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As atenções do mundo se movem neste momento para as profundezas do Atlântico Norte pelo desaparecimento de um submergível de turismo no local do naufrágio do Titanic, mas para os cientistas a grande história está na superfície do mar e eles estão chocados com o que estão a enxergar. É uma história muito maior com potenciais impactos climáticos globais.

Nas últimas semanas, as temperaturas da superfície do mar em algumas partes do Oceano Atlântico Norte atingiram níveis recordes. O aquecimento anômalo está ocorrendo em uma gigantesca área do Atlântico.

Dados de satélite revelam que as águas superficiais em alguns locais chegam a estar 4ºC a 5ºC acima do normal para esta época do ano. Em 10 de junho, por exemplo, a temperatura média da superfície do mar na porção do Atlântico que se estende do equador até 60 graus ao Norte – até o Sul da Noruega, Sul da Groenlândia e as porções centrais da Baía de Hudson no Canadá – era de 22,7°C ou cerca de 1ºC acima da média registrada de 1991 a 2020. O recorde anterior para a mesma data, de 22,1°C, ocorreu em 2010.

Uma onda de calor marinha “inédita” e se intensidade jamais vista é observada nas costa do Reino Unido e da Irlanda. O superaquecimento oceânico representa uma séria ameaça para as espécies, alertam os cientistas.

As temperaturas do mar, particularmente na costa Nordeste da Inglaterra e no Oeste da Irlanda, estão vários graus acima do normal, quebrando recordes no final da primavera e no início do verão. O Mar do Norte e o Atlântico Norte estão experimentando temperaturas mais altas, mostram os dados.

A Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos classificou partes do Mar do Norte como estando em uma onda de calor marinha de categoria quatro, considerada “extrema”, com áreas na costa da Inglaterra até 5°C acima do normal. Na costa do Reino Unido, o nível da onda de calor marinho atinge o máximo da escala que vai até 5. “Além do extremo”, resumiu o meteorologista britânico Scott Duncan.

“Isso está ficando totalmente inacreditável. As anomalias de temperatura da superfície do mar do do Atlântico Norte acabaram de estabelecer um novo recorde em 20 de junho, superando o anterior de 10 de junho. Com média de 23,24ºC, ou 1,11ºC acima da média 1991-2020, há um desvio padrão de +3,87 ou de 1 em 18.650”, disse o pesquisador sênior da Universidade de Miami Brian McNoldy.

Daniela Schmidt, professora de ciências da terra na Universidade de Bristol, disse que “as temperaturas extremas e sem precedentes mostram o poder da combinação do aquecimento induzido pelo homem e da variabilidade climática natural como o El Niño”.

“Enquanto as ondas de calor marinhas são encontradas em mares mais quentes como o Mediterrâneo, tais temperaturas anômalas nesta parte do Atlântico Norte são inéditas. Eles têm sido associados a menos poeira do Saara, mas também à variabilidade climática do Atlântico Norte, que precisará de mais compreensão para ser desvendada”, explicou ao The Guardian.

Ameaça à vida marinha

Os cientistas alertam que o superaquecimento oceânico pode ter consequências arrasadoras para as espécies nos oceanos, acostumadas com água mais frias e despreparadas para águas tão quentes como de agora.

“O calor, como em terra, estressa os organismos marinhos. Em outras partes do mundo, vimos várias mortes em massa de plantas e animais marinhos causadas por ondas de calor oceânicas que causaram perdas de centenas de milhões de dólares, na renda da pesca, armazenamento de carbono, valores culturais e perda de habitat. Enquanto não reduzirmos drasticamente as emissões, essas ondas de calor continuarão destruindo nossos ecossistemas. Mas como isso está acontecendo abaixo da superfície do oceano, passará despercebido”, disse Daniela.

ESA

Já o Dr. Dan Smale, da Marine Biological Association, trabalha com ondas de calor marinhas há mais de uma década e ficou surpreso com as temperaturas. “Eu sempre pensei que eles nunca teriam impacto ecológico nas águas frias do Reino Unido e da Irlanda, mas isso é sem precedentes e possivelmente devastador. As temperaturas atuais são muito altas, mas ainda não são letais para a maioria das espécies, embora estressantes para muitas. Se continuar durante o verão, poderemos ver a mortalidade em massa de algas marinhas, ervas marinhas, peixes e ostras”, advertiu.

Piers Forster, professor de física climática da Universidade de Leeds, disse ao Guardian que “as análises do Met Office e da NOAA da temperatura da superfície do mar mostram que as temperaturas estão no nível mais alto de todos os tempos”.

O que está por trás do aquecimento recorde

As águas mais quentes deste ano podem ajudar a fortalecer as tempestades que se formam no Atlântico Norte e, eventualmente, gerar furacões, dizem os cientistas. O que está causando o aquecimento incomum não está claro. Mas aqui está um resumo de vários fatores que podem estar em jogo.

LEON SIMONS

LEON SIMONS

Um, escassez de poeira do Saara. Ocasionalmente, vastas faixas de poeira do deserto do Saara flutuam sobre oceano. A poeira é carregada por ventos fortes por um sistema semipermanente de alta pressão apelidado de “alta dos Açores” devido à sua proximidade com aquelas ilhas.

Mas, ultimamente, a alta dos Açores enfraqueceu e se deslocou para o Sudoeste da África. Portanto, os ventos que normalmente pegam e transportam a poeira do Saara para o Oeste sobre o Atlântico Norte são mais calmos e praticamente livres de poeira, diz Michael Mann, cientista climático da Universidade da Pensilvânia.

Como resultado, a radiação solar que normalmente seria espalhada de volta ao espaço pela poeira atinge a superfície do oceano, aquecendo as águas. Se e quando os ventos alísios se fortalecerem, o aumento da poeira da África pode ajudar a resfriar um pouco a área.

Dois, diminuição da poluição do ar. Em 2020, novas regras de emissões entraram em vigor para navios cargueiros de longo curso que expelem plumas de escape ricas em enxofre. Tem havido alguma especulação de que menos poluição poderia levar a mais aquecimento. Com menos plumas espalhando a luz solar de volta ao espaço, mais radiação atinge a superfície do mar.

Mas alguns estudos sugerem que o efeito de resfriamento das plumas dos navios pode ter sido menor: não apenas as plumas de exaustão têm uma vida útil curta, como os poluentes podem fazer com que as nuvens naturais evaporem mais rapidamente e, assim, levar ao aquecimento, não ao resfriamento.

Três, tendências do aquecimento global. Este ano marca o retorno do El Niño, um fenômeno climático cuja marca registrada são as temperaturas da superfície do mar mais quentes do que o normal ao longo do equador a Oeste da América do Sul.

Cada El Niño tem sua própria história. Mas, em geral, o El Niño aumenta as temperaturas médias da superfície tanto na terra quanto no mar em todo o mundo. A mudança climática causada pelo homem fez o mesmo. Mas ainda há muita incerteza sobre como as condições atuais podem afetar.

As águas excepcionalmente quentes do Atlântico Norte tendem a fortalecer os sistemas de tempestades que mais tarde se transformam em depressões tropicais e depois em furacões. Mas o El Niño que agora está se intensificando no Pacífico equatorial pode dificultar sua formação ao fortalecer os ventos na atmosfera superior que dificultam a formação de furacões. Quão ativa será a temporada de furacões deste ano depende de qual dessas forças prevalecerá, as águas quentes ou a divergência maior de vento pelo El Niño.