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Experts advertem que eventos musicais sob calor extremo como shows, raves e festivais, especialmente nos meses de verão, agravam o risco de problemas de saúde entre o público que podem ser fatais se não respondidos rapidamente por profissionais especializados | VALERY HACHE/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A morte de uma jovem de 23 anos após passar mal e desmaiar durante show da cantora Taylor Swift, no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro, lotado com 60 mil pessoas, expõe o risco de grandes eventos musicais realizados sob calor extremo. São muitos os exemplos de episódios de vítimas de choques de calor em shows musicais, embora a causa da morte da jovem no Rio ainda não tenha sido determinada pelas autoridades.

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro informou que a jovem sofreu uma parada cardiorrespiratória e que o Instituto Médico-Legal (IML) vai apurar o que levou ao óbito da jovem. Houve muitas críticas do público à organização do evento por impedir o acesso do público com garrafas d’água. A própria cantora chegou a interromper o show em determinado momento após perceber que pessoas passavam mal na plateia, informou o portal G1.

Em nota, a T4F (organizadora do evento) destacou que a vítima foi “prontamente atendida pela equipe de brigadistas e paramédicos” e depois socorrida ao Hospital Salgado Filho. Fãs, por outro lado, afirmaram que a organizadora da turnê proibiu garrafas de qualquer tipo no estádio e que a oferta de água era escassa dentro do Engenhão. A organizadora não divulgou balanço dos atendimentos e nem se pronunciou sobre as críticas à restrição de acesso com garrafas d’água ao local.

Em mais um recorde estabelecido pela atual onda de calor, o Rio de Janeiro registrou ontem sensação térmica de 59,3ºC, de acordo com o serviço meteorológico da Prefeitura do Rio de Janeiro. Foi a maior sensação já aferida pelo Alerta Rio, desde o começo das medições em 2014. O recorde anterior havia sido registrado na terça-feira (14), quando a sensação térmica chegou a de 58,5°C. A temperatura passou dos 40ºC à tarde e seguiu acima de 30ºC à noite em vários bairros.

O choque de calor é uma das principais causas de emergências médicas em eventos por todo o mundo. Doenças relacionadas ao calor, como exaustão pelo calor e insolação, podem ser experiências aterrorizantes e são muito mais graves do que a maioria das pessoas imagina.

Dançar por longos períodos de tempo, especialmente em ambientes quentes, é um importante fator de risco para desidratação e doenças relacionadas ao calor. A exaustão pelo calor pode se tornar um choque de calor com risco de vida, destaca o projeto Dance Safe, voltado para a segurança do público em eventos musicais.

“Evitar um choque de calor basicamente se resume a manter o corpo fresco, entretanto a solução não é apenas beber muita pois a hidratação excessiva também pode ser muito perigosa”, destaca o projeto.

Entre as recomendações do projeto para o público de eventos musicais estão beber água regularmente e comer alguns salgadinhos, começar a ingerir água algumas horas antes de dançar, usar roupas largas ou esportivas que absorvam a umidade, proteger-se do sol com chapéu, óculos escuros, protetor solar e protetor labial, fazer pausas na dança e deixar o corpo esfriar.

Frequentemente, mortes em eventos musicais são atribuídas ao uso de entorpecentes, mas muitas vezes a pessoa não fez qualquer uso de drogas. Mortes por choques de calor ocorreram em raves, boates, festivais e em praticamente qualquer outro lugar do mundo, muitas vezes quando nenhuma droga era consumida, destacam especialistas.

Por mais de um ano, as pessoas acreditaram que seis mortes durante um festival de música na Malásia foram causadas por ingestão de drogas, mas exames com um estudo pulicado provaram um ano depois elas foram resultado de choques de calor pela alta temperatura corporal sob calor muito intenso.

Médicos explicam que a insolação e o choque de calor são emergências médica que podem levar à mortalidade, a menos que seja diagnosticada precocemente e tratada de forma eficaz. A insolação pode se manifestar rapidamente, tornando difícil diferenciá-la de outras causas clínicas em uma vítima desmaiada.

O estudo publicado sobre as mortes no festival da Malásia mostrou que as vítimas “desenvolveram complicações decorrentes de uma combinação de condições climáticas adversas severas e esforço físico prolongado ao ar livre devido a longas horas de dança”. Algumas vítimas sequer tinham feito uso de entorpecentes.

Mesmo artistas, no palco, podem sofrer com choque de calo sob alta temperatura. Em julho, no verão norte-americano, o cantor de música country Jason Dean passou mal e interrompeu a apresentação ao sofrer um choque de calor em Hartford, Connecticut. No ano passado, o ícone da música mundial Carlos Santana desmaiou em show no estado de Michigan por desidratação e exaustão pelo calor em um dia de alta temperatura do mês de julho.

O calor extremo é muito mais mortal do que outros desastres naturais, matando em média mais que o dobro de pessoas por ano do que furacões e tornados combinados, de acordo com dados monitorados pelo Serviço Meteorológico Nacional nos Estados Unidos.

As mudanças climáticas e crescente urbanização estão aumentando rapidamente a exposição humana a temperaturas ambientes extremas, mas poucos estudos examinaram a temperatura e a mortalidade na América Latina. Trabalho publicado em revista científica das temperaturas ambientes diárias e da mortalidade entre 326 cidades latino-americanas entre 2002 e 2015 mostrou alto índice de letalidade por calor extremo.

Em cidades latino-americanas, uma proporção substancial de mortes é atribuída a temperaturas ambientes não ideais. Aumentos marginais em temperaturas altas observadas estão associados a aumentos acentuados no risco de mortalidade. Os riscos identificados foram maiores entre os idosos e para mortes cardiovasculares e respiratórias.

Estudo pulicado em 24 de agosto de 2023 na revisrta Nature, intitulado “Rápido aumento no risco de mortalidade relacionada ao calor” destaca que os estudos em sua maioria avaliam como a mortalidade causada pelo calor aumenta com o aumento médio da temperatura global, mas não é claro até que ponto as mudanças climáticas aumentarão a frequência e a gravidade dos extremos com elevado impacto na saúde humana.

No estudo de análise probabilística, os autores combinaram relações empíricas de mortalidade por calor para 748 locais de 47 países com dados de grandes conjuntos de modelos climáticos. Na maioria dos locais, um evento de mortalidade por calor com recorrência estimada de 1 em 100 anos no clima de 2000 passaria a ser de uma vez a cada dez a vinte anos no clima de 2020.

O estudo projeta que esses períodos de retorno diminuam ainda mais sob níveis de aquecimento global de 1,5° C e 2°C, em que  extremos de mortalidade por calor do clima acabarão por se tornar comuns se não ocorrer adaptação. “As nossas conclusões destacam a necessidade urgente de uma forte mitigação e adaptação para reduzir os impactos nas vidas humanas”, enfatizam os cientistas.

O trabalho publicado na Nature referencia uma pesquisa de 2015 sobre um evento de calor extremo na cidade de São Paulo. Em 2014, São Paulo apresentou mortalidade relacionada ao calor de 1,7% (intervalo de confiança de 0,7–2,8%) da mortalidade total, ou 1.296 mortes (556–2.095), número que seria esperado com um tempo de recorrência de a cada 134 anos pela média do clima do ano 2000. O período de retorno na cidade de São Paulo diminui para 18 anos (17,0–19,6) no clima de 2020, 11 anos (8,0–13,1) com aquecimento planetário de 1,5 °C e 5 anos (2,7–5,5) a 2,0 °C  de aquecimento global.

O estudo “Efeitos na saúde de uma onda de calor em fevereiro de 2014 na cidade de São Paulo, Brasil” examinou a mortalidade no período de 2 a 15 de fevereiro de 2014 com 12 dias seguidos com temperatura máxima acima de 33°C, incluindo cinco dias com umidade relativa abaixo de 20% e altos níveis de ozônio.

No período, ocorreram 3.228 óbitos, ou mais 743 óbitos que o esperado, predominantemente na faixa etária dos 60 anos ou mais, com destaque para óbitos por doenças do sistema nervoso, do aparelho geniturinário, de perturbações mentais e do aparelho circulatório. Foi possível identificar uma relação temporal entre condições climáticas atípicas e a ocorrência de excesso de mortes, destacam os autores.

As recomendações dos especialistas em saúde são quase idênticas em todo o mundo diante de uma intensa onda de calor. A Mayo Clinic, uma das principais instituições médicas do planeta, tem uma série de orientações de diante de um período de calor extremo.

A primeira e mais importante, beber grande quantidade de líquidos. Manter-se hidratado ajuda o corpo a suar e manter uma temperatura corporal normal. Igualmente importante é usar roupas folgadas e leves. Vestir roupas em excesso ou roupas justas não permite que o corpo esfrie adequadamente.

A Mayo orienta ainda a se proteger contra queimaduras solares. As queimaduras solares afetam a capacidade do corpo de se refrescar, portanto proteja-se ao ar livre com um chapéu de abas largas e óculos de sol e use um protetor solar de amplo espectro com FPS de pelo menos 15. Os médicos da Mayo recomendam também precauções extras com certos medicamentos. “Fique atento a problemas relacionados ao calor se você tomar medicamentos que podem afetar a capacidade do seu corpo de se manter hidratado e dissipar o calor”, enfatizam.

Enfatizam ainda que ninguém fique em um carro estacionado sob o sol. Esta é uma causa comum de mortes relacionadas ao calor em crianças deixadas ou esquecidas em automóveis. Quando estacionado ao sol, a temperatura do carro pode subir mais de 10ºC em apenas dez minutos. Não é seguro, assim, deixar uma pessoa em um carro estacionado sob forte onda de calor mesmo que as janelas estejam abertas ou o carro esteja na sombra.

Os especialistas assinalam também que esforço físico deve ser evitado nas horas mais quentes do dia. “Se você não puder evitar atividades cansativas em tempo quente, beba líquidos e descanse com frequência em um local fresco. Tente agendar exercícios ou trabalho físico para as partes menos quentes do dia, como de manhã cedo ou à noite”, dizem. “Acostume-se. Limite o tempo gasto trabalhando ou se exercitando no calor até que você esteja condicionado a isso. As pessoas que não estão acostumadas ao clima quente são especialmente suscetíveis a doenças relacionadas ao calor. Pode levar várias semanas para o seu corpo se ajustar ao tempo quente”, pontua a Mayo Clinic.

O choque de calor é um dos maiores riscos durante um período de temperatura muito alta. É uma condição causada pelo superaquecimento do corpo, geralmente como resultado de exposição prolongada ou esforço físico em altas temperaturas. Esta forma mais grave de lesão por calor e insolação pode ocorrer se a temperatura do corpo subir para 40ºC ou mais e requer tratamento de emergência. A insolação grave ou choque de calor não tratados pode danificar rapidamente o cérebro, o coração, os rins e os músculos. O dano piora à medida que o tratamento é adiado, aumentando o risco de complicações graves ou morte.

Os sinais e sintomas da insolação incluem, de acordo com a Mayo Clinic, uma temperatura corporal central de 40ºC u superior, estado mental confuso ou comportamento alterado, fala arrastada, delírio, convulsões e coma. Há ainda alteração na sudorese. Na insolação provocada pelo tempo quente, a pele ficará quente e seca ao toque. No entanto, na insolação provocada por exercícios exagerados, a pele pode ficar seca ou levemente úmida.

Outros sintomas incluem náusea e vomito. A pele pode ficar ainda avermelhada à medida que a temperatura do corpo aumenta. A respiração pode se tornar rápida e superficial. O pulso atinge frequência cardíaca de corrida com aumento significativo porque o estresse térmico coloca uma tremenda carga no coração para ajudar a resfriar seu corpo. Dores de cabeça com a percepção de latejar é frequentemente relatada.