O Rio Grande registrou neste primeiro dia de maio suas primeiras marcas abaixo de zero em estações meteorológicas no ano. Duas delas acusaram marcas negativas: Santa Rosa com -1,9ºC e o Vale da Vicentina (Farroupilha) com -0,4ºC. Já no Parque do Caracol, em Canela, a mínima cravou exato 0,0ºC. A temperatura de 1,5ºC às 6h da manhã era menor em Santa Rosa que em três bases polares argentinas na Antártida no mesmo horário: Orcadas (0,3ºC), Jubany (1,2ºC) e San Martín (2,4ºC). Em grande parte do interior gaúcho as mínimas de hoje ficaram abaixo dos 5ºC com geada na maioria das regiões. Em Porto Alegre, antes do aumento da nebulosidade do meio da madrugada, fez 6,9ºC na estação do Metroclima da Lomba do Pinheiro.

Se hoje o dia amanheceu gelado, ontem, último dia de abril, foi de frio excepcional no período da tarde. Uma das tardes mais geladas já registradas em abril com máxima de só 8,8ºC em São José dos Ausentes e que chegou a ter 13ºC em alguns bairros da Capital às 15h após pancadas de chuva. Moradores de Morro Grande, interior de São José dos Ausentes, relataram que às 10h da segunda-feira houve precipitação durante cerca de um minuto de grãos brancos de gelo (neve granular), apurou a MetSul Meteorologia. Um levantamento nosso indicou a queda de chuva congelada em Bento Gonçalves, Caxias do Sul, São Marcos, Alto Feliz, Canela, Capão Bonito do Sul, Ipê e Vacaria, além de São Joaquim em Santa Catarina. É possível que o fenômeno tenha ocorrido ainda em outros municípios dos Aparados e da Serra Gaúcha.


No caso da chuva congelada, que tem aparência semelhante a de um granizo miúdo, a precipitação deixa a nuvem como flocos de neve numa parcela gelada da atmosfera, mas passa por camada de ar intermediária mais quente, mas que por não ser suficientemente espessa apenas derrete parcialmente os flocos. Antes de alcançar a superfície, contudo, os flocos derretidos passam por uma nova camada de ar mais frio e estes voltam a congelar, precipitando-se na forma de gelo.

As condições eram, assim, muito propícias à ocorrência de precipitações invernais (neve ou chuva congelada) com ar gelado e temperatura negativa entre 1500 e 2000 metros de altitude, além da presença de um cavado (uma área de menor pressão atmosférica) sobre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. É um dos modelos clássicos para neve no Sul do Brasil: alta pressão continental e um cavado ou ciclone extratropical garantindo aporte de umidade. Observe na imagem de satélite e nas fotos como a nebulosidade era densa e de desenvolvimento vertical em vários pontos, condição perfeita para chuva congelada ou neve (imagens de Bruno Saraiva, Pedro Barth e Otávio Ruivo).


As imagens abaixo com a análise das 12Z de ontem do modelo americano GFS revelam uma incursão de ar gelado no nível de 850 hPa (1500 metros) com marcas ao redor de 0ºC. A sondagem por balão da base aérea de Santa Maria confirmou 0,6ºC a 1500 metros, 1,3ºC negativo a 1800 metros e 4,5ºC abaixo de zero a 2200 metros. O perfil vertical, por conseguinte, era bem gelado. A imagem de pressão em 300 hPa (altos níveis) indica que o cavado atuava não só em médios, mas também em altos níveis da atmosfera e que era bem pronunciado, garantindo a instabilidade.


O evento de chuva congelada de ontem e, talvez até de neve, é excepcional e muito raro para o mês de abril, afinal tratou-se do segundo registro mais precoce de precipitação invernal no Sul do Brasil, superado apenas pela neve dos dias 16 e 17 de abril de 1999.  A temperatura máxima na sede da empresa Climaterra, em São Joaquim, na segunda-feira de 7,7°C, aliás, só perdeu em abril para os 7,6°C registrados em 1999, quando nevou nos dias 16 e 17. O Morro da Igreja (1800 metros de altitude), em Santa Catarina, tinha às 15h temperatura igual à da base argentina na Antártida de Jubany. (Com apoio do meteorologista Luiz Fernando Nachtigall)