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A onda de calor intensa que atinge o Rio Grande do Sul pode ter reescrito nesta terça-feira, 4 de fevereiro de 2025, a história climática gaúcha. Oito meses depois da maior enchente da história gaúcha, o estado registrou hoje a maior temperatura oficialmente medida desde o começo das medições no distante ano de 1910, ao menos de acordo com dados publicados pelo Instituto Nacional de Meteorologia que é responsável pelas medições oficiais.

Calor faz história hoje no município gaúcho de Quaraí | PAULO ORTIZ/NNTV

A temperatura máxima na estação meteorológica automática do Instituto Nacional de Meteorologia em Quaraí na tarde de hoje chegou a impressionantes 43,8ºC até às 15h. Trata-se do novo recorde oficial de temperatura máxima do Rio Grande do Sul em 115 anos de medições regulares no estado, ao menos pelos dados reportados pelo agência oficial de clima do governo brasileiro.

O registro, assumindo-se que a medição informada pelo órgão federal esteja correta diante de nítidas discrepâncias com outras estações próximas dos dois lados da fronteira,  seria extraordinário porque jamais se observou temperatura tão alta e na casa dos 43ºC na climatologia do Rio Grande do Sul desde que tiveram início as medições regulares com a instalação de estações meteorológicas no estado entre os anos de 1910 e 1912.

A máxima preliminar informada hoje pelo órgão federal de 43,8ºC em Quaraí passaria a ser o novo recorde oficial absoluto de temperatura máxima no Rio Grande do Sul, superando os recordes anteriores de 42,9ºC em Uruguaiana de 27 de fevereiro de 2022; 42,6ºC em Alegrete em 19 de janeiro de 1917 e em Jaguarão em 1º de janeiro de 1943; e 42,5ºC em Quaraí em 3 de fevereiro de 2025.

A temperatura máxima de hoje em Quaraí, repita-se que se confirmada por controle posterior de qualidade de dados pelo Inmet, não apenas seria recorde absoluto de temperatura máxima do estado e estabeleceria outros dois recordes: a mais alta temperatura oficial já anotada no Rio Grande do Sul no verão e novo recorde de temperatura máxima para o mês de fevereiro, superando os 42,9ºC de Uruguaiana em fevereiro de 2022.

Chama a atenção que os recordes de calor de 1917 e 1943 de 42,6ºC perduraram por várias décadas, mais precisamente 79 anos, até que foram superados em 2022. E apenas três anos depois a marca de 2022 pode ter sido superada.

É fundamental, entretanto, contextualizar que a estação meteorológica em que se deu o informado recorde de hoje não existia nas ondas de calor de 1917 e 1943. Passou a operar no dia 16 de outubro de 2007. Uruguaiana, que está na mesma região, marcou máxima mais alta em 1943 que na presente onda de calor assim como na onda de calor de 2022.

Onda de calor atual está longe de ser a pior da história gaúcha

Embora o recorde de temperatura máxima oficial do estado ocorrido no dia de hoje, a onda de calor atual no Rio Grande do Sul está longe de figurar entre as mais intensas da história gaúcha. Os episódios de janeiro de 1943, que até hoje tem o recorde de máxima de Porto Alegre de 40,7ºC, e o de janeiro de 2022 foram os mais intensos.

Na onda de calor de janeiro de 2022, a rede do Instituto Nacional de Meteorologia teve 13 dias consecutivos em que as máximas bateram em 40ºC. Fez 41,5ºC em Quaraí no dia 12; 41,7ºC (recorde absoluto de 110 anos) em Bagé no dia 13; 40,8ºC em Bagé no dia 14; 40,6ºC em Uruguaiana no dia 15; 41,8ºC em Uruguaiana no dia 16; 40,2ºC no dia 17 em Teutônia; 41,1ºC em Santa Rosa em 18 de janeiro; 41,5ºC em São Luiz Gonzaga no dia 19; 42,1ºC em Uruguaiana no dia 20; 41,8ºC no dia 21 em Uruguaiana; 41,6ºC dia 22 em Uruguaiana; 42,1ºC dia 23 em São Luiz Gonzaga; 41,2ºC dia 24 em São Luiz Gonzaga; 39,6ºC dia 25 em São Luiz Gonzaga; e 39,5ºC dia 26 em Campo Bom.

Já estações automáticas particulares e de outros órgãos apontara marcas de 40,7ºC no dia 25 de janeiro em Parobé e 40,1ºC em Feliz e Lajeado no dia 26. Com isso, o Rio Grande do Sul completou 15 dias seguidos em que as temperaturas máximas no território gaúcho ultrapassaram a marca dos 40ºC, o que não tinha precedentes desde o começo das medições meteorológicas regulares no Estado em 1910.

A onda de calor de 1917

Em 1917, quando da intensa onda de calor que afetou o Rio Grande do Sul, um dos principais diários do estado era o jornal A Federação. Fundado em 1º de janeiro de 1884 em Porto Alegre, a publicação circulou até o ano de 1937. O jornal, um órgão do Partido Republicano Rio-Grandense, tratava de questões políticas e notícias gerais, além de anúncios que no século XIX ofereciam escravos.

O diário apresentava no começo do século uma coluna diária com as condições ocorridas do tempo com dados de temperaturas mínimas e máximas em Porto Alegre, interior gaúcho, Montevidéu, Florianópolis e Rio de Janeiro. Foi na coluna diário do tempo intitulada “O Tempo” do Instituto Astronômico e Meteorológico que apareceu o recorde de Alegrete.

O estado vivia no período uma severa estiagem, conforme os jornais da época. Em janeiro de 1917, o jornal A Federação noticiava que a seca era “assustadora” em Arroio Grande. Já o noticiário por telex que vinha de Pelotas dava conta que continuava “a se fazer sentir a seca em todo o município de maneira extraordinária”.

Publicações em jornais à época sobre acontecimentos meteorológicos davam pouca atenção e não costumavam passar de notas com poucas palavras, uma vez que reportagens não eram as regras nos jornais. Nota publicada no jornal A Federação em 1917, contudo, narrou o calor extraordinário em Alegrete e os recordes de temperatura registrados com tabelas e uma descrição do calor.

O lugar mais quente do estado

Em Alegrete tem feito um calor senegalesco, tendo a temperatura nos dias 17, 18 e 19, attingido, naquella cidade, respectivamente a 41,1C, 42,3ºC e 42,5ºC, o que é extraordinário quando nos lembramos que aqui em Porto Alegre a temperatura máxima naquelles dias sufocantes foi de 38,9ºC. Diz a Gazeta de Allegrete, a propósito: ‘Há muitos anos, ou pelo menos desde que aqui temos estação meteorológica, (1912) nunca tivemos um calor tão sufocante, mesmo se attendermos às condições especiaes de impermeabilidade do nosso sólo, por natureza secco e pedregoso. A respeito das altas temperaturas, Alegrete sempre tem se manifestado um dos pontos mais quentes do Estado, nos mezes de janeiro, fevereiro, março, novembro e dezembro, que soem ser os de maior calor do ano. Em 1912 excedeu a todas demais pontas do Estado com 38,5ºC, no dia 21 de março. De então para cá, em cada anno, tem mantido seus créditos em assumpto de temperaturas elevadas”.

Em 1917, a temperatura em Alegrete alcançou 38,6ºC no dia 17, uma máxima de 41,1ºC no dia 17, 42,3ºC no dia 18, impressionantes 42,6ºC no dia 19 e 40,0ºC no dia 20. O calor extremo provocou insolação nas pessoas e até morte na comunidade alegretense, conforme informações dos jornais da época.

Calor de janeiro de 1943

Assim como em 1917, em 1943 o verão começou com uma grave estiagem no Rio Grande do Sul. Os jornais da época estavam repletos de relatos e balanços de perda no campo por todas as regiões gaúchas com reportes de falta de água, lavouras destruídas e prejuízos imensos pela falta de chuva no interior gaúcho.

No mesmo dia em que Jaguarão anotou 42,6ºC, a cidade de Porto Alegre teve 40,7ºC de máxima que permanece como recorde oficial até os dias atuais desde o começo das medições em 1910. O dia mais quente da história de Porto Alegre, conforme as medições oficiais, se deu em meio à Segunda Guerra Mundial. O prefeito da cidade era José Loureiro da Silva e todas as atenções da época estavam voltadas aos enfrentamentos da guerra na frente europeia.

Nos jornais, o calor recorde mereceu pouca atenção. O Diário de Notícias publicou uma nota mais ampla em que descreveu o dia sufocante na capital gaúcha. O jornal descreveu que o calor foi o assunto dominante nas rodas de conversa da cidade e chamou a atenção que a temperatura atingiu 40,7ºC mesmo com um dia que a publicação classificou como “sombrio” e “quase sem um raio de sol” (pouco factível).

O jornal lembrou ainda que a última vez que Porto Alegre tinha registrado tanto calor fora em 1929, ocasião em que os estoques de refrigerantes da cidade incrivelmente acabaram. Segundo ainda o jornal, devido ao intenso calor do dia 1º de janeiro de 1943 muita gente buscou se refrescar nas águas do Guaíba, ainda não poluídas à época. O diário ainda publicou nota do Instituto Coussirat de Araújo, responsável pela Meteorologia de Porto Alegre no ano de1943, que atestou o recorde histórico e informou que a máxima de 40,7ºC foi alcançada às 15h45.

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