O aquecimento das águas do Pacífico Equatorial na chamada região Niño 1+2, junto aos litorais do Peru e do Equador, é tão extremo que nos últimos cinquenta anos somente se observou no mês de abril com tamanha intensidade em três anos: 1983 e 1998. Coincidentemente, os dois anos foram de Super El Niño na sua forma clássica ou canônica. Trata-se por ora de um evento de El Niño costeiro.

De acordo com o último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 0,0ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na neutralidade absoluta da faixa neutra de -0,4ºC a +0,4ºC.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, onde ocorre o chamado El Niño costeiro, estava com anomalia de +2,7ºC, em nível de El Niño costeiro intenso.

Para se ter ideia do que representa esta anomalia positiva de 2,7ºC, a última vez em que a temperatura das águas desta parte do Pacífico esteve tão acima da média pela estatística semanal da NOAA foi na semana de 15 de julho de 2015, no Super El Niño que se instalou naquele ano.

Este é o valor médio da área Niño 1+2, mas existem pontos dos litorais do Peru e do Equador em que a temperatura da superfície do mar está perto de 29ºC, ou seja, até 7ºC a 8ºC acima do normal para esta época do ano.

Atente para as duas informações relevantes. Um, a anomalia na região Niño 1+2 hoje é a mais alta desde julho de 2015, ano de Super El Niño. Dois, os litorais do Peru e do Equador só estiveram com o oceano tão aquecido em abril como agora em 1983 e 1998. Os anos de 1983, 1998 e 2015 são exatamente os três anos de Super El Niño.

Esse Super El Niño costeiro significa que vem um Super El Niño na sua forma clássica mais tarde neste ano? Modelos de clima a cada atualização intensificam o El Niño canônico ou clássico previsto para a segunda metade de 2023 e a maioria já indica um evento forte. Alguns apontam um Super El Niño, mas projeções nesta época do ano não raro superestimam a intensidade do aquecimento e, por isso, as previsões ainda são vistas com cautela.

O período de março a junho é conhecido como “barreira de previsibilidade”, mas que não necessariamente impede se faça previsões de médio e longo prazo. O que ocorre?  Após a primavera (Hemisfério Norte) ou outono (Sul) a capacidade de previsão dos modelos torna-se cada vez melhor. A habilidade dos modelos melhora quanto mais se aproxima do período de tempo que está se prevendo. Se você quer saber se vai chover, geralmente é melhor usar uma previsão no dia anterior do que uma semana antes. O mesmo se aplica às perspectivas climáticas sazonais e ao El Niño.

Se a tendência histórica se repetir e este comportamento de agora semelhante ou igual a 1983, 1998 e 2015 for um sinal do que está vindo, teremos muitos problemas em consequência do clima nos próximos meses no Sul do Brasil. Todos estes três episódios de Super El Niño causaram enormes impactos no Centro e Nordeste da Argentina, Uruguai, Paraguai e o Sul do Brasil com chuva muito excessiva e grandes enchentes, além de frequentes e severos temporais.

Super El Niño costeiro, mas ainda sem El Niño clássico

Oficialmente, o Oceano Pacífico está no momento em neutralidade porque o que determina se há um evento típico de El Niño ou La Niña é a temperatura média no Oceano Pacífico Equatorial Central, na denominada região Niño 3,4. O que se registra neste momento é um evento de El Niño costeiro, que é diferente do El Niño clássico, com o aquecimento limitado aos litorais do Peru e do Equador, na região Niño 1+2.

O El Niño costeiro é ​ evento oceânico-atmosférico com aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, afetando mais Peru, Equador e às vezes o Chile. É fenômeno local que não repercute em todo o clima mundial, diferentemente do El Niño clássico que está vindo nos próximos meses e tem o aquecimento mais amplo no Pacífico Equatorial Centro-Leste, com impactos globais. O El Niño costeiro atual, em andamento, chega a superar o último de 2017 que foi intenso.

Uma vez que tanto o El Niño de impacto global como o El Niño costeiro se dão em seu litoral, o Peru sofre muito com o aquecimento anômalo das águas em sua costa. Por esta razão, os dois fenômenos causam muita apreensão entre os peruanos.

O intenso El Niño costeiro de 2017 trouxe o maior desastre na região desde o El Niño poderoso de 1997 e 1998. As chuvas se intensificaram a partir do final de janeiro de 2017 e seu maior impacto foi no final de março, durando até abril. No Peru, foram registrados 101 mortos, 353 feridos, 19 desaparecidos, 141 mil desabrigados e quase um milhão de afetados. O Equador teve 16 mortes.

TYPE/GOVERNO DO PERU

TYPE/GOVERNO DO PERU

Este evento de El Niño costeiro de 2023 teve seu gatilho um evento da Oscilação de Madden-Julian, uma oscilação associada à instabilidade que circunda o globo pelos trópicos a cada 30 a 60 dias, que teve a maior magnitude na fase 8 (do Hemisfério Ocidental) em décadas. Os valores diários de amplitude da OMJ entre os dias 8 e 12 de março foram os mais altos já observados, somente perdendo para 16 e 17 de março de 2015, precedendo o Super El Niño daquele ano.

Ademais, houve um evento chamado de Westerly Wind Burst (WWB), ou numa tradução livre de Estouro de Vento de Oeste, que colaborou para que águas mais quentes atingissem a superfície do oceano, gerando o súbito e acelerado aquecimento do mar na costa peruana. Este tipo de ocorrência (WWB) costuma ser a largada de episódios de El Niño na sua forma clássica e de repercussão global.

Um “estouro de vento de Oeste” é um fenômeno comumente associado a eventos de El Niño, em que os típicos ventos alísios de Leste a Oeste ao longo do Pacífico equatorial mudam para Oeste a Leste. A literatura define como ventos sustentados de ao menos 25 km/h de Oeste durante período de 5 a 20 dias.

O Centro de Previsão Climática da NOAA elevou a probabilidade de instalação de um evento do fenômeno El Niño clássico nos próximos meses no Oceano Pacífico Equatorial. Um episódio de El Niño costeiro já está em andamento nos litorais do Peru e do Equador, trazendo chuva excessiva, inundações, deslizamentos de terra e cheias de rios nos países.

De acordo com a análise de probabilidades da NOAA, a probabilidade de El Niño supera 60% já no trimestre de maio a julho, ou seja, o fenômeno se instalaria entre o final do outono e o início do inverno. A probabilidade de El Niño aumenta para cerca de 75% no trimestre de inverno meridional de junho a agosto.

A projeção do Centro de Previsão Climática da NOAA coloca probabilidades ainda mais altas de El Niño no final do inverno e durante a próxima primavera. Para o trimestre da primavera climática de setembro a novembro, a probabilidade estimada de atuação do fenômeno El Niño é de mais de 80% e para o final do ano, no trimestre de novembro de 2023 a janeiro de 2024, a estimativa é de quase 90%.

Peru e Equador sofrem muito com El Niño costeiro

As águas excepcionalmente quentes desempenharam um papel importante na energização de chuvas intensas em terra, com o Norte do Peru, Equador e partes do Oeste do Norte do Brasil recebendo fortes chuvas e frequentes desde meados de março. As chuvas se tornaram especialmente intensas depois que o aumento da temperatura do oceano ajudou a alimentar o ciclone tropical Yaku, que bombeou ainda mais chuva para a região normalmente seca. A tempestade, o primeiro ciclone tropical a atingir a área em décadas, foi desorganizada e não tinha um olho, mas despejou uma quantidade recorde de chuva no semiárido Norte do Peru em 9 de março.

NASA

As temperaturas altíssimas da superfície do mar coincidiram com a parte do ano em que o Peru normalmente vê as temperaturas mais altas da água no mar. Isso elevou as temperaturas da superfície do mar acima de 28°C, acelerando a evaporação, e tornando o ar mais úmido e alimentando a formação de altas nuvens convectivas que produzem chuvas torrenciais e tempestades. A situação é semelhante a 2017, a última vez que um El Niño costeiro inundou a região com chuva.

No Peru, as chuvas das últimas semanas já deixaram 70 mortos e afetaram centenas de milhares de pessoas por inundações e deslizamentos (huaicos). Piura é uma das regiões mais afetadas. Intensas tempestades elétricas acompanham a chuva. “Pode ser viés de memória, mas me parece mais intenso que alguns dias de 2017 e comparável a alguns de 1998. Nossa região sofre”, escreveu um internauta.

Vista aérea da zona afetada por um deslizamento de terra em Alausi, Equador, em 28 de março. O deslizamento de terra soterrou dezenas de casas na província de Chimborazo, cerca de 300 quilômetros ao Sul de Quito. | MARCOS PIN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Foto aérea de um deslizamento de terra em Alausi, em 27 de março de 2023, causado por chuva extrema na região associada ao El Niño costeiro | MARCOS PIN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Moradores removem pedras e terra do deslizamento de terra em Alausi, em 28 de março. Foram dias de buscas por dezenas de desaparecidos sob lama e rochas | MARCOS PIN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Residentes do bairro Nueva Unidad Sur caminham em uma rua inundada após fortes chuvas em Milagro, Equador, em 12 de março de 2023 | ENRIQUE ORTIZ/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Equador sofre com enchentes por conta das chuvas extremas trazidas pelo aquecimento intenso do litoral pelo El Niño costeiro | ENRIQUE ORTIZ/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Foto aérea mostrando o caminho de destruição deixado por um deslizamento de terra (huaico) causado por fortes chuvas na província de Camaná, a Oeste de Arequipa, no Sul do Peru, em 8 de fevereiro. | DIEGO RAMOS/POLICIA DO PERU/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Pessoas observam junto a sacos de areia enquanto a água inunda a principal estrada de acesso de Lima ao interior do país nos Andes após fortes chuvas em Chaclacayo, Leste de Lima, Peru, em 15 de março de 2023 | CRIS BOURONCLE/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Equador enfrenta a pior temporada de chuva dos últimos 15 anos, informou a Secretaria Geral de Comunicação da Presidência. Mais da metade do território está em estado de emergência. A Secretaria Nacional de Gestão de Riscos (SNGR) registrou 23 mortes devido aos temporais. As chuvas também atingiram 52.000 pessoas e destruíram inúmeras casas, hospitais, escolas e rodovias. Somam-se 30 mortos e 58 desaparecidos em um deslizamento de terra ocorrido no último 26 de março na localidade andina de Alausí.

As províncias de Manabí, Guayas, Los Ríos, Santa Elena, El Oro e Cotopaxi registraram maiores danos”, explicou a Segcom. No começo de março, o porto de Guayaquil, capital da província de Guayas, enfrentou uma quantidade de chuva equivalente a 7.000 piscinas olímpicas. A secretaria acrescentou que o Ministério das Finanças prevê destinar aproximadamente 200 milhões de dólares para responder aos danos ocasionados pelas chuvas. Em fevereiro, as fortes chuvas obrigaram a suspensão do bombeamento de petróleo por cinco dias, devido a um oleoduto estar em perigo por causa da queda de uma ponte.