A primavera que tem nesta sexta-feira o seu primeiro dia será muito incomum e rara ante a condição no Oceano Pacífico. Trata-se da terceira primavera seguida com a atuação do fenômeno La Niña no Pacífico Equatorial, condição raramente observada na estatística histórica dos últimos setenta anos e com apenas dois precedentes na série histórica da NOAA desde 1950.

A La Niña foi diretamente responsável pela grande quebra da safra no último verão nos três estados do Sul do Brasil e no Mato Grosso do Sul, onde as perdas agrícolas atingiram dezenas de bilhões de reais nos cálculos mais otimistas com perda gigantesca de produtividade em soja e milho. Uma brutal onda de calor, favorecida pela estiagem, agravou ainda mais as perdas.

O outono deste ano teve a La Niña com maior intensidade na estação desde 1950. Conforme a NOAA, a agência climática dos Estados Unidos, o índice que mede a intensidade de La Niña e El Niño em escala trimestral chamado de ONI (Oceanic Niño Index) teve valor de -1,1ºC no trimestre de outono (primavera no Hemisfério Norte). A última vez que se viu um valor tão ou mais baixo no trimestre foi no ano de 1950 com -1,2ºC.

No trimestre seguinte, de maio a julho, a La Niña enfraqueceu e atingiu um valor médio para os três meses de anomalia no Pacífico Equatorial Central de -0,9ºC. No começo de julho, segundo os dados semanais, a anomalia chegou a -0,5ºC, ou seja, no limite entra La Niña e neutralidade, mas na segunda metade de julho e em agosto o resfriamento voltou a se acentuar na área central do Pacífico.

Todos os dados dos modelos climáticos principais e mais usados em Meteorologia indicam que a La Niña vai persistir ao longo de toda a estação, perdurando até o fim de 2022 ou o começo de 2023. Isso fará com que o trimestre da primavera climática, ou seja, de setembro ao mês de novembro, tenha anomalia de temperatura no Pacífico Equatorial Central em patamar de La Niña.

Em toda a série histórica do Oceanic Niño Index (ONI), somente em dois triênios se observou três primaveras seguidas sob a influência da La Niña. Desde 1950, apenas as sequências de anos de 1973 a 1975 e 1998 a 2000 tiveram ONI com valores de La Niña por três anos consecutivos no trimestre SON (setembro a novembro), o da primavera climática.

Na primeira série de três anos seguidos de La Niña na estação, o ONI no trimestre foi de -1,7 em 1973, -0,6ºC em 1974 e -1,7 em 1975. Já na segunda, índices ONI de -1,4 em 1998, -1,3ºC em 1999 e -0,6ºC em 2000. Por fim, na atual série, -1,2ºC em 2020 e -0,8ºC em 2021, aguardando-se o dado do trimestre de 2022 que será conhecido no final deste ano.

O Oceanic Niño Index (ONI) é o principal indicador da NOAA para monitorar a parte oceânica do padrão climático sazonal chamado El Niño-Oscilação Sul, em outras palavras o El Niño e a La Niña. A parte atmosférica é monitorada com o Índice de Oscilação Sul. O ONI, explica a NOAA, monitora as temperaturas médias da superfície do mar em três meses no Pacífico Centro-Leste entre 120°W-170°W, perto da Linha Internacional de Data, e se elas são mais quentes ou mais frio do que a média.

A NOAA considera que as condições do El Niño estão presentes no oceano quando o ONI naquela área, conhecida como região Niño 3.4, é +0,5ºC ou superior que a média. As condições oceânicas de La Niña existem quando o ONI é -0,5ºC ou inferior. O padrão El Niño-Oscilação Sul é sazonal, não algo que muda a cada dia ou de semana para semana.

Para calcular o ONI, cientistas do Centro de Previsão Climática da NOAA calculam a temperatura média da superfície do mar na região de Niño 3,4 para cada mês, usando medições oceânicas de uma variedade de fontes, incluindo flutuadores autônomos, boias ancoradas e dados de navios. A agência climática combina as observações numa única média mensal e, em seguida, calcula a média com os valores dos meses anteriores e seguintes.

Essa média de três meses é comparada, então, a uma média de 30 anos. A diferença observada da temperatura média nessa região – seja mais quente ou mais fria – é o valor ONI para cada trimestre.

Condição atual da La Niña

A primavera começa com o Pacífico Equatorial sob condições de La Niña pelo resfriamento das águas e a alteração no regime de vento da região. A última semana do inverno teve anomalia de temperatura da superfície do mar de -0,9ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada para definir se há El Niño ou La Ninã. O valor está no limite superior da faixa de fraca intensidade e muito próximo do patamar de La Niña moderada.

Já o Pacífico Equatorial Leste, a chamada região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações e a temperatura no Sul do Brasil, apresentava na última semana uma anomalia de -0,8ºC, igualmente no terreno de fraca intensidade, de acordo com o mais recente boletim da NOAA.

Tal área do Pacífico tem grande correlação com a chuva no Sul do Brasil durante os meses do verão com maior probabilidade de estiagem se estiver em território negativo e maior chance de chuva perto ou acima da média se estiver em terreno positivo. Se negativa, tende a favorecer mais incursões frias no Sul do país e tardias na primavera.

La Niña ainda vai durar meses

O atual episódio de La Niña ainda está longe de terminar no Pacífico Equatorial. O fenômeno seguirá atuando durante a primavera, podendo se estender ao começo ou meados do verão de 2023. Os mais recentes dados dos modelos apontam a presença da La Niña no Pacífico durante todo este segundo semestre, compreendendo a primavera e o começo do próximo verão.

Os modelos de clima estão em razoável acordo com as condições de La Niña devem seguir até o fim de 2022. Divergem quanto ao momento da transição para um estado de neutralidade (sem El Niño ou La Niña) no primeiro trimestre de 2023. Os mapas acima mostram as anomalias de temperatura da superfície do mar do North American Multi-Model Ensemble (NMME) para os meses de outubro de 2022 a março de 2023.

A grande questão é quando o Pacífico vai passar de La Niña para a neutralidade. Analisando-se as projeções de mais de vinte modelos dinâmicos e estatísticos para o Pacífico se observa que para a maioria esmagadora se daria no decorrer do verão. Para alguns modelos, mais cedo no verão e para outros em meados da estação quente.

Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre de setembro a novembro, o trimestre da primavera, as probabilidades são de 90% de La Niña e 10% de probabilidade de neutralidade. Entre outubro a dezembro, 82% de La Niña e 18% de neutro. E entre novembro e janeiro, no período crítico para o milho, 75% de La Niña e 25% de neutralidade.

Já no trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidades são de 61% de La Niña e 37% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural que teme uma nova estiagem. No trimestre de janeiro a março, importante para a cultura de soja, as probabilidades são de 46% de La Niña e 50% de neutralidade.

Por sua vez, no trimestre de fevereiro a abril, quando do começo da colheita da safra de verão, a estimativa atual é de 30% de probabilidade de La Niña e 64% de neutralidade. No trimestre de março a maio, o de outono, que marca o auge da colheita, 17% de La Niña, 74% de neutralidade e 9% de El Niño. Por fim, no trimestre de abril a junho, 13% de probabilidade de La Niña, 72% de neutralidade e 15% de El Niño.

Foram 24 anos com inverno sob La Niña desde 1950. Desses anos, em apenas um (2016/2017) a La Niña acabou meses depois no trimestre dezembro a fevereiro. Quatro anos registraram a transição para neutro no trimestre janeiro a março, um (2000-2001) em fevereiro a abril, dois em março a maio e em 16 anos a mudança para neutralidade ocorreu entre abril a junho ou mais tarde no ano seguinte.

O gráfico acima mostra o histórico de três anos das anomalias de temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 para os oito eventos de La Niña de dois anos (linhas cinzas) e o evento atual (linha roxa). De todos os sete eventos anteriores, dois foram para o La Niña em seu terceiro ano (abaixo da linha tracejada azul), dois passaram a El Niño (acima da linha tracejada vermelha) e os demais foram neutros.

Com base nas tendências de hoje dos modelos de clima, a perspectiva é que a La Niña evolua para neutralidade em algum momento entre na metade do verão, entre janeiro e fevereiro. Uma transição para a fase neutra no final do verão, em março, é menos provável e durante o outono de 2023 ainda mais improvável.

O que é La Niña

A La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.

No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante.

Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou-se uma probabilidade maior de perdas na produção. Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña a um maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico.

Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña, como se viu no outono e neste inverno no Sul do Brasil.