O Rio Grande do Sul enfrenta a sua maior catástrofe natural desde 1959 em número de vítimas. Nenhum evento meteorológico nos últimos 64 anos trouxe saldo tão chocante de vítimas em um estado que passou por dezenas de grandes enchentes, ondas de tempestade e tornados, muitos ciclones e até um furacão.
O que ocorreu no Vale do Taquari foi avassalador. Os depoimentos e apelos dramáticos que a Rádio Independente de Lajeado transmitiu ao longo da noite de segunda e o começo do dia de ontem eram perturbadores. Antes mesmo de a primeira vítima ser confirmada já era possível se antecipar que nada menos que uma catástrofe se abatia sobre o vale.
É uma história que tristemente se repete no Rio Grande do Sul. Nesta mesma época, no mês de setembro, em 1959, evento extremo de chuva deixou oficialmente 94 mortos nos municípios de Candelária e Sobradinho, no Vale do Rio Pardo. Muito perto das cidades hoje submersas no Vale do Taquari.
Era madrugada de domingo, dia 26 de setembro, quando após horas de chuva torrencial o nível do Rio Pardo subiu rapidamente e levou tudo o que havia em suas margens em uma região de relevo acidentado. A combinação de solo encharcado com chuva em excesso provocou uma das maiores tragédias da história gaúcha.
Famílias inteiras que moravam perto do Rio Pardo e de seus pequenos afluentes, que também inundaram, acabaram morrendo. O saldo final do desastre jamais foi conhecido porque várias pessoas desapareceram e nunca mais foram vistas.
O que mais se ouviu de moradores agora foi “a água chegou onde jamais havia chegado”. Por quê? Porque no tempo de vida dos habitantes do vale jamais o rio havia atingido nível tão alto. Não nos últimos 82 anos. As réguas eletrônicas que medem o nível do Taquari, em Estrela, estavam hoje inacessíveis e talvez tenham sido destruídas, tamanha a dimensão da cheia.
Medições eram feitas manualmente nas velhas réguas físicas, que indicaram 29,6 metros hoje à tarde. O segundo maior nível em 150 anos de medições, pouco abaixo do recorde de 29,92 metros de maio de 1941, a maior enchente da história gaúcha e que deixou Porto Alegre sob as águas.
Esta enchente, mesmo com pico de cheia poucos centímetros abaixo de 1941, foi pior no vale pela forma que se deu. Em 1941, foram semanas de muita chuva que levaram o Taquari aos seus níveis recordes. Agora, o volume extremo de água se precipitou em curto intervalo, de dois dias, entre domingo e segunda.
Choveu de 200 mm a 300 mm nos Campos de Cima da Serra. Na Serra, ao redor de 200 mm ao longo da bacia do Antas. E nos vales, a precipitação somou mais de 150 mm em vários pontos. Já havia muita água nas partes baixas e veio muito das áreas elevadas.
Isso gerou volume colossal de água que desceu das nascentes e da bacia do Antas, na Serra, para as partes baixas nos vales, o que levou à cheia feroz com as águas subindo muito rápido e invadindo cidades com imagens que recordavam um tsunami (fenômeno de origem geológica e não meteorológica).
Já no fim de agosto se esboçava nos modelos de previsão do tempo a catástrofe. No dia 1º de setembro, dias antes do desastre, a MetSul Meteorologia publicava aviso de chuva de 300 mm a 500 mm na primeira semana do mês com enchentes, inundações repentinas e enxurradas: “Chuva nos próximos dias terá volumes excepcionais. Alertamos com ênfase que é cenário preocupante. Algumas cidades terão em dias o que chove normalmente em toda a primavera”.
Infelizmente, não será o último desastre do ano. Com um El Niño forte e com potencial de se transformar em Super El Niño, as próximas semanas e meses reservam instabilidade fora dos padrões normais, o que levará à chuva muitíssimo acima da média, mais enchentes e muitos temporais.
Por ora, o que resta, além de alertar, é oferecer a solidariedade às vítimas e desejar que as pujantes comunidades do vale possam se recuperar rapidamente e se reconstruírem sob um melhor planejamento que leve em conta as cheias que inevitavelmente virão no futuro.