé insistentemente. De frente para o gol, Pelé se abaixou para arrumar as meias. Depois se virou para o campo, viu que seus companheiros estavam perfilados no círculo central e sorriu. Aos poucos todos saíram da área e ficaram só ele, a bola e Andrada.
Um silêncio pesado se fez em todo o estádio. Pelé deu três passos lentos. Apressou a marcha ameaçando uma corrida, deu uma ligeira paradinha e, num tiro seco, bateu com o pé direito no canto esquerdo do goleiro. Andrada voou com vontade, conseguiu raspar na bola, mas não evitou o gol.
A bola branca atravessou a linha de gol aos 34 minutos e 12 segundos. Desacreditado, o vascaíno passou a esmurrar o chão. Pelé não deu o soco no ar. Trocou a tradicional marca pela corrida até o fundo das redes. Foi em busca da bola do jogo. Os jornalistas saíram de trás do gol e imediatamente colocaram Pelé sobre os ombros. O estádio gritava o nome do Rei e a história estava imortalizada pela majestade do futebol, também eterna.