Anúncios

Toda temporada de furacões reaparece nas redes sociais e em conversas uma ideia que parece saída de um filme de ficção científica: por que não usar uma arma nuclear para destruir um furacão antes que ele atinja a costa? A pergunta surgiu ontem por um leitor da MetSul em nossa conta da rede social X diante da ameaça à Jamaica do poderoso furacão Melissa.

US GOVERNMENT

A sugestão é direta e visceral — explodir o problema longe da população —, mas esbarra em argumentos físicos, práticos e éticos que a transformam numa proposta impossível e potencialmente catastrófica.

Especialistas do Centro Nacional de Furacões (NHC) e meteorologistas como Chris Landsea da NOAA explicaram por que a alternativa não resiste a um exame sério em texto publicado pela agência de clima dos Estados Unidos.

O primeiro e mais imediato problema é humano e ambiental: a explosão liberaria material radioativo que as correntes de vento (alísios e ventos dominantes) carregariam rapidamente sobre áreas terrestres, contaminando ecossistemas, água e populações. Não apenas seria um crime ambiental — seria uma catástrofe humanitária e política.

Do ponto de vista físico, porém, a objeção vai ainda mais fundo. A energia térmica liberada por um furacão plenamente desenvolvido é colossal: entre 5 × 10¹³ e 2 × 10¹⁴ watts, com menos de 10% dessa energia convertida em energia mecânica (ventos).

Em termos comparativos usados pela própria comunidade científica, isso equivale — em taxa de liberação de calor — a uma bomba nuclear de 10 megatons explodindo a cada 20 minutos sob a tempestade. Para efeito de contexto, o consumo energético de toda a humanidade em 1990 era da ordem de 10¹³ watts — menos de 20% da potência térmica contínua liberada por uma única tempestade tropical madura.

Até a energia humana disponível é pequena perto disso, e pior: concentrar metade dessa energia num ponto remoto do oceano seria logisticamente impraticável. Mesmo se existisse a vontade, a tecnologia e o poder político para detonar dezenas (ou centenas) de cargas, o impacto mecânico de uma explosão é efêmero.

Ondas de choque se propagam relativamente rápido, mas não alteram de forma duradoura a pressão barométrica média — que depende do peso total da coluna de ar acima de um ponto. Para converter um furacão de categoria 5 em categoria 2 seria necessário “adicionar” cerca de 0,5 tonelada de ar por metro quadrado dentro de um olho de 20 km de raio — algo da ordem de meio bilhão de toneladas de ar deslocadas. Não há tecnologia prática que faça isso.

Além disso, um explosivo — mesmo nuclear — produz uma perturbação local de pressão que rapidamente se dissipa; não existe mecanismo por que essa perturbação transforme a dinâmica convectiva e o balanço de energia do ciclone por tempo suficiente para desintegrá-lo.

Além disso, atacar sistemas ainda frágeis, como ondas tropicais ou depressões, também não se mostra viável. São cerca de 80 distúrbios que surgem por ano no Atlântico; apenas cinco, em média, evoluem para furacões. Não há meios confiáveis de prever, de forma antecipada, quais destes sistemas vão evoluir — logo, uma campanha preventiva exigiria intervenção maciça e frequente, com custos energéticos e econômicos absurdos.

O debate não é apenas técnico — é ético e legal. Usar armamento nuclear em alto mar constituiria violação massiva de tratados e colocaria em risco populações civis por contaminação atmosférica e marítima. A resposta, portanto, não pode ser militar nem “bruta”: é coletiva e de mitigação.

Especialistas defendem, por consenso, caminhos conhecidos e comprovados: melhorar previsões e vigilância, reforçar códigos de construção nas áreas costeiras, investir em sistemas de alerta e resiliência, e financiar adaptações em países pobres que são os mais vulneráveis. Em vez de desperdiçar recursos imaginando armas atômicas, é muito mais eficaz e humano aprimorar infraestrutura, políticas de ocupação do litoral e educação pública sobre evacuação e preparo.

A MetSul Meteorologia está nos canais do WhatsApp. Inscreva-se aqui para ter acesso ao canal no aplicativo de mensagens e receber as previsões, alertas e informações sobre o que de mais importante ocorre no tempo e clima do Brasil e no mundo, com dados e informações exclusivos do nosso time de meteorologistas.

Anúncios