Uma comparação entre duas fotos da Estátua da Liberdade, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, uma de 1898 e a outra de 2025, aparentemente com o nível da água inalterado, tenta desacreditar o aquecimento global e induz ideia falsa sobre o aumento no nível do mar nestes 127 anos.
REPRODUÇÃO
A composição de fotos, que circula nas redes sociais em vários países e no Brasil foi objeto de uma publicação no X com 4,6 mil compartilhamentos e 28 mil curtidas, é extremamente enganosa sobre como os níveis dos oceanos estão aumentando. Em ambas, o nível da água parece estar na mesma altura em relação à base do monumento, o que levou usuários a alegarem que o mar não teria subido em mais de um século, o que é falso e desmentido por dados.
O conteúdo, apesar de chamativo, é mentiroso. Especialistas em oceanografia e mudanças climáticas alertam que a comparação fotográfica não pode ser usada como prova do comportamento do nível do mar.
“A maré em Nova York varia em torno de 1,5 metro. Dependendo da hora do dia em que a foto foi tirada, a diferença aparente pode ser grande ou praticamente nula”, explica Jacqueline Austermann, professora da Universidade de Columbia que pesquisa variações do nível dos oceanos.
No que é mais importante, desde 1856 a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) mantém medições contínuas no Battery Park, localizado na ponta sul de Manhattan, a apenas alguns quilômetros da Estátua da Liberdade. Esses registros são considerados referência para o monitoramento do nível do mar na região.
De acordo com a NOAA, o nível relativo do mar no local subiu cerca de 30 centímetros nos últimos 100 anos, com uma taxa média de aproximadamente 3 milímetros por ano. Nas últimas décadas, essa taxa tem se acelerado, alcançando em torno de 4,5 milímetros por ano em Nova York.
Em escala global, a NOAA e a NASA estimam que os oceanos subiram entre 20 e 25 centímetros desde 1880. Só desde 1993, com a era dos satélites, o aumento médio global foi de quase 10 centímetros, o que demonstra a intensificação recente do fenômeno.
O nível do mar global subiu mais rápido do que o esperado em 2024, de acordo com uma análise liderada pela NASA. A elevação foi de 0,59 centímetros por ano, acima da taxa projetada de 0,43 centímetros. O principal responsável foi a expansão térmica da água, resultado do aquecimento dos oceanos. Normalmente, dois terços da elevação se devem ao derretimento de geleiras e camadas de gelo, mas no ano passado essa relação se inverteu, com a maior parte do aumento explicada pela dilatação da água.
Segundo os cientistas, 2024 foi o ano mais quente já registrado no planeta, e os oceanos acompanharam essa tendência. Desde 1993, quando os satélites começaram a medir o nível do mar com precisão, a taxa anual de elevação mais do que dobrou, acumulando uma alta total de cerca de 10 centímetros. Esse monitoramento contínuo é possível graças a uma série de satélites internacionais, atualmente liderados pelo Sentinel-6 Michael Freilich, lançado em 2020, que será sucedido em breve por seu gêmeo, o Sentinel-6B.
NASA
O processo de expansão térmica ocorre porque a água se dilata ao aquecer, mas o ritmo dessa transformação depende de fatores complexos. Áreas oceânicas de ventos fortes podem misturar as camadas de água, permitindo que o calor penetre em maiores profundidades. Correntes de grande escala, como as do Oceano Antártico, também contribuem para esse deslocamento vertical de calor. Fenômenos climáticos como o El Niño intensificam ainda mais esse processo, ajudando a explicar por que 2024 registrou uma elevação do mar acima do previsto.
Desde 1993, o nível do mar global vem sendo medido com precisão por satélites. Um novo estudo comparou esses registros com as projeções publicadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) na mesma época.
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O resultado mostra que os dados observados estão muito próximos do que os modelos climáticos indicavam, tanto no aumento total quanto na aceleração. Desde o início das medições por satélite, a taxa de elevação praticamente dobrou, confirmando que as previsões feitas há mais de três décadas estavam corretas em antecipar o ritmo da elevação dos oceanos.
O problema das imagens virais está justamente na ausência de contexto. Sem saber se foram tiradas na maré alta ou baixa, não há como comparar. A NOAA reforça que a forma correta de medir mudanças de longo prazo é pelo nível médio do mar, calculado a partir de séries históricas que eliminam os efeitos momentâneos das marés e das condições meteorológicas.
A elevação do nível do mar não é um fenômeno teórico: seus impactos já estão sendo sentidos. Um estudo publicado após a passagem do furacão Sandy, em 2012, concluiu que a elevação dos oceanos adicionou cerca de US$ 8 bilhões em danos extras na região de Nova York.
Além disso, projeções do Painel de Mudanças Climáticas da cidade apontam que, até 2050, o nível do mar pode subir de 28 a 53 centímetros adicionais. Isso aumentará a frequência das chamadas “inundações de dia ensolarado”, quando marés excepcionalmente altas provocam alagamentos mesmo sem chuva ou tempestades.
O uso de fotos antigas como “prova” contra o aquecimento global e a elevação dos oceanos não é novidade. Comparações semelhantes já circularam mostrando imagens do Forte Denison, em Sydney, na Austrália, e de outros pontos turísticos litorâneos ao redor do mundo. Todas foram refutadas por especialistas com base em dados observacionais consistentes.
Segundo Kenneth G. Miller, professor de Ciências Planetárias e Terrestres da Universidade Rutgers, negar o aumento do nível do mar com base em imagens avulsas é ignorar décadas de pesquisas. “O aumento global de 3,3 mm por ano e local em Nova York de 4,5 mm por ano é um fato documentado por satélites e marégrafos”, afirmou.
Então, a ciência é clara: o mar está subindo, tanto em Nova York quanto globalmente. O que as fotos da Estátua da Liberdade não mostram é o horário exato das marés ou as condições de cada registro. Sem esse contexto, elas nada dizem sobre tendências de longo prazo. As imagens, assim, iludem. E os dados mostram que a tese de que se tenta passar é falsa.
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