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Uma seca severa e uma incomum onda de calor pela duração e intensidade provocam impactos generalizados em grande parte da China com efeitos para a população e a economia. Comércio, agricultura e indústria sofrem com as consequências de um verão extremo no clima chinês.

Os níveis de rios e reservatórios caíram, fábricas fecharam por causa da falta de eletricidade e grandes áreas de plantações foram perdidos. Com o peso da China na economia global e a sua superpopulação, as repercussões do calor extremo e da seca severa devem afetar todo o mundo com mais interrupções nas cadeias de suprimentos e piora da crise alimentar global.

São dois meses com dias de calor extremo na maioria das províncias chinesas. Centenas de estações registraram temperaturas acima de 40°C e muitos recordes foram quebrados neste verão. Em 18 de agosto, a temperatura em Chongqing, na província de Sichuan, atingiu 45°C, a mais alta já registrada na China fora da região dominada pelo deserto de Xinjiang. Em 20 de agosto, a temperatura na cidade não caiu abaixo de 34,9°C, a temperatura mínima mais alta já registrada na China em agosto. A temperatura máxima foi de 43,7°C.

Trata-se da onda de calor mais longa e mais intensa na China desde que os registros nacionais começaram regularmente em 1961. De acordo com o historiador de dados meteorológicos Maximiliano Herrera, que monitora temperaturas extremas em todo o mundo, é a onda de calor mais severa registrada em qualquer lugar do planeta até hoje pela sua duração e intensidade.

“Isso se baseia na intensidade mais extrema com a enorme duração do calor extremo que dura dois meses em área incrivelmente enorme, e tudo ao mesmo tempo”, diz Herrera. “Não há nada na história climática mundial que seja minimamente comparável ao que está acontecendo na China”, diz.

A magnitude da onda de calor chinesa espanta a comunidade meteorológica em todo o mundo. “Calor inimaginável na China. A longevidade e a intensidade da onda de calor são difíceis de compreender. Muitos registros de calor para contar, tanto de dia quanto de noite, descreveu em suas redes sociais o meteorologista britânico Scott Duncan.

Estações de metrô viraram refúgios para o calor. Moradores da megacidade chinesa de Chongqing se abrigam do verão mais quente já registrado nas estações da cidade, onde o ar-condicionado permite escapar das temperaturas escaldantes do lado de fora. Desesperados para escapar do calor, centenas de habitantes de meia-idade ou idosos recorrem às profundezas das estações de metrô, onde passam horas fumando, jogando cartas ou dormindo.

Um homem descansa no chão de um shopping center para se refrescar e evitar temperaturas escaldantes ao ar livre na cidade de Chongqing, no Sudoeste da China, em 24 de agosto | NOEL CELIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Estações de metrô e centros comerciais como shopping centers com ar-condicionado acabaram se tornando refúgios para os chineses durante a onda de calor. Muitas pessoas passaram noites em estações de trem para escapar do calor escaldante. | NOEL CELIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Juntamente com o calor extremo, a chuva escassa em partes da China fez com que os rios caíssem para níveis baixos, com 66 secando completamente. Em partes do Yangtze, os níveis são os mais baixos desde que os registros começaram em 1865. Em alguns lugares, o abastecimento local de água acabou e a água potável teve que ser transportada. Em 19 de agosto, a China anunciou um alerta nacional de seca pela primeira vez em nove anos.

Urso panda se refresca sobre um bloco de gelo pelo tempo extremamente quente em um zoológico em Guangzhou, na província de Guangdong, no Sul da China | STR/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Crianças se divertem nas refrescantes águas de parque aquático em Huaian, na província de Jiangsu, no Leste da China, durante o escaldante verão de 2022 com uma onda de calor que já supera 70 dias | STR/AFP/METSUL METEOROLOGIA

De acordo com o Centro Climático de Pequim (BCC), com a intensidade média dos eventos de ondas de calor, escala de impacto e duração levadas em consideração, a intensidade combinada do evento regional desde 13 de junho faz do atual período quente o pior já observado no país.

“Este processo é caracterizado por longa duração, amplo alcance e forte intensidade. É o mais longo desde 1961, superando o recorde de 62 dias em 2013. Temperatura acima de 35℃ ocorreu em 1680 observatórios meteorológicos e máximas acima de 37℃ foram anotadas em 1426 estações. A cobertura da temperatura acima de 40℃ foi a maior da história”, disse o BCC em comunicado.

Um total de 914 observatórios meteorológicos nacionais (representando 37,7% do número total da China) atingiram o patamar de ondas de calor extremas, e 262 deles em Hebei, Shaanxi, Sichuan, Hubei, Jiangsu, Zhejiang, Fujian, Guangdong, Qinghai e outros lugares igualaram ou excederam os recordes históricos de temperatura máxima.

Cidades escuras e fábricas paradas

A geração de hidroeletricidade caiu por causa dos baixos níveis de água. Sichuan foi especialmente afetada porque normalmente obtém 80% de sua eletricidade de energia hidrelétrica. Milhares de fábricas na província tiveram que interromper as operações devido à falta de eletricidade em meio à alta demanda por ar condicionado. Escritórios e shopping centers também foram instruídos a reduzir a iluminação e o ar condicionado para economizar energia.

Xangai apagou as luzes decorativas das redondezas de sua famosa avenida Bund, informou a Prefeitura, em um momento em que a onda de calor na China obriga as autoridades a racionar a energia elétrica. Várias províncias impuseram restrições nos últimos dias devido à onda de calor que afeta o país.

Para economizar luz, a Prefeitura de Xangai pediu para apagar “iluminações decorativas” da avenida Bund e da outra margem do rio Huangpu, em uma parte do bairro de Lujiazui. A famosa avenida é conhecida pela vista impressionante que oferece dos arranha-céus de Lujiazui, totalmente iluminados à noite, com outdoors publicitários gigantes e às vezes feixes de luz. Mas todas as luzes decorativas tiveram que ser apagadas.

Uma mulher caminha com uma criança no calçadão de Bund ao longo do rio Huangpu com as luzes decorativas desligadas como medida para economizar energia em Xangai. A cidade desligou as luzes ao longo de sua famosa margem em resposta à onda de calor em todo o país que elevou a demanda por energia. | HÉCTOR RETAMAL/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Comerciante chinês vende refrigerantes no calçadão de Bund na escuridão que tomou conta da zona pelas medidas para economizar energia em Xangai sob calor extremo e seca severa que levam o sistema elétrico da China ao limite | HÉCTOR RETAMAL/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Mais de cinco milhões de pessoas no Sudoeste da China têm sofrido com recorrentes cortes de energia devido ao calor que fez disparar o consumo de eletricidade e prejudicou o fornecimento, forçando, inclusive, a paralisação de fábricas. As temperaturas na província de Sichuan ficaram acima dos 40ºC nos últimos dias com aumento da demanda de energia para aparelhos de ar-condicionado. Ao mesmo tempo, a região depende fortemente de barragens para gerar energia hidráulica, mas a onda de calor secou os reservatórios e acentuou a escassez de eletricidade.

Uma empresa de energia local disse que Dazhou, uma cidade de 5,4 milhões de pessoas no Nordeste da província, recebia energia intermitente. Por conta disso, os moradores sofrem cortes de eletricidade de até três horas que se estenderão, se necessário. “A carga nas linhas é muito alta” e afeta tanto as áreas urbanas quanto vilarejos ao redor de Dazhou.

Luminoso de propaganda desligado para economizar luz em Chengdu, na província de Sichuan, no Sudoeste da China | STR/AFP/METSUL METEOROLOGIA 

Várias fábricas em Sichuan foram obrigadas a interromper suas atividades depois que as autoridades ordenaram priorizar o fornecimento de energia para as áreas residenciais. Entre as fábricas afetadas está uma empresa conjunta da Toyota com uma empresa local na capital provincial Chengdu, que interrompeu sua atividade.

A mídia local aponta que o maior fabricante de baterias para carros elétricos, Contemporary Amperex Technology, também interrompeu sua produção na cidade de Yibin. Sichuan concentra metade da produção chinesa de lítio, um material necessário para as baterias de carros elétricos. A região também tem inúmeras usinas hidrelétricas que abastecem as importantes zonas industriais da costa oriental da China. Um aviso ordenou paralisar a atividade industrial em 19 das 21 cidades da província.

“Tudo morto”

Qin Bin passou 10 anos trabalhando em sua terra, cultivando pêssegos para vender aos turistas em uma pequena barraca nos arredores da cidade de Chongqing. Mas a intensa onda de calor no Sul da China acabou com sua colheita. “É a primeira vez na minha vida que enfrento uma calamidade como essa”, disse o agricultor de 50 anos à agência AFP.

Qin sofre as consequências do verão mais quente já registrado e que atingiu duramente metade de suas terras, vítimas da seca. “Este foi um ano muito triste”, diz ele. “Agora deveríamos estar colhendo frutas, mas tudo se foi, tudo morreu pelo sol escaldante”, lamenta. O Sul da China viu seu maior período de altas temperaturas desde o início dos registros, há pouco mais de 60 anos. Uma situação que levou a cortes de energia e que afetou particularmente o setor agrícola.

O calor escaldante representa uma “ameaça severa” para a colheita de outono do país, disse o governo chinês, que prometeu bilhões de yuanes em ajuda aos agricultores. Mas para Qin, qualquer ajuda chegará tarde demais: sua safra de videiras secou e essa era sua principal fonte de renda. “Praticamente tudo morreu”, conta.

Seca severa e calor extremo arrasam com a fruticultura na China | NOEL CELIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

“O governo fez um grande esforço para nos ajudar, mas isso só servirá para revitalizar as árvores, não para dar frutos”. Ele não é o único que sofre em sua aldeia, que abriga milhares de hectares de campos totalmente arruinados. “Dando um passeio pela cidade, percebe-se o nível do desastre”, diz.

O calor extremo obrigou Qin e outros agricultores a trabalhar em horários incomuns, já que trabalhar em plena luz do dia, quando o termômetro ultrapassa os 40ºC, é muito árduo. Sendo assim, eles trabalham de madrugada, das 22h às 4h, e descansam durante o dia. “É impossível trabalhar no pomar porque a temperatura do solo está em torno de 60ºC, nós medimos no outro dia”, explica.

Ainda assim, seus esforços para salvar uma parte da colheita serão em vão se a seca durar mais um mês. “Se o calor durar até 4 de setembro, como alguns dizem, provavelmente mais da metade das árvores cujo resgate estamos trabalhando dia e noite morrerão”, estima Qin. “Participar disso é muito triste”, acrescenta. Segundo ele, tudo o que podem fazer agora é esperar a chuva.

Chuva artificial

O Conselho de Estado da China anunciou subsídios de 10 bilhões de yuanes (1,45 bilhão de dólares) para ajudar os produtores de arroz afetados pela seca que, segundo as autoridades, representa uma “grave ameaça” para a colheita de outono. A China produz mais de 95% do arroz, trigo e milho que consome, mas uma queda na colheita pode levar o país a recorrer às importações e aumentar a pressão em um mercado global já tenso pela guerra na Ucrânia.

As autoridades defenderam “garantir água potável para a população e garantir água para a irrigação agrícola”. A rede CCTV exibiu imagens de um serviço de carros-pipa para moradores e agricultores nas zonas rurais de Sichuan e Chongqing. Além disso, estas regiões enfrentam desde a semana passada com incêndios florestais, exacerbados pelas temperaturas elevadas e a falta de água. Os fazendeiros também foram afetados. As autoridades de Chongqing prometeram medidas de emergência para proteger as fazendas de porcos.

Trecho seco ao longo do rio Yangtze, em Jiujiang, na província central de Jiangxi, na China, que enfrenta uma seca severa e que levou a inúmeros alertas de emergência por estiagem | STR/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O rio Yangtze, principal reserva de água potável do país, está seco em vários trechos e há dois meses os moradores de muitas cidades chinesas recebem alertas diários. Quatro departamentos governamentais emitiram advertências por medidas para proteger as lavouras e pedidos para que “cada unidade de água seja utilizada com cuidado”, com métodos como o risco escalonado ou semeadura de nuvens, uma tática para tentar provocar chuva.

Os responsáveis do governo defendem “uma combinação de medidas para aumentar as fontes de água para combater a seca, primeiro garantir água potável para as pessoas, garantir água para a irrigação agrícola e guiar os agricultores para combater a seca e proteger os grãos do outono”, acrescentou. “O rápido avanço da seca, sobreposta às temperaturas elevadas e aos danos provocados pelo calor, provoca uma grave ameaça à produção agrícola de outono”, afirma o comunicado.

A segurança alimentar é um tema delicado na China, um país que foi afetado pela fome várias vezes. No final dos anos 1950 e no início da década de 1960, a coletivização das terras imposta pelo poder comunista provocou milhões de mortes na China rural. O país afirma que assegura mais de 95% de suas necessidades de arroz, trigo e milho.

No início de agosto, o serviço de meteorologia nacional informou que a temperatura do país aumentou duas vezes mais rápido que a média mundial desde 1951, uma tendência que deve prosseguir. Com a falta de água, a China tenta provocar chuva artificialmente lançando no céu projéteis carregados de iodeto de prata, segundo o canal público CCTV. (Com informações da AFP)