Habibo Abdi Hassan, de 21 anos, limpa seu filho com água no Centro de Estabilização Sahal Macalin Ciise em Baidoa, Somália. Chuvas insuficientes desde o final de 2020 foram um golpe fatal para as populações que já sofrem com uma invasão de gafanhotos entre 2019 e 2021 e a pandemia. Aumenta o temor de uma tragédia semelhante à de 2011, a última fome que matou 260 mil pessoas na Somália. | YASUYOSHI CHIBA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Deitado na cama de um hospital de Mogadíscio, Sadak Ibrahim tem o olhar perdido. Seu braço extremamente magro não consegue espantar as moscas que caminham em seu rosto. O menino está tão fraco que mal consegue chorar. No limite de suas forças pela falta de alimentos, seu choro, cada vez mais raro, é apenas um gemido tênue.

“É o único menino que tenho e está muito fraco”, afirma a mãe, Fadumo Daoud, ao observar as pernas esqueléticas do filho, que tem uma sonda nasogástrica para permitir sua alimentação. Para salvar a criança, a mãe viajou por três dias a partir da região de Baidoa, sudoeste da Somália, um país muito afetado pela seca histórica que afeta a região do Chifre da África.

No hospital De Martino, Fadumo Daoud cuida do filho dia e noite e reza para que ele não integre a lista de centenas de crianças que morreram por desnutrição nos últimos meses. De acordo com o Unicef, 730 crianças faleceram em centros de nutrição entre janeiro e julho.

Além disso, mais de um milhão de crianças com idades entre seis meses e cinco anos sofrem de desnutrição severa. Depois de quatro estações de chuvas abaixo do esperado desde o final de 2020 e uma quinta que deve seguir a tendência a partir de outubro, a Somália está sem remédios para enfrentar a fome.

Em todo o país, 7,8 milhões de pessoas (quase metade da população) são afetadas pela seca e 213.000 estão sob risco grave de enfrentar a fome, segundo a ONU. Sem uma intervenção urgente, o estado de fome será declarado nas regiões de Baidoa e Burhakaba entre outubro e dezembro, alertou o diretor do Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) das Nações Unidas, Martin Griffiths.

De acordo com ele, a situação é pior que na última crise da fome, de 2011, que provocou 260.000 mortes, mais da metade de crianças com menos de cinco anos. Apesar do perigo representado pelos radicais islâmicos do grupo Al Shabab, insurgentes há 15 anos, um milhão de somalis deixaram suas aldeias e seguiram para as grandes cidades, em particular Mogadíscio, onde se reúnem em acampamentos informais.

Mãe de 10 crianças, Nuunay Adan Durow percorreu 300 quilômetros a partir da região de Baidoa para conseguir ajuda médica para seu filho de três anos, Hassan Mohamed, que estava com os membros inchados por uma desnutrição grave.

“Há três anos não temos colheita por falta de chuvas”, explica. “Enfrentamos uma situação terrível (…) Para conseguir um balde de água é necessário andar por duas horas”, afirma a somali de 35 anos, com o filho no colo enquanto aguarda atendimento em um centro médico da ONG International Rescue Committee (IRC), na periferia de Mogadíscio.

Nos sete centros de saúde e nutrição administrados pelo IRC na capital e seus arredores, “o número de internações aumentou consideravelmente desde junho”, informa Faisa Ali, diretora de nutrição da ONG. O número de crianças desnutridas triplicou, passado da média de 13 casos diários em maio para 40 em setembro.

A seca afeta as regiões tradicionalmente férteis com o Baixo Shabelle, na divisa com a capital. Antes refúgio para as comunidades castigadas pelas secas, esta região perde habitantes atualmente.

“Nós tínhamos o hábito de cultivar e colher legumes para alimentar nossos filhos antes que a seca nos afetasse”, disse Fadumo Ibrahim Hassan, mãe solteira de seis filhos que chegou a Mogadíscio há uma semana. “Agora vivemos do que Deus nos dá”, acrescenta.

Viúva de 35 anos, ela está com a filha Yusro, de dois anos, no hospital De Martino por recomendação dos médicos do IRC, que consideraram o caso muito grave.  A menina tem apenas 5,8 quilos, metade do peso esperado para uma criança saudável em sua idade. Estes casos são cada vez mais frequentes, alerta a médica Fahmo Ali. O que recebemos aqui são os piores casos, com complicações”, explica. “E, às vezes, alguns dos que curamos voltam ao hospital depois que ficam doentes novamente”. (Por Por Mustafa Haji Abdinur em Mogadíscio)