Uma brutal e histórica onda de calor vai atingir entre o final desta semana e o começo da próxima o Oeste do Canadá e o Noroeste dos Estados Unidos. A região tem enfrentado grandes incêndios florestais e clima seco. Dados de modelos meteorológicos impressionam meteorologistas canadenses e norte-americanos pela intensidade do calor que se avizinha.

TOMER BURG

Esta onda de calor se parece com o evento histórico de junho de 2021, mas impressiona por ocorrer mais de um mês antes do evento extremo de dois anos atrás. O calor castigará a Colúmbia Britânica e Alberta, no Canadá, assim como o Noroeste dos Estados Unidos.

Uma bolha de calor (heat dome) vai se instalar neste fim de semana no Oeste do Canadá, o que vai gerar o aquecimento excepcional. Embora o evento de 2021 tenha derrubado muitos recordes de todos os tempos no Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos e no Canadá, que não devem ser superados agora, a configuração e a natureza deste evento são semelhantes. Uma zona de alta pressão – também chamada de bolha de calor – deve se expandir e se tornar muito intensa neste fim de semana.

A intensidade projetada para esta bolha de calor atingirá valores históricos de meses do verão, mas é ainda a primeira quinzena de maio e o auge do verão está distante na região que será afetada, o que torna o episódio de calor extremo mais impressionante.

É provável que as temperaturas fiquem abaixo dos extremos de 2021 porque o evento está acontecendo mais cedo do ano, mas ainda assim é provável que as máximas em alguns pontos fiquem quase 20ºC acima do normal, algo como Porto Alegre ou São Paulo terem quase 50ºC à sombra em dezembro em termos de desvio climatológico.

O fato de este evento extremo de calor ocorrer somente dois anos após o episódio incrível de calor de 2021 é considerado por muitos meteorologistas como excepcional. O evento de 2021 foi considerado uma ocorrência única em mil anos, conforme estudos de atribuição, e causou as mortes de centenas de pessoas pelas altas temperaturas.

De acordo com Thierry Goose, historiador do clima da Colúmbia Britânica, as temperaturas máximas podem atingir até 38ºC na área metropolitana de Vancouver e passar de 40ºC no interior da província canadense.

Tamanho calor nesta parte do mundo é sem precedentes em maio? Sim e não, de acordo com Goose. O Oeste do Canadá experimentou severas ondas de calor em maio em 1897, 1936, 1983 e 2005, mas o pior evento do mês foi em 1983. Quase todas as estações na Columbia Britânica e Yukon estabeleceram seus recordes mensais no evento de 1983.

A grande diferença, segundo o historiador do clima, é que esta onda calor é mais precoce, ocorrendo em meados de maio. O evento extremo de 1983 se deu no final do mês, quase em junho, quando as máximas já são mais altas, o que pode fazer deste episódio inédito pela sua intensidade e precocidade.

Com ar extremamente seco e calor excepcional, a preocupação é com incêndios. Uma trégua nas temperaturas elevadas nos últimos dias trouxe um certo alívio nos incêndios florestais em Alberta, Oeste do Canadá, enquanto chegavam reforços para combater as chamas.

Na quarta-feira, 76 incêndios seguiam ativos na província, contra 110 dias atrás, informaram autoridades. Vinte e três ainda estão fora de controle. Províncias canadenses e os estados americanos do Oregon e Alasca enviaram reforços para combater os incêndios, que, segundo autoridades, podem ser reavivados neste fim de semana.

O número de pessoas evacuadas devido ao impacto do fogo caiu para 24 mil dos 30 mil do fim de semana passado, segundo autoridades. Na parte Norte da província, populações indígenas foram duramente afetadas. “Houve uma grande perda de infraestrutura, não de vidas, graças a Deus, mas 4.000 pessoas foram evacuadas, mais de 150 lares ficaram destruídos”, disse Patty Hajdu, ministra de Serviços Indígenas.

Paisagem queimada causada por incêndios florestais perto de Entrance, área de Wild Hay, Alberta, Canadá, em 10 de maio. Fogo forçou milhares a fugir, interrompeu a produção de petróleo e arrasou cidades, com a província ocidental de Alberta pedindo ajuda federal. Cerca de 30 mil pessoas receberam ordens de deixar suas casas. | MEGAN ALBU/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Veículos destruídos pelo fogo dos incêndios florestais em propriedade de Drayton Valley, Alberta, Canadá, na última segunda-feira. Um episódio de calor extremo agora ameaça reavivar os incêndios no Oeste do Canadá. | WALTER TYCHNOWICZ/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Devido à sua localização geográfica, o Canadá está esquentando mais rápido que o resto do mundo. Estes fenômenos, portanto, estão cada vez mais propensos a se repetirem frequentemente. “No total, já foram queimados 390.000 hectares. Isso é 10 vezes mais que um ano normal, e ainda estamos começando”, disse Danielle Smith, primeira-ministra de Alberta, onde foi declarado estado de emergência. “É um evento extraordinário e sem precedentes, por isso acredito que temos que estar preparados no futuro”, declarou.

“É um ano excepcional na medida em que o acúmulo de áreas queimadas é muito rápido, assim como a quantidade de incêndios muito grande ao mesmo tempo”, disse à AFP Yan Boulanger, especialista em incêndios florestais do ministério de Recursos Naturais do Canadá. A grande maioria dos incêndios ocorre por ação humana.

A primavera é uma época de risco para os incêndios nesta região do Canadá: não há mais neve no solo e as plantas ainda não estão verdes. “Terminamos com uma vegetação rasteira muito seca e árvores que são muito inflamáveis porque não têm folhas”, disse Boulanger. “As condições nas últimas semanas foram muito secas”. “Essa é sempre uma época perigosa”, destacou Terri Lang, meteorologista do ministério do Ambiente.

No início de maio, ocorreu um fenômeno meteorológico que “trouxe para a província condições de calor e seca realmente anormais para esse momento”, disse a especialista à AFP. Um pico de alta pressão impediu a chegada de chuvas e manteve o calor, resultado na quebra de vários recordes de temperatura na região. Em Edmonton, a capital da província, os termômetros alcançaram 28,9º em 1º de maio, uma máxima histórica desde os 26,7º de 1931.

A isso se somaram ventos favorecidos pelas diferenças de temperatura entre o frio no Norte e o calor no Sul. “Foi a tempestade perfeita”, disse Lang. Boulanger disse que “se as condições permanecerem extremas, poderia durar semanas ou meses”. O especialista florestal lembrou que, em maio de 2016, o gigantesco incêndio em Fort McMurray, uma cidade conhecida por seu enorme complexo industrial, demorou quase um ano para ser apagado.

Diana Stralberg, pesquisadora do Ministério dos Recursos Naturais, em Edmonton, explicou que a mudança climática causada pelos humanos está estendendo a temporada de incêndios e provocando que “condições extremas de incêndio” ocorram com mais frequência. “Apesar de o fogo ser um processo natural de renovação das florestas, os incêndios mais frequentes, assim como os incêndios seguidos de secas, podem interromper a regeneração das coníferas” e provocar a diminuição das áreas florestais a favor das pastagens, disse.

Aos poucos, a floresta encolhe, com consequências diretas para dezenas de espécies de aves migratórias e renas. “Os modelos para prever condições futuras de incêndios e vegetação mostraram que, em cenários de aquecimento de alto nível, até 50% da floresta boreal de Alberta poderiam estar em risco de se tornarem pastos até o fim do século XXI”, disse Stralberg. O aumento dos incêndios também significa grandes emissões de gases do efeito estufa, o que intensifica ainda mais a mudança climática, em um mecanismo que os pesquisadores chamam de “ciclo de retroalimentação entre incêndios e clima”.