Uma das tragédias mais estudadas e pesquisadas até hoje, retratada na Literatura e reproduzida nas telas do cinema como poucas outras, completa exatamente nesta noite um século. O naufrágio do navio que se dizia jamais iria afundar. O lendário R.M.S. Titanic, orgulho maior e jóia da empresa White Star Line, construído em estaleiros de Belfast, Irlanda do Norte, deixou o porto de Southampton, na Inglaterra, para a sua viagem inaugural até Nova York em 10 de abril de 1912 sob o comando do Capitão Edward J. Smith.

No final da noite de 14 de abril de 1912, chocou-se contra iceberg no Atlântico Norte e apenas duas horas e quarenta minutos depois afundou, já na começo da madrugada do dia 15. Com 2.240 pessoas a bordo, o naufrágio resultou na morte de 1500 pessoas. O número exato de vítimas varia, conforme os relatos oficiais da tragédia produzidos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Os sobreviventes foram 706.


Muitos dos mortos acabaram sepultados dentro do Titanic que rapidamente se quebrou e afundou. Outros tantos morreram nas águas gélidas do Atlântico, vítimas de hipotermia. Os sobreviventes escaparam em botes que não foram suficientes. A evacuação do navio ainda foi feita por critérios das classes sociais do gigante transatlântico. O navio Carpathia, que estava próximo, foi decisivo no resgate das pessoas a bordos dos botes que, igualmente, enfrentavam o gelo da noite.

O Titanic foi uma sensação à época. Folheto publicitário de 1910, da White Star Line, alegava que ele fora “concebido para ser inafundável”. Para uma era sem internet e ciclo de notícias de 24 horas, como ocorre nos dias de hoje, o desastre do Titanic mereceu atenção incomum dos meios de comunicação à época. Jornais dos Estados Unidos e da Inglaterra dedicaram capas inteiras por dias ao desastre. Mitos e lendas se criaram sobre as causas do naufrágio e seus passageiros e tripulantes. O navio voltou a captar a imaginação mundial em 1985, quando seus destroços foram encontrados.


Aqui no Rio Grande do Sul, onde não existiam ainda emissoras de rádio, mas apenas os jornais, o noticiário do desastre veio pelas páginas do Correio do Povo que trouxe nível de cobertura para o fato muito acima do normal para a época, quando os diários quase só se ocupavam de anúncios de utilidades públicas ou informações políticas. Em sua seção Telegramas, o Correio deu sua primeira nota na edição do dia 17 de abril, quando ainda não se tinha conhecimento da extensão da tragédia. As informações chegavam mediante radiogramas e telegramas que chegavam pelo cabo submarino.


O naufrágio mudou as regras de segurança de navegação. Dois anos depois, foi assinada uma convenção (Safety of Life at Sea convention) e criada a International Ice Patrol para monitorar os icebergs. Investigações sobre o desastre foram instauradas nos dois lados do Atlântico após o fatídico desfecho da viagem inaugural. Até hoje se discute que o Titanic estava em velocidade máxima no momento do impacto com o bloco de gelo.

O navio tinha recebido diversos avisos de icebers de outras embarcações que passavam pela área (reproduções abaixo). Às 13h45m do dia 14, muitas horas antes do impacto, mensagem do barco Amerika avisava que grandes icebergs estavam no caminho do Titanic, mas os operadores de rádio do transatlântico estavam mais preocupados com mensagens para os passageiros, afinal o navio já estava no raio de alcance dos telégrafos da costa Leste dos Estados Unidos.

Mais tarde naquela noite, outro aviso de um grande número de icebergs, desta vez da embarcação Mesaba, também não chegou à ponte. Pouco antes do impacto, o operador do rádio do navio Californian tentou avisar o Titanic que havia gelo à frente, porém ele foi interrompido por um exausto operador do transatlântico que respondeu: “Cale a boca, cale a boca, estou ocupado; estou trabalhando Cabo Race”.

Um século depois da tragédia, pesquisadores e cientistas ainda se debruçam em entender as causas do desastre. O clima, por grande parte dos estudos, parece ter tido importância na sucessão de eventos que selou o destino da jóia da White Star.

A maioria dos relatos dá conta que entre o momento da saída do Titanic do porto de Southampton (Inglaterra) no dia 10 de abril de 1912 e o naufrágio na noite de 14 para 15 de abril de 1912 o tempo esteve excelente em rota com marcas amenas (10ºC a 15ºC), vento fraco a moderado, e céu quase sem nuvens.

O transatlântico cruzou por uma frente fria no dia 12, mas o sistema frontal teve uma mínima influência nas condições do tempo. Uma segunda frente fria, esta muito mais forte, estava a Oeste e o Titanic cruzou por ela no dia 14, horas antes do desastre. Em artigo publicado em 1992, o meteorologista Robert Paola descreve que a frente trouxe brusca com vento de até 40 km/h e forte declínio da temperatura. Às 19h30m o registro era de 1ºC e uma hora mais tarde estava um pouco abaixo de zero.


Era uma massa de ar frio muito forte para a época do ano para trazer temperatura abaixo de zero no meio do oceano a 41 graus de latitude Norte. Revisando as cartas de 1912, o meteorologista Robert Paola encontrou um centro de alta pressão ártico de 1037 hPa.

O frio, justamente, seria fatal para muitos dos passageiros e tripulantes que se jogaram nas águas do Atlântico, morrendo de hipotermia. A temperatura das águas do mar no ponto do naufrágio era ainda desfavorável, uma vez que estão em média no mês de abril ao redor dos 5ºC, obviamente mais geladas nas proximidades de blocos de gelo flutuantes.

Ouvido na investigação dos Estados Unidos que se seguiu ao desastre, o Capitão Lord do barco Californian, que estava próximo ao Titanic, informou que a temperatura do mar na noite do dia 14 e na maior parte do dia seguinte era negativa. O menor registro, segundo o comandante, foi de 2ºC abaixo de zero.

O mapa sinótico das 10 da manhã (hora de Brasília) do dia 15 de abril de 1912 indica que no momento da colisão com o iceberg às 22h40 (hora de bordo) do dia 14, em 41°43’N e 49°56’W, o Titanic navegava em zona sob influência de uma área de alta pressão atmosférica que tinha o seu centro muito próximo da localização do navio.

Com o centro de alta pressão, as condições eram inevitavelmente tranqüilas: vento calmo, céu claro e mar calmo. A noite ainda era quase de Lua Nova, o que dificultou ainda mais visualizar o iceberg. O tempo no momento do desastre, assim, não foi causa para a tragédia.


O clima daquele ano, contudo, pode ter desempenhado papel crucial para o desfecho do R.M.S. Ttitanic. Temperatura muito baixa sobre a América do Norte e o Atlântico com marcas acima da média no Ártico, possivelmente associadas a uma fase positiva da AO (Oscilação do Ártico) em que há aquecimento próximo ao polo, contribuíram para que o mar estivesse cheio de icebergs. Foi o que constatou o New York Times em reportagem de página inteira de 5 de maio de 1912.

Na reportagem, o Times afirma: “Um inverno quente sem precedentes em todo o Ártico é a possível causa do grande número de icebergs flutuando no Atlântico Norte durante esta estação e para que eles tenham alcançado latitudes tão baixas. Navegadores e cientistas do Hydrographic Office and the Revenue Cutter Service em Washington têm teorias que podem provar que uma precipitação de neve incomum sobre a Groenlândia, onde os icebergs se formam, no inverno de 1910-11, foi seguida por um atípico verão quente e um inverno muito ameno em 1911-1912.

Estas condições resultaram na criação de um enorme campo de icebergs oriundos do Oeste dos glaciares do Groenlândia. O vento que soprou de forma incomum de Norte e Noroeste levaram o gelo muito para o Sul”.


Ainda de acordo com a longa reportagem do New York Times, “no ano de 1911, segundo o Hydrographic Office, os termômetros registraram 34,4ºC no meio do verão em Irigtut, na costa Oeste da Groenlândia”. Diz também a nota do Times, citando informação oficial que “na costa de Labrador nunca houve nos 30 anos anteriores tantos e imensos icebergs como em 1912”.

O especialista do governo Donald Mcmillan disse que o inverno na área do Ártico foi incomum de tão quente, fazendo com que o gelo se quebrasse e flutuasse para o Sul, levado pela Corrente de Labrador. O especialista disse ainda à época que esperava ver algumas áreas do Ártico sem gelo pela primeira vez em um quarto de século. Hoje, a causa apontada, obviamente, seria o aquecimento global, mas no distante 1912 o New York Times informava que não existiam dados científicos para explicar o inverno quente.


No mapa acima de anomalia de temperatura de janeiro a abril de 1912 observa-se que a temperatura do ar esteve muito abaixo do normal no local do naufrágio comparando-se com a média desde 1900.

A região quente que se estende do Alaska ao Norte do Canadá e a área mais fria no restante da América do Norte sugere fortemente que um sistema de alta pressão permaneceu atuando grande parte daquele inverno daquele ano sobre o continente. O inverno de 1912 no Nordeste dos Estados Unidos foi um dos mais gelados até hoje, recorde em alguns locais, com frio muito persistente, o que favoreceu que o gelo se conservasse no mar no Atlântico.

O Vento soprando de Norte a Leste do centro de alta pressão nos meses antecedentes ao desastre acentuou a Corrente de Labrador (mapa abaixo) a partir da Baía de Baffin, logo transportando uma grande quantidade de água fria e blocos de gelo desprendidos da Groenlândia para a área a Sudeste de Newfoundland e o sítio do naufrágio.


É fartamente documentado que o começo do século XX foi muito mais frio que o período atual no planeta. Conseqüência desta fase fria é que se produzem alterações nas correntes marítimas e na direção e intensidade do vento no mar.

Assim, icebergs chegavam com muito mais frequência ao Sul no Atlântico Norte, alcançando as rotas de navegação. Era muito mais provável que um navio se defrontasse com icebergs que nos dias de hoje. Em um trabalho científico sobre o tempo naquela noite de 1912, reproduzido no site do NOAA (órgão oficial de Meteorologia do governo dos Estados Unidos), E. N. Lawrence concluiu existir uma conexão entre o Sol e os icebergs encontrados nas rotas marítimas do começo do século passado.

Enquanto a maioria dos cientistas reconhece que não foi o Sol o responsável pelo desastre, existem provas fartas que o clima frio de 1912 decorreu em parte da reduzida atividade solar.


Mais recententente, agora em março deste ano, pesquisadores da Universidade Estadual do Texas apresentaram uma nova teoria, para alguns pesquisadores bizarra e outros digna de crédito, que está publicada na edição deste mês da revista Sky and Telescope (acima).

Segundo eles, o perigeu da Lua (maior proximidade do satélite natural com a Terra) foi o mais significativo em 1400 anos em 4 de janeiro de 1912 e ocorreu seis minutos antes da fase de Lua Cheia. Ainda, o periélio (maior proximidade annual da Terra com o Sol) tinha se dado no dia anterior.


Os pesquisadores da universidade, então, sugerem que as causas astronômicas levaram a uma maré muito acima do normal. Segundo eles, parte dos icebergs da Groenlândia fica presa nas águas rasas das costas de Labrador e Newfoundland, não conseguindo avançar para o Sul até que haja uma maré alta que os solte ou se produza um derretimento que a eles permita flutuar.

Mas, com a maré muito alta de janeiro de 1912, os blocos de gelo teriam conseguido se soltar, deslocando-se para o Sul pela corrente de Labrador até que encontraram as rotas de navegação e, tragicamente, a proa do Titanic.