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O inverno meteorológico (trimestre de junho a agosto) vai chegar ao fim nesta quarta-feira e a primavera meteorológica (trimestre de setembro a novembro) vai ter início na quinta com a La Niña ainda atuando no Oceano Pacífico Equatorial.  O fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial que afeta o clima em todo o planeta atua desde 2020 com períodos muito breves de neutralidade, o que faz com que a comunidade meteorológica classifique este evento como de dois a três anos em um evento que denominam de “triple-dip La Niña”.

Condições de La Niña predominam desde 2020 no Pacífico | NOAA

A La Niña foi diretamente responsável pela grande quebra da safra no último verão nos três estados do Sul do Brasil e no Mato Grosso do Sul, onde as perdas agrícolas atingiram dezenas de bilhões de reais nos cálculos mais otimistas com perda gigantesca de produtividade em soja e milho. Uma brutal onda de calor, favorecida pela estiagem, agravou ainda mais as perdas.

O outono deste ano teve a La Niña com maior intensidade na estação desde 1950. Conforme a NOAA, a agência climática dos Estados Unidos, o índice que mede a intensidade de La Niña e El Niño em escala trimestral chamado de ONI (Oceanic Niño Index) teve valor de -1,1ºC no trimestre de outono (primavera no Hemisfério Norte). A última vez que se viu um valor tão ou mais baixo no trimestre foi no ano de 1950 com -1,2ºC.

No trimestre seguinte, de maio a julho, a La Niña enfraqueceu e atingiu um valor médio para os três meses de anomalia no Pacífico Equatorial Central de -0,9ºC. No começo de julho, segundo os dados semanais, a anomalia chegou a -0,5ºC, ou seja, no limite entra La Niña e neutralidade, mas na segunda metade do mês e agora em agosto o resfriamento voltou a se acentuar na área central do Pacífico.

Condições atuais do Pacífico

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia da temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central, a denominada região Niño 3.4, foi de -0,9ºC na última semana.

Mapa de anomalia da temperatura da superfície do mar de 28 de agosto mostra língua de águas mais frias do que a média característica de La Niña no Pacífico Equatorial | NOAA

O valor está na faixa de La Niña fraca, que vai de -0,5ºC a -0,9ºC, mas na última semana esteve em -1,1ºC que é valor compreendido na faixa de intensidade moderada de -1,0ºC a -1,4ºC. Tais flutuações semanais são normais e comuns, observando-se a tendência de longo prazo. Esta é a região do oceano usada para definir oficialmente se há El Niño ou La Niña, portanto a mais atentamente monitorada.

Já no Pacífico Equatorial Leste, a denominada região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, a anomalia de temperatura da superfície do mar na última semana foi de -0,5ºC, marca que está no limite inferior da faixa de intensidade fraca que vai de -0,5ºC a -0,9ºC. Tal área do Pacífico tem grande correlação com a chuva no Sul do Brasil durante os meses do verão com maior probabilidade de estiagem se estiver em território negativo e maior chance de chuva perto ou acima da média se estiver em terreno positivo.

Por que a La Niña vai prosseguir

A nova intensificação da La Niña nos últimos 30 dias se deveu ao crescimento de uma área de águas mais frias do que a média abaixo da superfície que começou a produzir seus efeitos na superfície do oceano por um mecanismo chamado de ressurgência.

Uma onda Kelvin trouxe águas mais quentes entre junho e julho que emergiram e foram responsáveis pelo enfraquecimento do fenômeno no começo e no meio do inverno, mas os efeitos duraram pouco e logo as águas superficiais voltaram a se resfriar com o crescimento da “piscina” de águas mais frias que a média abaixo da superfície.

O enfraquecimento foi, assim, em parte, devido a uma ligeira diminuição dos ventos alísios, os ventos predominantes de Leste a Oeste perto do Equador, na primeira quinzena de junho. Quando os ventos alísios enfraquecem, o resfriamento evaporativo impulsionado pelo vento diminui e a superfície aquece. Além disso, uma onda Kelvin bastante fraca, uma região de água mais quente que a média sob a superfície, se moveu de Oeste para Leste nos últimos meses, subindo gradualmente em direção à superfície.

Os ventos alísios se fortaleceram na segunda quinzena de junho e permanecem mais fortes do que a média. Isso ajudou a resfriar a superfície e contribuiu para a onda de ressurgência, uma região de água mais fria que a média abaixo da superfície que se moveu de Oeste para Leste.

Área de águas mais frias do que a média abaixo da superfície se intensificou e cresceu em extensão durante as última semanas e sinaliza a continuidade da La Niña durante a primavera | NOAA

No momento, há uma extensa área de águas mais frias do que a média abaixo da superfície do Oceano Pacífico Central. Como a tendência é parte desta massa de água mais fria emergir na superfície, a perspectiva é de manutenção das condições de resfriamento das águas superficiais e, portanto, de La Niña nos próximos dois a três meses.

La Niña até o verão

O atual episódio de La Niña ainda está longe de terminar no Pacífico Equatorial. O fenômeno seguirá atuando durante a primavera, podendo se estender ao começo do verão de 2023. Os mais recentes dados dos modelos apontam a presença da La Niña no Pacífico durante todo o segundo semestre, compreendendo a primavera e o começo do próximo verão.

Os modelos de clima estão em razoável acordo com as condições de La Niña devem seguir até o fim de 2022. Divergem quanto ao momento da transição para um estado de neutralidade (sem El Niño ou La Niña) no primeiro trimestre de 2023. Os mapas a seguir mostram as anomalias de temperatura da superfície do mar do North American Multi-Model Ensemble (NMME) para os meses de outubro de 2022 a março de 2023.

Projeção de anomalia de temperatura da superfície do mar mensal de outubro de 2022 a março de 2023 do NMME | NOAA

A grande questão é quando o Pacífico vai passar de La Niña para a neutralidade. Analisando-se as projeções de mais de vinte modelos dinâmicos e estatísticos para o Pacífico se observa que para a maioria esmagadora se daria no decorrer do verão. Para alguns modelos, mais cedo no verão e para outros em meados da estação quente.

Grande maioria dos modelos de clima projeta transição para a neutralidade no verão | IRI/COLUMBIA UNIVERSITY

Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre de setembro a novembro, o trimestre da primavera, as probabilidades são de 77% de La Niña e 23% de probabilidade de neutralidade. Entre outubro a dezembro, 73% de La Niña e 26% de neutro. E entre novembro e janeiro, no período crítico para o milho, 67% de La Niña e 31% de neutralidade.

Probabilidades de La Niña, neutralidade e El Niño para os próximos trimestres | IRI/COLUMBIA UNIVERSITY

Já no trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidades são de 56% de La Niña e 40% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural. No trimestre de janeiro a março, importante para a cultura de soja, as probabilidades são de 42% de La Niña e 52% de neutralidade. Por sua vez, no trimestre de fevereiro a abril, a estimativa atual é de 26% de probabilidade de La Niña e 65% de neutralidade. Por fim, no trimestre de março a maio, que marca a colheita, 13% de La Niña, 73% de neutralidade e 14% de El Niño.

Mais uma safra com riscos

A La Niña foi responsável no último verão por uma estiagem que quebrou a safra agrícola nos três estados do Sul do Brasil e em parte do Mato Grosso do Sul com perdas de dezenas de bilhões de reais e uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola. No outono, trouxe uma estação mais fria do que a média e contribuiu para a mais intensa onda de frio em maio no Brasil Central desde 1977 com geada até no Sul da região amazônica e em Brasília. No Nordeste, foi fator para as chuvas extremas no litoral da região.

Embora a La Niña esteja no imaginário associada com seca no Sul do Brasil, o fenômeno costuma reduzir muito a chuva entre a segunda metade da primavera e o começo do outono na região. No final do outono, no inverno e começo da primavera, mesmo com La Niña, segue chovendo no Sul do país e muitas vezes com excessos que podem levar a cheias de rios e enchentes em algumas áreas, como 2022 demonstrou.

No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava a alertava enfaticamente muito meses antes que o evento de La Niña poderia trazer estiagem forte a severa, como ocorreu com perdas no milho e na soja durante o último verão com quebra significativa da safra em algumas regiões.

Projeção do North American Multi-Model Ensemble (NMME) de anomalia de chuva para o trimestre de plantio e crucial para o milho de outubro a dezembro de 2022 | METSUL

Novamente, em 2022, alertamos que grande parte da primavera e o começo do verão podem ter irregularidade maior de chuva com impacto na agricultura com risco acentuado para o milho. Com uma possível transição para neutralidade no verão, o risco de repetição de uma estiagem tão severa como a deste ano declina, assim os índices de produtividade da soja – que tem o seu maior período de demanda hídrica entre o fim de janeiro e o começo de março – devem ser melhores em 2023, apesar de um verão ainda de risco.

O que é La Niña

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante.

Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção. Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico.

Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña, como se viu no outono e neste inverno no Sul do Brasil.