Forte resfriamento das águas superficiais nos litorais do Alasca e do Oeste do Canadá acompanha o tombo da Oscilação Decadal do Pacífico | NOAA

A Oscilação Decadal do Pacífico (PDO na sigla em Inglês) atingiu em outubro o seu menor valor desde 1955. Esta é uma das variáveis climáticas mais importantes que é monitorada no clima pelos impactos que traz na chuva e na temperatura em diferentes partes do mundo, favorecendo, por exemplo, estações mais secas ou chuvosas assim como períodos mais quentes ou frios que repercutem nas médias globais de temperatura.

Existem diferentes séries históricas de acompanhamento da oscilação, sendo as duas mais usadas a da Universidade de Washington (EUA) e da NOAA, a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera do governo norte-americano. O menor valor da PDO desde 1955 que foi observado em outubro consta da série histórica da agência climática oficial dos Estados Unidos.

De acordo com a base de dados da NOAA, o valor da Oscilação Decadal do Pacífico registrado em outubro foi de -3,06 após um setembro com valor já muito baixo de -1,98. A última vez que a PDO apresentou um período de índices muito baixos (inferiores a -2) tinha sido entre 2010 e 2012 com o menor valor de -2,99 em setembro de 2012.

O registro de -3,06 em outubro de 2021 foi o primeiro na casa de -3 desde a década de 1950, no caso o menor valor desde outubro de 1955, quando o mês terminou com a PDO em -3,35. Valores abaixo de -3 foram observados ainda em 1950 com -3,19 em maio e -3,65 em julho. Em 1949, a PDO esteve em -3,17 em fevereiro. Em julho de 1933, o índice esteve em -3,32. E todas as ocorrências anteriores são do século 19 com registros em 1859, 1880, 1882 e 1892. O menor valor observado na série histórica da NOAA foi de -3,65 em abril de 1859 e julho de 1950.

O que é a Oscilação Decadal do Pacífico?

A Oscilação Decadal do Pacífico (PDO) é frequentemente descrita como um padrão de longa duração semelhante ao ciclo de variabilidade climática do Pacífico de El Niño e La Niña. Os extremos no padrão da PDO são marcados por variações generalizadas na bacia do Pacífico. Paralelamente aos fenômenos Niño e Niña, as fases extremas do PDO são classificadas como quentes ou frias.

Nas décadas de 1940 a 1970, foram feitos vários estudos sobre variações interdecadais, buscando relacionar à produção de salmão na região costeira do Alasca. Na década de 1990, os estudos tiveram como foco a variabilidade oceânica que posteriormente caracterizaram as fases quentes e frias no Norte do Oceano Pacífico com a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) ou, em inglês, Pacific Decadal Oscillation (PDO).

A descoberta se deu a partir de trabalhos feitos sobre a variação da população de peixes em áreas ao Norte do Pacífico. A oscilação tem características cíclicas e está ligada diretamente a transformações climáticas do planeta. Há semelhanças com os eventos de El Niño (aquecimento das águas da região equatorial do Oceano Pacífico) e La Niña (resfriamento das águas da região equatorial do Oceano Pacífico), pois também está ligado à variação da temperatura das águas do oceano.

A diferença da PDO em relação aos fenômenos de El Niño e La Niña está na escala de tempo. A oscilação decadal tem variações climáticas que podem durar de 20 a 30 anos enquanto o El Niño/Oscilação Sul (ENSO), os fenômenos Niño e Niña, possui variações que duram na ordem de 6 a 18 meses.

Na PDO existem duas fases que são definidas pelas anomalias da temperatura da superfície do Mar (TSM) nas regiões Nordeste e tropical do Oceano Pacífico. Uma positiva e outra negativa. A positiva (fase quente), ocorre quando há anomalias positivas da TSM no Pacífico tropical e negativas na região extratropical do Pacífico.  A negativa (fase fria) é quando ocorrem anomalias negativas da TSM na região tropical do Pacífico e positivas em áreas extratropicais do oceano.

As mudanças nas fases podem ter influências ligada ao clima da Terra, como na atividade de ciclones, alteração das correntes de jatos, secas, enchentes e mudanças nos padrões de temperatura do ar.

A influência da PDO no Brasil

Há muitas pesquisas sobre a Oscilação Decadal do Pacífico que demostram, por exemplo, a influência das fases positiva e negativa sobre variáveis de precipitação e de temperatura do ar em diversas regiões do Brasil e também no Rio Grande do Sul.

Os efeitos da fase positiva da PDO têm como característica o aumento da ocorrência e da intensidade do El Niño e consequência uma diminuição do La Niña. Com isso, há forte influência no Brasil. De forma mais regional, durante a fase positiva da PDO, a região Nordeste tende a registrar uma frequência maior de anos com índices pluviométricos abaixo da média e com temperaturas superiores à média climatológica, enquanto na região Sul os invernos são menos rigorosos e ocorre maior frequência de enchentes.

Os efeitos da fase negativa da PDO têm como característica o aumento da ocorrência e intensidade da La Niña em detrimento da diminuição da ocorrência e intensidade do El Niño. No Brasil, fases negativas da PDO tendem a trazer no Nordeste brasileiro períodos mais chuvosos e úmidos ao passo que no Sul do país há maior frequência de períodos de estiagem, principalmente no verão.

Estudos científicos sobre a Oscilação Decadal do Pacífico buscaram correlacionar os efeitos de cada fase do fenômeno com a precipitação no Rio Grande do Sul. A constatação foi que a maior frequência do total anual de precipitação acima do normal climatológica está associada à fase positiva (fase quente) da PDO. Por outro lado, a maior frequência do total anual de precipitação abaixo da normal climatológica está diretamente ligada a fase negativa (fase fria) da oscilação.

Nereu Streck et al em ”Associação da variabilidade da precipitação pluvial em Santa Maria com a Oscilação Decadal do Pacífico” fez um exame da chuva em escalas nível anual, semestral (primeiro e segundo semestre), sazonal (verão, outono, inverno e primavera) e mensal na cidade de Santa Maria que, pela sua localização no Centro do Rio Grande do Sul, acaba sendo um referencial para o estado gaúcho.

Os autores concluíram haver uma alta correlação entre as fases positiva e negativa da Oscilação Decadal do Pacífico e os registros de precipitação. O estudo apontou que “existe associação entre a chuva e a PDO, de modo que décadas com chuvas acima do normal são associadas à fase quente da PDO, intercaladas com décadas com chuva abaixo da normal associadas à fase fria da PDO, o que indica oscilações periódicas de médio e longo prazo na precipitação pluvial”.

No caso do Rio Grande do Sul, em estudo mais abrangente e que levou em conta dados de precipitação de diversas estações e regiões mostrou que os impactos da PDO não são homogêneos no estado gaúcho. Em “Variação da água armazenada em algumas localidades do Rio Grande do Sul nas duas últimas fases da ODP”, de 2013, os autores Júlio Marques, Marlom Dutra e Gilberto Diniz identificaram quais regiões gaúchas tendem a ser mais impactadas por déficit e excesso de chuva.

Sob a fase fria, há maior frequência de deficiência hídrica ao passo que na fase quente há maior ocorrência de excessos, identificaram os autores ao analisar o clima gaúcho. Os resultados encontrados também mostraram que existem diferenças espaciais no território gaúcho. O Litoral Sul e a Campanha são as áreas mais vulneráveis à deficiência hídrica na fase negativa da PDO enquanto a região da Serra do Nordeste apresentou menor frequência de deficiência, independentemente das fases do Índice da oscilação, concluíram.

Elaiz Aparecida Mensch Buffon e Andrey Luis Binda em “Variabilidade do regime pluvial em Abelardo Luz (SC) no período 1958 a 2008: interações entre mecanismos de teleconexão decadal e interanual” identificaram um padrão de décadas mais chuvosas e com mais enchentes no município catarinense e décadas menos chuvosas e com mais estiagens durante a fase negativa da oscilação.

Os autores do estudo sobre o município catarinense em seu trabalho resumem uma série de outros trabalhos que chegaram à conclusão semelhante ou idêntica em outros pontos do Sul do Brasil. Sanches et al. (2012), por exemplo, em “Análise das chuvas mensais em Alegrete (RS) no período de 1928-2009: um estudo de tendência” identificou que tendências negativas e positivas não são necessariamente decorrentes de mudanças climáticas, mas sim de um ciclo do próprio sistema.

Já Nascimento Júnior (2011), em “As chuvas no Paraná: variabilidade interanual e decadal”, verificou um padrão de variabilidade decadal na precipitação de São Miguel do Iguaçu (PR), Foz do Iguaçu (PR) e Quedas do Iguaçu (PR) que pode ser correlacionado com o padrão da PDO de variabilidade decadal, embora não se prende rigidamente a fases. Prestes (2011), por sua vez, no estudo “Relações entre a Oscilação Decadal do Pacífico e a variabilidade da precipitação e Bagé” concluiu que a precipitação em Bagé (RS) apresentou influências da Oscilação Decadal do Pacífico com destaque para a fase fria (PDO-).

Desde outubro de 2019, todos os meses tiveram valores negativos da PDO no Pacífico, exceto o mês de dezembro de 2019 que terminou com 0,0. Neste período de dois anos, com a PDO permanentemente negativa, dois episódios de La Niña se instalaram. O primeiro entre a primavera de 2020 e o outono de 2021, e o mais recente que teve início ne metade de outubro de 2021 e se projeta deve durar até o outono de 2022.