Por PHILIPPE BERNES-LASSERRE
Eles se dedicam a medições, observações, análises. Se esforçam para fazer seu trabalho “o melhor possível” como uma “contribuição” para seu país. São os cientistas ucranianos na base de Vernadsky, na Antártida, de onde sofrem a guerra impotentes.
“No começo, passamos várias noites sem dormir. O tempo todo tentávamos descobrir qual era a situação em nossas respectivas cidades. Agora, verificamos as notícias ao acordar e antes de dormir, em cada hora livre”, diz à AFP Anastasiia Chyhareva, uma meteorologista de 26 anos, em uma mensagem escrita e gravada em vídeo.
A base Vernadsky se encontra na ilha Galíndez, a 1.200 quilômetros de distância da cidade argentina de Ushuaia (Terra do Fogo) e a mais de 15.000 quilômetros da Ucrânia. A estação conta com uma equipe de entre 11 e 13 pessoas. No local, povoado por pinguins e baleias, meia dúzia de prédios baixos erguem-se sob a bandeira azul e amarela da Ucrânia em meio a uma majestosa paisagem de neve, oceano e rochas, com clima instável e traiçoeiro e temperaturas que variam de 1 a -3 ºC no outono e pode cair para -20 ºC no inverno.
O trabalho consiste na observação meteorológica, geofísica, geológica e biológica. Às vezes, as tempestades de neve obrigam os jovens cientistas a se isolarem durante vários dias em sua base. A guerra, geograficamente distante, está sempre presente em seus pensamentos.
“Outro planeta”
Para o geofísico e analista de dados Oleskandr Koslokov a primeira impressão foi “como se tudo isso acontecesse em outro planeta, não no nosso mundo”. “Esse sentimento foi gerado pela minha ausência da Ucrânia. (…) mas a voz de minha esposa quando ela me contou sobre as primeiras explosões em Kharkiv no WhatsApp, me colocou no centro do local em apenas um minuto”, lembrou.
“Então, comecei a orientar a minha família sobre como agir. Não tive tempo de refletir. Tinha que ajudá-los a sobreviver e fugir da minha cidade, a apenas 40 quilômetros da fronteira russa, antes que se transformasse em um inferno imprevisível”, acrescentou Koslokov, cujos familiares encontraram refúgio na Alemanha.
O biólogo Artem Dzhulai, de 34 anos, natural de Kiev, mas com família em outros lugares da Ucrânia e na Crimeia, também disse estar em alerta. “Me informo da situação na Ucrânia todos os dias por meio da Internet. Mas é difícil estar tão longe e não poder ajudar”, lamentou. Chyhareva explicou que se levanta às 2 da manhã (7h na Ucrânia) “para saber como passaram a noite. Não consigo começar o dia se não me mandarem uma mensagem dizendo que está tudo bem”, contou.
Seus pais e avós tiveram que dormir por muitas noites em um abrigo. A bióloga marinha Oksana Savenko resume os sentimentos do grupo. “Na base, oscilamos entre a tristeza, devido à angústia pelo destino dos nossos familiares e amigos, e o a forte alegria pelo orgulho que sentimos pelo nosso Exército e nosso povo, que lutam bravamente pelo direito de viver em um país livre”.
A ciência como contribuição
A equipe deixará a Antártida em poucos dias, depois de um ano na base. Sua substituição já está em processo de transição. Nessas semanas, eles fizeram um esforço para ajudar com doações, coleta de assinaturas ou cursos online para distrair as crianças ucranianas. Mas consideram que sua principal contribuição é cumprir sua missão científica.
“Fazemos o nosso trabalho o melhor possível. É nossa contribuição nesta guerra, porque os que estão em combate não têm tempo para isso”, afirmou Chyhareva. Dzhulai chama a atenção sobre “a indiferença dos países democráticos” quando a Crimeia foi anexada à Rússia em 2014.
“Provavelmente pensaram que não seriam afetados. A Europa ainda não sofre diretamente, mas tudo pode mudar se o mal não for detido e punido”, alertou. Savenko, natural de Kiev, disse que sua família está feliz por saber que ela está “longe e a salvo, apesar de não me verem há um ano”.
Ela não sabe quando vão se encontrar novamente. Com as amostras que colheu na Antártica, Savenko planeja trabalhar nos Estados Unidos nos próximos meses. Chyhareva quer voltar para a Ucrânia o mais rápido possível, mas não tem planos e gostaria de trabalhar na Europa por alguns meses como cientista. “Não me imagino como refugiada”, disse ela.
Koloskov sabe que não poderá retornar a Kharkiv. “Minha universidade e o instituto onde eu trabalhava foram destruídos”, disse ele. Irá se encontrar com a família na Alemanha e depois tentará continuar seu trabalho científico na Europa ou nos Estados Unidos. “O tempo dirá”, concluiu.