Moradores do Sul do estado norte-americano da Califórnia viram maravilhados cair neve em muitos locais em que não nevava há décadas na sexta-feira e durante o fim de semana. Foi a primeira tempestade de inverno em uma geração a atingir a região de Los Angeles com postais de inverno e transtornos pela neve que grandes cidades dom Nordeste dos Estados Unidos ainda não viram neste inverno que é de pouca neve na costa do outro lado do país.
Apresentadores da previsão do tempo em canais de televisão do Sul da Califórnia acostumados a anunciar quase que diariamente sol e temperaturas amenas ou calor, viram-se com neve até os joelhos em algumas regiões devido à pior tempestade em décadas.
Por causa do gelo e da neve, autoridades fecharam algumas das principais artérias rodoviárias, incluindo partes da Interestadual 5, que vai de Norte a Sul e liga o Canadá, os Estados Unidos e o México. Não há previsão de reabertura.
As redes sociais foram tomadas por fotos de neve em jardins e ruas, graças aos milhares de moradores da região do Sul da Califórnia que estavam espantados com gelo e flocos caindo em suas propriedades. Muitos jamais tinham visto precipitação invernal em suas vidas.
O Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS) emitiu o seu primeiro alerta de nevasca desde 1989 para a área de Los Angeles. Em San Diego, mais ao Sul, quase na fronteira com a cidade mexicana de Tijuana, foi o primeiro aviso de nevasca para áreas de maior altitude jamais emitido pelo escritório local do NWS.
Mark Neal disse à KPIX-TV que acordou na manhã de sexta-feira para ver 30,4 centímetros de neve, mais do que ele viu em mais de 40 anos, e dezenas de seus carvalhos quebrados ao meio. “É praticamente um campo de batalha se você olhar para ele. Alguns deles têm mais de 200 anos”, disse ele. Felizmente, as vinhas estavam adormecidas com segurança.
O evento foi tão excepcional em intensidade de frio e neve que o Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos confirmou ter nevado no letreiro de Hollywood, no Monte Lee, na região da cidade de Los Angeles. É uma elevação pequena e, por isso, nevar naquele local é muitíssimo raro, diferente das grandes montanhas no horizonte da cidade de LA que recebem neve habitualmente no inverno.
A queda de neve se estendeu ainda a elevações extraordinariamente baixas no Norte da Califórnia, onde também é pouco comum nevar. Os vinhedos de Napa Valley, a principal área produtora de vinhos dos Estados Unidos, ficaram cobertos pela neve.
Alguns meteorologistas em Los Angeles testemunharam neve com trovoadas (thundersnow), informou o jornal Los Angeles Times. O fenômeno que combina raios e queda de neve às vezes acompanha intensas tempestades de inverno. É pouco comum mesmo nos locais onde nevar é bastante normal e muito mais raro no Sul da Califórnia.
O NWS pelo seu escritório de Los Angeles advertiu que a incrível quantidade de neve nas montanhas trouxe condições extremas de avalanche ao longo de terrenos mais íngremes e em altitudes mais baixas do que normalmente se observa no Sul da Califórnia.
O que trouxe a grande nevada na Califórnia observou o mesmo padrão de grandes nevadas no Sul do Brasil. Houve uma incursão de ar muito gelado e na costa atuava um poderoso ciclone extratropical, gerando muita instabilidade e nuvens de grande desenvolvimento vertical que, com o ar gélido, foi responsável por pancadas intensas de neve com acumulação em minutos. O perfil vertical mais seco pela circulação ciclônica garantiu que neve e gelo pudessem cair em áreas quase ao nível do mar.
A história da neve em Los Angeles
A neve na região de Los Angeles (onde a elevação varia do nível do mar até cerca de 400 metros nas zonas em que a maioria da população vive) é bastante rara. As temperaturas médias na região normalmente não caem abaixo de 10ºC e, menos comumente, atingem valores ao redor de 0ºC ou negativas.
No entanto, a região coleciona alguns eventos de neve. Em 17 de janeiro de 2007, por exemplo, uma camada fina e rara de neve caiu na área de Malibu e no Oeste de Los Angeles. A maioria das estações meteorológicas ao redor do condado de Los Angeles, em raras ocasiões, relatou pelo menos alguns vestígios de neve.
O National Weather Service coleta os dados meteorológicos da área no Centro de Los Angeles, no Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX) e em Long Beach. Esses locais raramente apresentam neve. Ocorre que a neve cai anualmente nas montanhas de San Gabriel, no condado de Los Angeles, e até mesmo, ocasionalmente, no sopé das montanhas. Mais ou menos como se vê em Santiago do Chile.
A comunidade de Altadena, por exemplo, fica a cerca de 400 metros acima do nível do mar e experimenta flocos de neve cerca de uma vez por década e quantidades mensuráveis cerca de uma vez a cada duas décadas.
As montanhas no condado de Los Angeles podem ter neve até 2 mil metros já no final de outubro e, no início de dezembro, até mil metros. Em meados de abril, a neve raramente é encontrada nas montanhas do condado de Los Angeles abaixo de 2 mil metros, mas ainda pode permanecer em alguns dos picos mais altos no meio do verão.
Sempre que a neve cai em cotas baixas e perto do nível do mar, como foi no fim de semana., é um grande evento. Mesmo poucos flocos geram furor nas pessoas. Mas uma cobertura decente de neve, que branqueie a paisagem perto do nível do mar, é extremamente incomum.
Janeiro de 1949 foi o grande evento documentado de neve na região de Los Angeles. Pasadena teve cerca de 8 centímetros de acumulação. Assim como em Van Nuys. Burbank viu vários centímetros de neve naquele ano. Mesmo o Centro de Los Angeles não foi poupado do tempo de inverno anormalmente frio em 149, com queda de neve. O ano de 1957 foi outro com expressiva nevada na região.
O histórico de neve em cotas baixas traz uma nota para 16 de dezembro de 1987: “A neve caiu por dois minutos na praia de Malibu.” Também observou, no dia seguinte: “A Disneylândia foi fechada devido ao mau tempo apenas pela segunda vez em 24 anos”. Em 1991, o aeroporto LAX registrou alguns poucos flocos.
Condições de inverno semelhantes ocorreram em 1989, a primeira e única outra vez em que o serviço meteorológico emitiu um aviso de nevasca na área de Los Angeles. Essa tempestade trouxe até 12 centímetros de neve em partes dos vales de San Fernando e Simi, e a neve foi relatada “das encostas de Malibu às ruas de Palm Springs”, informou o Los Angeles Times na época.
Um sinal para o nosso inverno?
O que ocorre na Califórnia sempre exige atenção de quem faz previsão no Sul do Brasil. Isso porque o clima de lá responde aos fenômenos El Niño e La Niña de forma muito parecida com o Sul do Brasil. La Niña traz seca aqui e lá assim como El Niño costuma gerar mais chuva. Este ano, ao contrário, a Califórnia enfrenta um inverno excessivamente chuvoso após muito anos secos, quando pela presença da La Niña a regra seria ter pouca chuva.
Os modelos têm sido consistentes em indicar um inverno de temperatura predominantemente acima da média no Sul do Brasil, o que não impede que ocorram eventos extremos de frio e até de neve. Uma das maiores nevadas da história gaúcha, em agosto de 1965, se deu em inverno que esteve longe de ser rigoroso e com El Niño forte no Pacífico.
Está longe de ser um cenário definitivo, mas com a perspectiva de instalação de um evento de El Niño ou ao menos neutralidade quente, as chances são maiores de uma estação com temperatura acima da média do que abaixo. O que pode ocorrer, e aí repetiria o padrão dos Estados Unidos e da Califórnia, é um inverno com temperatura acima da média com um ou dois eventos pontuais de frio muito intenso.
Outra marca deste inverno norte-americano que pode se replicar é o aspecto tempestuoso. Aqui, o risco seria maior frequência de episódios de tempo severo que nos últimos anos (vendavais, granizo e tornados) e a possibilidade aumentada de ciclogênese nas latitudes médias do Atlântico Sul. Justamente a formação de ciclones poderia incrementar a possibilidade de eventos de neve na presença de massas de ar frio.
O ano da grande nevada em Los Angeles, em 1949, não foi de muita neve no Sul do Brasil, mas nevou cedo. Os primeiros flocos caíram ainda na segunda semana de maio. Já 1957, outro ano em que o Sul da Califórnia teve forte nevada, foi marcado por um evento com quantidade de neve enorme entre o Nordeste gaúcho e o Planalto Sul Catarinense que resultou em grandes acumulações locais. Em 1989, última vez que a região de Los Angeles anotou neve expressiva, nevou no Sul do Brasil sem maiores dimensões.