O mês de dezembro começa com o fenômeno El Niño apresentando intensidade muito forte no Oceano Pacífico Equatorial. O aquecimento das águas superficiais da região é o mais intenso desde o Super El Niño de 2015-216, embora não tão pronunciado com no episódio do fenômeno de sete anos atrás.
O último boletim semanal do estado do Pacífico da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), a agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, publicado nesta segunda-feira (4), indicou que a anomalia de temperatura da superfície do mar estava em 2,0ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Centro-Leste.
Esta região é a usada oficialmente na Meteorologia como referência para definir se há El Niño e ainda avaliar qual a sua intensidade. O valor positivo de 2,0ºC está na faixa de El Niño muito forte ou intenso (+2,0ºC a +2,5ºC), mas é inferior aos 2,1ºC de anomalia registrados na última semana.
A última vez em que o Pacífico Centro-Leste esteve tão quente foi em fevereiro e no começo de março de 2016, quando as anomalias de temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 estavam iguais ou acima de 2,0ºC, o que é muito pouco comum de ocorrer e se observa apenas em eventos de El Niño de grande intensidade.
O episódio atual do El Niño foi declarado pela NOAA no mês de junho. Desde então, o fenômeno seguiu se fortalecendo, embora períodos de estabilidade. Conforme dados do primeiro boletim semanal de junho, a anomalia do Pacífico Centro-Leste era de 0,9ºC. No início de julho, 1,0ºC. Já na primeira semana de agosto, 1,1ºC. No começo do mês de setembro, 1,6ºC. No primeiro boletim de outubro, 1,5ºC. E, no início de novembro, 1,8ºC.
Por que o Pacífico ficou mais quente nos últimos dias?
O aquecimento que se acentuou no final de outubro se deveu a ventos mais fortes de Oeste, um fenômeno chamado em Inglês de Westerly Wind Bust, na faixa equatorial, com águas mais quentes que foram levadas para o Pacífico Centro-Leste, favorecendo um maior aquecimento das águas superficiais e o rompimento da marca de 2,0ºC.
Este episódio de ventos mais intenso de Oeste já cessou, o que explica a anomalia da última semana ter sido menor que a anterior. Ocorre que modelos de previsão do tempo indicam outro evento de vento mais intenso de Oeste na altura da Linha Internacional da Data na segunda semana deste mês, o que, em tese, poderia levar a um novo pico de aquecimento.
O que é um Super El Niño
Não existe uma definição técnica de Super El Niño. A regra é considerar um El Niño fraco se as anomalias estão entre +0,5ºC e +0,9ºC no Pacífico Equatorial Centro-Leste, moderado entre +1ºC e +1,4ºC, forte de +1,5º a +2,0ºC e muito forte acima de +2ºC. Aí entra a questão do que é ou não um Super El Niño.
Na comunidade científica que se dedica a estudar o fenômeno ENOS (El Niño – Oscilação Sul) a opinião dominante é que o Pacífico atinge o patamar de um Super El Niño com anomalias de temperatura da superfície do mar acima de +2,0ºC na chamada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Centro-Leste.
Com base no índice ONI (Oceanic Niño Index), mantido pela NOAA, que é a referência para análise trimestral das condições do Pacífico com base nas anomalias da região Niño 3.4, a última vez em que houve um Super El Niño foi em 2015-2016.
Naquele evento, foram seis trimestres seguidos com anomalia de ao menos 2ºC, sendo o primeiro entre agosto e outubro de 2015 com 2,2ºC e o último janeiro a março de 2016 com 2,1ºC. O máximo trimestral foi 2,6ºC nos trimestres outubro a dezembro de 2015, novembro de 2015 a janeiro de 2016, e dezembro de 2015 a fevereiro de 2016.
No Super El Niño de 1997-1998 houve cinco semestres com anomalias acima de 2ºC, de agosto a outubro de 1997 a dezembro de 1997 a fevereiro de 1998. Os trimestres mais quentes tiveram anomalia de 2,4ºC, em outubro a dezembro de 1997 e novembro de 1997 a janeiro de 1998.
Já no Super El Niño de 1982-1983, o Pacífico Equatorial Centro-Leste esteve em patamar de Super El Niño, assim com anomalias trimestrais de 2ºC ou mais, em quatro trimestres: setembro a novembro de 1982 (2,0ºC); outubro a dezembro de 1982 (2,2ºC); novembro de 1982 a janeiro de 1983 (2,2ºC); e dezembro de 1982 a fevereiro de 1983.
Hoje, com uma anomalia de +2,0ºC, mesmo muito forte, o El Niño atual é menos intenso nesta data que nos dois episódios de Super El Niño recentes. No final de novembro, em 1997, a anomalia era de 2,3ºC. No fim de novembro de 2015, o registro era de 2,9ºC. O patamar de Super El Niño recém atingido, porém, não deve se sustentar por muito tempo, como em episódios anteriores do fenômeno.
Como o El Niño vai impactar você
O fato de o fenômeno ter superado anomalias de temperatura do mar de 2,0ºC e desta forma atingido marcas de Super El Niño, não significa que os fenômenos a partir de agora ficarão mais extremos com ainda mais chuva, seca ou ondas de calo, conforme a região do Brasil. Não há proporcionalidade linear entre as anomalias do Pacífico e o que ocorre de chuva ou temperatura como consequência do El Niño.
O que é certo é o prosseguimento das consequências do fenômeno que têm sido observadas nos últimos meses. No Norte e no Nordeste, as precipitações seguirão abaixo das médias históricas, embora a chuva aumente no Norte com o chamado inverno amazônico. Os déficits de chuva, porém, tendem a se agravar em parte do Nordeste.
No Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil, o sinal é misto na precipitação. Haverá áreas em que a chuva ficará acima da média e muitas outras abaixo, não se observando um padrão regional. As ondas de calor mais fortes no Centro do Brasil tendem a ocorrer durante a primavera, pelo clima mais seco, mas será um verão com temperatura acima a muito acima do normal. O Rio de Janeiro, em particular, pode ter novos extremos de calor.
No Sul, a tendência é a chuva seguir acima da média principalmente no Rio Grande do Sul e em parte de Santa Catarina. O verão será mais quente do que a média e, como maior umidade, a estação será mais abafada do que o habitual e com maior risco de temporais de fim de tarde e começo de noite pelo calor excessivo e úmido.
Entenda o El Niño
Um evento de El Niño ocorre quando as águas da superfície do Pacífico Equatorial se tornam mais quente do que a média e os ventos de Leste sopram mais fracos do que o normal na região. A condição oposta é chamada de La Niña. Durante esta fase, a água está mais fria que o normal e os ventos de Leste são mais fortes. Os episódios de El Niño, normalmente, ocorrem a cada 3 a 5 anos.
El Niño, La Niña e neutralidade trazem consequências para pessoas e ecossistemas em todo o mundo. As interações entre o oceano e a atmosfera alteram o clima em todo o planeta e podem resultar em tempestades severas ou clima ameno, seca ou inundações. Tais alterações no clima podem produzir resultados secundários que influenciam a oferta e os preços de alimentos, incêndios florestais e ainda criam consequências econômicas e políticas adicionais. Fomes e conflitos políticos podem resultar dessas condições ambientais mais extremas.
Ecossistemas e comunidades humanas podem ser afetados positiva ou negativamente. No Sul do Brasil, La Niña aumenta o risco de estiagem enquanto El Niño agrava a ameaça de chuva excessiva com enchentes. Historicamente, as melhores safras agrícolas no Sul do país se dão com El Niño, embora nem sempre, e as perdas de produtividade tendem a ser maiores sob La Niña. O El Niño agrava o risco de seca no Norte e no Nordeste do Brasil enquanto La Niña traz mais chuva para estas regiões.
A origem do nome “El Niño” data de 1800, quando pescadores na costa do Pacífico da América do Sul notavam que uma corrente oceânica quente aparecia a cada poucos anos. A captura de peixes caía drasticamente na região, afetando negativamente o abastecimento de alimentos e a subsistência das comunidades costeiras do Peru. A água mais quente no litoral coincidia com a época do Natal.
Referindo-se ao nascimento de Cristo, os pescadores peruanos, então, chamaram as águas quentes do oceano de El Niño, que significa “o menino” em espanhol. A pesca nesta região é melhor durante os anos de La Niña, quando a ressurgência da água fria do oceano traz nutrientes ricos vindos do oceano profundo, resultando em um aumento no número de peixes capturados.
O último episódio de El Niño se deu entre 2015 e 2016 e foi de muito forte intensidade, o que rendeu a expressão Super El Niño e o apelido de “El Niño Godzilla”. Este evento foi responsável por grandes enchentes no Sul do Brasil e alguns dos maiores picos de cheia do Lago Guaíba, em Porto Alegre, desde 1941.
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