O começo de um episódio do fenômeno El Niño não é questão de meses, mas de semanas, de acordo com a avaliação da MetSul Meteorologia. Oficialmente, o Pacifico Equatorial ainda se encontra em estado de neutralidade depois de três anos sob La Niña, que chegou ao fim no mês de fevereiro, mas o período neutro não deve durar muito e será breve.

A projeção da MetSul Meteorologia é que nos próximos 30 a 60 dias se instale um evento de El Niño no Oceano Pacífico, mais provavelmente em junho e no mais tardar na primeira quinzena de julho. Muitas projeções publicadas em meios de comunicação brasileiro indicam que o Niño se instalaria no inverno e seus efeitos seriam sentidos a partir da primavera, mas para a MetSul tanto o fenômeno chega antes do que está sendo previsto como seus efeitos já serão percebidos também antes a muito antes do que se crê, com base no comportamento histórico dos reflexos do fenômeno no Sul do Brasil.

Hoje, o Oceano Pacífico está em neutralidade (sem El Niño ou La Niña na sua forma clássica) porque o que determina se há um evento típico de El Niño ou La Niña é a temperatura média no Oceano Pacífico Equatorial Central, na denominada região Niño 3,4. O que se registra neste momento é evento de El Niño costeiro, que é diferente do El Niño clássico, com o aquecimento limitado aos litorais do Peru e do Equador, na chamada região Niño 1+2.

O El Niño costeiro é ​ evento oceânico-atmosférico com aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, afetando mais Peru, Equador e às vezes o Chile. É fenômeno local que não repercute em todo o clima mundial, diferentemente do El Niño clássico que está vindo nos próximos meses e tem o aquecimento mais amplo no Pacífico Equatorial Centro-Leste.

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de +0,4ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na faixa de neutralidade de -0,4ºC a +0,4ºC, mas já no seu limite superior.

A anomalia semanal da temperatura da superfície do mar na região Nino 3.4 (5°S-5°N, 170-120°W) é mais alta nesta região do Pacífico em pouco mais de três anos. De acordo com dados da NOAA, desde a semana centrada em 22 de abril de 2020 esta parte do oceano não estava com temperatura acima da média.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, estava com anomalia de +2,4ºC, em nível de El Niño costeiro forte a muito forte. Desde 2017 (El Niño costeiro) e 2015 (Super El Niño) esta área do Pacífico junto à América do Sul não aquecia tanto.

O que pode acelerar a chegada do El Niño

Modelos de previsão do tempo indicam que em duas semanas haverá no Pacífico o que se chama de “estouro de vento de Oeste”, tradução livre para “Westerly Wind Burst”. Quando isso ocorre há tendência de aquecimento maior das águas tanto em superfície como abaixo da superfície do mar, gerando o que se denomina de Onda Kelvin.

Vai se somar ainda para acelerar este processo de aquecimento a passagem da fase da Oscilação de Madenn-Julian, que percorre os trópicos a cada 30 a 60 dias com aumento da instabilidade, e que tende a se deslocar do Oceano Índico para o Pacífico nesta segunda metade de maio.

Um Estouro de Vento de Oeste colabora para que águas mais quentes atinjam a superfície do oceano, gerando o súbito e acelerado aquecimento do mar. Este tipo de ocorrência (WWB) costuma ser a largada de episódios de El Niño na sua forma clássica e de repercussão global. Já houve um entre fevereiro e março que desencadeou o começo do aquecimento do Pacífico, a instalação de um El Niño costeiro e sentenciou o fim do evento de La Niña. Agora se prevê um segundo evento que deve acelerar a chegada do El Niño na sua forma clássica com aquecimento mais irradiado na faixa equatorial do oceano.

Um “estouro de vento de Oeste” é um fenômeno comumente associado a eventos de El Niño, em que os típicos ventos alísios de Leste a Oeste ao longo do Pacífico equatorial mudam para Oeste a Leste. A literatura define como ventos sustentados de ao menos 25 km/h de Oeste durante período de 5 a 20 dias.

El Niño pode ser muito forte

A média de uma dezena de modelos de clima dinâmicos processada pela Universidade de Colúmbia de Nova York indica o pico de intensidade do evento de El Niño para o trimestre de outubro a dezembro deste ano com anomalia média de +1,54ºC, ou seja, no patamar de um El Niño de moderado a forte.

Ocorre que alguns modelos, sendo que vários entre os principais usados internacionalmente e gerados por grandes centros meteorológicos mundiais, indica um aquecimento para o segundo semestre deste ano em patamar de El Niño muito forte a intenso, mesmo em patamar do que se convencionou chamar de Super El Niño.

Vários destes modelos indicam para o segundo semestre anomalias na região do Pacífico Centro-Leste (Niño 3.4) acima de 2ºC, ou seja, El Niño muito forte. Mais do que isso, há modelos sinalizando anomalias entre 2,5ºC e 3,0ºC, o que é um Super El Niño. Chama muito a atenção a projeção do modelo australiano, historicamente mais conservador e sem viés de exagerar, que indica 2,8ºC.

Não existe uma definição técnica de Super El Niño. A regra é considerar um El Niño fraco se as anomalias estão entre +0,5ºC e +0,9ºC no Pacífico Equatorial Centro-Leste, moderado entre +1ºC e +1,4ºC, forte de +1,5º a +2,0ºC e muito forte acima de +2ºC. Muitos meteorologistas no mundo inteiro, porém, adotaram a expressão Super El Niño para anomalias ao redor ou acima de +2,5ºC.

Efeitos do fenômeno

O fenômeno El Niño deve provocar um significativo aumento da chuva no Sul do Brasil. Após três anos de La Niña com sucessivas estiagens, o El Niño deve trazer uma sequência de meses de chuva acima a muito acima da média no Sul do país, em particular no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Podem ocorrer eventos extremos de precipitação com inundações, enchentes e deslizamentos de terra. Algumas enchentes podem ser de maiores proporções.

Muitas previsões indicam que os efeitos do El Niño somente se sentirão a partir da primavera, mas as consequências do forte aquecimento do Pacífico devem se sentir já no inverno, quando se espera os índices de precipitação aumentem no decorrer da estação. O período mais crítico, conforme a climatologia histórica e as projeções dos modelos, é que seria na primavera com muita chuva e temporais frequentes. Desenha-se, assim, um segundo semestre extremamente chuvoso.