Após meses de temperaturas elevadas recordes, grande parte dos Estados Unidos enfrenta há dias uma poderosa onda de frio com ar extremamente gelado vindo do Ártico com temperaturas que beiram 50ºC abaixo de zero com sensações térmicas pelo vento de até 60ºC negativos.
“É uma ocorrência muito impressionante — certamente uma das mais impressionantes incursões árticas deste século de qualquer maneira”, disse Judah Cohen, cientista climático da empresa Verisk Atmospheric and Environmental Research. Eventos semelhantes recentes incluíram a terrível onda de frio que atingiu o Texas em fevereiro de 2021 e uma intensa onda de frio no Natal de 2022, observa Cohen.
O que causa esta poderosa onda de frio? Tipicamente, o ar muito frio no Ártico fica preso dentro de um redemoinho de ventos em altitudes elevadas chamado vórtice polar, cercado por uma faixa em altitudes mais baixas chamada corrente de jato polar.
No entanto, se o vórtice polar for perturbado, a corrente de jato pode se tornar ondulada e transportar ar gélido muito mais ao Sul do que o normal em uma incursão ártica. Às vezes, esse ar frio traz neve e gelo; outras vezes, o tempo é seco, mas extremamente frio.
Os cientistas ainda estão tentando determinar precisamente o que causa essas perturbações nas correntes de jato que levam o vórtice polar para áreas muito mais ao Sul que o normal. O tema é motivo de grande controvérsia e debate entre os cientistas. O aquecimento do planeta está provocando estas incursões de ar gelado ou é apenas variabilidade natural do clima sem influência humana? Não há consenso.
“É uma área de pesquisa muito ativa e algo sobre o qual os cientistas estão debatendo e tentando descobrir no momento”, diz Dahl. “Definitivamente, não é uma ciência resolvida”.
Ainda assim, muitos especialistas acreditam que as mudanças climáticas provavelmente desempenham um papel — e Cohen vai além: ele argumenta que as mudanças climáticas no Ártico estão diretamente perturbando o vórtice polar.
De acordo com Cohen, o derretimento do gelo marinho neste inverno perto da Escandinávia, combinado com a alta precipitação de neve perto da Sibéria, estabeleceu um contraste térmico que, segundo ele, impulsionou a corrente de jato polar em ondas.
“Parece muito contraditório e surpreendente que um planeta mais quente possa aumentar suas chances de experimentar eventos climáticos de inverno severos — mas é isso que nossa pesquisa mostrou”, diz Cohen. Acrescenta que espera uma segunda incursão ártica menos intensa ainda neste mês e que o fenômeno poderia se repetir até fevereiro também.
Dahl diz que vê a ironia deste frio coincidir com as notícias de que 2023 foi o ano mais quente já registrado. “Para mim, isso é indicativo de um mundo com clima alterado, com extremos cada vez maiores”, afirma. “Gosto de pensar nesses episódios de jato polar como ‘estranhezas globais’. As mudanças climáticas estão causando todos os tipos de impactos diferentes, e alguns deles são contraditórios”, sustenta.
O que está por trás deste debate é um conceito chamado de amplificação do Ártico. Alguns pesquisadores argumentam que o fenômeno de Amplificação do Ártico pode afetar a corrente de jato de uma maneira que aumentaria as incursões de ar frio do Ártico em direção às médias latitudes.
A ideia é a seguinte: à medida que se move para o Norte, as temperaturas ficam mais frias, mas geralmente não se tornam constantemente mais frias. Pelo contrário, geralmente há um contraste acentuado entre o ar frio do Ártico ao Norte e o ar ameno ao Sul. Esse contraste nítido ocorre sob a corrente de jato.
Não é coincidência que a corrente de jato ocorra na fronteira entre o ar frio e quente. O acentuado contraste de temperatura na superfície terrestre cria grandes diferenças de pressão do ar quilômetros acima na atmosfera, e essas diferenças de pressão criam ventos. Quanto maior for a diferença de temperatura no solo, mais rápidos serão os ventos na corrente de jato.
A Amplificação do Ártico implica que o Ártico está aquecendo mais rápido do que o ar mais ao Sul, reduzindo o contraste médio de temperatura. Essa redução no contraste de temperatura deve, por sua vez, diminuir as velocidades dos ventos na corrente de jato. A partir daí, uma corrente de jato mais fraca pode ondular mais e tornar-se mais sinuosa (com uma maior amplitude de onda).
Como é a sinuosidade da corrente de jato que traz ar frio para o Sul, aumentos na sinuosidade teoricamente poderiam intensificar o frio extremo nas latitudes média, como a área continental dos Estados Unidos que está longe do polo.
Uma hipótese relacionada é que a duração de períodos de frio também poderia aumentar porque uma corrente de jato mais sinuosa traz episódios mais persistentes. No entanto, há problemas com vários aspectos dessas hipóteses, apontam vários cientistas.
Primeiramente, embora alguns cálculos simples sugiram que um contraste de temperatura reduzido poderia levar a um aumento na persistência, essa suposição não é respaldada por modelagem de modelos de computador mais complexa.
Em seguida, não existe um mecanismo geralmente aceito que conecte a redução no contraste de temperatura a uma corrente de jato mais sinuosa. Em terceiro lugar, embora alguns estudos tenham afirmado que houve um aumento observado na sinuosidade da corrente de jato, outros apontaram que essa tendência desaparece quando “sinuosidade” é definida de maneiras diferentes. De fato, alguns estudos até mostram que a Amplificação do Ártico pode realmente reduzir a sinuosidade da corrente de jato.
Finalmente, muitas das tendências em sinuosidade, frio e outras métricas que serviram de apoio para algumas hipóteses iniciais sobre como a mudança climática poderia aumentar o frio extremo se inverteram desde então. Isso é um problema para o argumento de que um aumento na sinuosidade poderia realmente intensificar extremos de frio, porque o aumento na sinuosidade teria que ser muito grande.
O relatório do IPCC afirma “que o aquecimento global domina os extremos em escala regional, e é muito improvável que respostas dinâmicas ao aquecimento induzido por gases de efeito estufa alterem a direção dessas mudanças”.
De acordo com a NOAA, a agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, a incerteza devido a uma história de observações relativamente curta não é a única razão pela qual os especialistas não podem descartar a possibilidade de algo estar acontecendo com o vórtice polar.
Alguns experimentos de modelos climáticos de fato indicam que o aquecimento contínuo do planeta levará a um enfraquecimento do vórtice polar. E alguns estudos que combinam modelos e observações mostraram uma conexão entre a baixa extensão do gelo marinho nas regiões do Mar de Barents e Kara no Ártico Oriental, eventos súbitos de aquecimento estratosférico e invernos frios na América do Norte.
Ao mesmo tempo, outras simulações de modelos preveem que o aquecimento e a perda de gelo marinho levarão a um vórtice polar mais forte. Parte da razão para a discordância é que o impacto do aquecimento superficial no Ártico e na perda de gelo marinho nas ondas atmosféricas que podem perturbar o vórtice polar é muito sensível a exatamente onde e quando a perda de gelo marinho ocorre, e isso não tem sido consistente em simulações de modelos.
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