O ciclone extratropical dos dias 15 e 16 de junho deste ano entrou para a história do clima do Rio Grande do Sul como um dos maiores desastres naturais da história do estado. Oficialmente, o sistema deixou 16 mortos, um dos maiores saldos de vítimas fatais resultante de fenômeno meteorológico já observado no estado.
O ciclone trouxe vento acima de 100 km/h no Litoral Norte, mas as consequências foram em grande parte resultado do excesso de chuva. Os acumulados em 24 horas ficaram entre 200 mm e 300 mm em áreas dos vales e do litoral perto da Serra do Mar. Porto Alegre teve o mais alto volume de chuva em 24 horas no mês de junho de toda a sua série histórica iniciada em 1910.
Os volumes extremos de chuva em curto período geraram o mais perigoso tipo de enchente que são as inundações repentinas ou relâmpago, que ocorrem muito rapidamente, com a água subindo metros em alguns pontos em curto intervalo. Foi o que fez que casas, carros e pessoas fossem arrastados pela correnteza.
A Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) estima que os prejuízos causados pelo ciclone extratropical podem chegar a um bilhão de reais. Até hoje, os prejuízos são calculados em 500 milhões de reais, conforme informado por 22 cidades que preencheram decretos de situação de emergência, mas o número vai aumentar.
O ciclone causou prejuízos estimados em 149 milhões de reais na agropecuária, afetando infraestrutura e produção de agricultores familiares. Conforme a Emater/RS-Ascar, o sistema atingiu 62 municípios e impactou 8.115 propriedades. Foram mais de quatro mil quilômetros de estradas vicinais afetados, prejudicando o escoamento da produção de 291 comunidades.
De acordo com o relatório, quase 1,6 mil produtores tiveram estragos em instalações, sendo 1,3 mil casas. Na produção de grãos, 306 produtores tiveram perdas de 4,8 mil toneladas, principalmente nas culturas de milho e milho silagem, além de feijão de segunda safra. Na fruticultura, as perdas atingiram 2.471 produtores, com maiores danos na produção de banana nas encostas da Serra do Mar e na citricultura, nas regiões dos Vales
Até a capital Porto Alegre decretou situação de emergência, o que é pouco comum. Sem contar parques e praças, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos da cidade estima que 430 árvores tombaram em vias públicas, sobre muros ou residências. Porto Alegre teve o maior volume de chuva oficial em 24 horas em junho desde o começo das medições em 1910.
Primeiro de vários extremos pela frente
O ciclone deste mês de junho não será o último evento extremo deste ano. Sob a influência do evento de El Niño que se tornará forte a muito forte nos próximos meses, podendo configurar mesmo um episódio de Super El Niño, o segundo semestre deste ano e os primeiros meses de 2024 serão um período de risco muito elevado de extremos meteorológicos no Sul do Brasil.
O maior risco nos próximos meses serão episódios extremos de chuva e vento, notadamente de chuva. As precipitações tendem a ficar acima a muito acima da média com eventos de chuva com acumulados altíssimos em curto período ou sequência de dias.
O período mais crítico começa no fim do inverno, atinge o seu pico na primavera, e prossegue durante o verão, podendo se estender ao outono de 2024, uma vez que o outono de anos seguintes ao ano de começo de El Niño tem grande propensão para excesso de chuva, como se viu em 1941, na grande enchente da história do estado.
Há um risco muito alto de elevada frequência de temporais de vento, raios e granizo durante o segundo semestre deste ano e no verão de 2024, uma vez que a atmosfera estará muito mais úmida e com temperatura acima da média. Calor e umidade são os ingredientes principais para tempo severo.
Modelos reforçam preocupação
Os dados de modelos numéricos para o segundo semestre deste ano reforçam a preocupação com eventos extremos de chuva e tempestades. Os dados são consistentes em indicar não só chuva acima a muito acima da média como temperatura acima da média.
Os mapas acima mostram as projeções de anomalia de chuva e temperatura do modelo SEAS5, do Centro Meteorológico Europeu, para o trimestre de setembro a novembro, ou seja, o de fim de inverno e a maior parte da primavera, o período tradicionalmente mais crítico para tempo severo no Sul do Brasil.
Como se observa, a perspectiva é de chuva acima a muito acima da normal climatológica, em particular no Rio Grande do Sul. Soma-se ainda a temperatura acima da média, o que significa mais calor, o que acaba por agravar o risco de tempestades fortes de vento e granizo, seja na frequência como na intensidade.
El Niño ganha força
O El Niño se intensifica nos próximos meses e é cada vez maior a probabilidade de um evento ao menos de forte intensidade. Há modelos projetando, inclusive, anomalias de temperatura da superfície do mar jamais documentadas no Pacífico, o que faria com que o El Niño de 2023/2024 fosse excepcionalmente intenso, mas a intensidade a que pode chegar o evento ainda é questão em aberto.
Conforme o último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 0,9ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na faixa de El Niño fraco (+0,5ºC a +0,9ºC), quase no limite da moderada intensidade.
Por outro lado, a região Niño 1+2, estava com anomalia de +2,7ºC, em nível de El Niño costeiro intenso junto aos litorais do Peru e Equador, aquecimento intenso na região que persiste desde o mês de fevereiro e que precedeu o aquecimento do Pacífico Centro-Leste (região Niño 3.4).
Superposição de fatores além do El Niño
O planeta adentra fase de aquecimento sem precedentes na era observacional com múltiplas ondas de calor marinhas recordes ao redor do mundo e cobertura de gelo marinho em níveis baixos recordes na Antártida.
A superposição de El Niño com outros extremos de aquecimento oceânico esquentará demais o planeta e o clima vai estar muito propício a extremos, não apenas no Sul do Brasil como em outras partes do país e do mundo.
Hoje, com o Atlântico Norte com anomalias de temperatura da superfície do mar jamais vistas com uma gigantesca área de águas muito quentes e com temperatura recorde junto ao Reino Unido e Irlanda, e ainda um El Niño em estágios iniciais no Pacífico, a temperatura média dos oceanos do planeta bate recordes.
Quanto mais quente os oceanos, maior a energia liberada na atmosfera. A energia acaba sendo descarregada em fenômenos atmosféricos como ciclones, chuva e tempestades, o que fará com que os eventos extremos aumentem globalmente nos próximos meses.