Dezenas de deslizamentos atingiram a região do Grande Recife e foram responsáveis pela maior parte das vítimas do evento de chuva extrema em Pernambuco com várias moradias soterradas ou destruídas| DIEGO NIGRO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Uma equipe de pesquisadores internacionais analisou a chuva extrema que atingiu o Nordeste do Brasil no outono com a conclusão que se tratou de um evento extremamente raro com tempo de recorrência de 1.100 a 1.500 anos, embora documentos históricos mostrem várias grandes inundações na região desde o Brasil Colonial. O trabalho de atribuição climática foi conduzido pela World Weather Attribution com cientistas do Brasil, Reino Unido, Holanda, França e Estados Unidos.

“Apesar do perfil completo dos impactos na vida humana e nos meios de subsistência ainda não tenha sido analisado, as avaliações mostram que as enchentes e, principalmente,  deslizamentos de terra afetaram desproporcionalmente comunidades vulneráveis, com devastação particular em bairros de baixa renda. Assim, a magnitude desse desastre sobre esses grupos foi exacerbada pela vulnerabilidade estrutural pré-existente na região”, diz o trabalho (leia íntegra em PDF).

Conforme o estudo, há uma densa rede de 389 estações meteorológicas na área. No entanto, apenas 75 estações que possuem dados consistentes desde pelo menos a década de 1970 e estão distribuídas por toda a região de estudo foram usadas na análise observacional. “São eventos de 7 e 15 dias de chuva excepcionalmente raros, que têm apenas aproximadamente uma chance de 1 em 500 e 1 em 1000, respectivamente, de acontecer em qualquer ano no clima de hoje, que foi aquecido cerca de 1,2°C por atividades humanas.


O trabalho destaca que estes eventos extremos de chuva são mais prováveis ​​de acontecer do que teriam sido em um clima que não tivesse sido aquecido pelas atividades humanas, mas não é possível quantificar o quanto mais provável se tornaram em razão das mudanças climáticas com base em observações. O aquecimento do planeta também aumentou a intensidade das chuvas e precipitações extremas como as registradas teriam sido aproximadamente um quinto menos intensas sem o aquecimento de 1,2ºC desde a Revolução Industrial.

Para determinar o papel das mudanças climáticas, o time internacional de pesquisadores se valeu de modelos climáticos. “Embora muitos modelos climáticos sejam capazes de simular as principais características de chuva na região, descobrimos que para este evento numa área pequena, todos os modelos exibem erros sistemáticos nas magnitudes de precipitação, em parte devido à resolução espacial inadequada e à deturpação dos principais processos físicos (por exemplo, convecção). Portanto, não podemos quantificar o papel das mudanças climáticas no aumento observado em probabilidade e intensidade”, afirmam.


Apesar disso, combinando observações meteorológicas com a compreensão física do sistema climático, a equipe concluiu que as mudanças climáticas causadas pelo homem são, pelo menos em parte, responsáveis ​​​​pelos aumentos observados na probabilidade e intensidade de eventos de chuvas fortes observados no outono deste ano no Nordeste do Brasil.

Os resultados são consistentes com as projeções futuras de chuvas fortes na região e sugerem que essas tendências continuarão a aumentar enquanto as concentrações de gases de efeito estufa continuarem a subir. Além disso, devido às mudanças climáticas, outros fatores, como o aumento do nível do mar e as marés mais altas, podem aumentar a vulnerabilidade às chuvas fortes, levando a mais inundações urbanas em Recife, por exemplo.

Ondas de Leste, típicas da estação e com potencial para causar chuvas generalizadas, bem como tempestades, foi o principal motor do evento extremo de chuva que se deu quando a Região Nordeste já vinha experimentando condições mais úmidas que o normal, por conta do Atlântico tropical quente e La Niña no Pacífico, o que levou à quantidade de chuva anormalmente alta na região.


“As chuvas que resultaram em inundações na costa Nordeste do Brasil foram muito raras, sendo um evento de 1.100 a 1.500 anos”, diz o estudo em sua conclusão. “A natureza extrema das inundações fez com que a exposição fosse o principal determinante do impacto. O aumento da urbanização, especialmente não planejadas e informais em áreas baixas propensas a inundações e encostas íngremes aumentaram a exposição da comunidade aos perigos”, ressalta ainda o estudo em sua conclusão.

“Não está claro até que ponto os avisos antecipados de alerta de muita chuva ajudaram a reduzir os impactos, ainda que algumas ações tenham sido tomadas pela Defesa Civil. No entanto não foi possível evitar fatalidades devido à magnitude dos eventos extremos de chuva, o que indica a necessidade de se rever e fortalecer a ligação entre os avisos meteorológicos e o processo que levaria a uma melhor ação antecipatória com base nesses avisos”, afirmam.

Os pesquisadores dão muita ênfase à urbanização precária da região que contribuiu para aumentar a gravidade do desastre. “A região tem déficit de infraestrutura (habitação, estradas, água e saneamento, etc.). Se nova infraestrutura é construída, há a oportunidade de aumentar a resiliência levando em conta os riscos no projeto e na localização”, ponderam.