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A Porto Alegre de 7 de setembro de 1822 deixava de ser vila para ganhar o foro de cidade com a chegada dos primeiros imigrantes alemães e o crescimento da atividade econômica local com olarias, pensões, restaurantes e armazéns. Porto Alegre começava a ganhar espaços públicos como o Largo da Quitanda (Praça da Alfândega), o Largo dos Ferreiros (Praça Montevidéu) e o Pelourinho (Igreja das Dores). Uma cidade que crescia e tinha um clima diferente dos tempos atuais.

Atual Praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre, logo depois da independência do Brasil com a capital gaúcha deixando de ser vila e ganhando contornos de cidade | ACERVO MUSEU JOAQUIM FELIZADO

Em 1822, Porto Alegre não tinha observações meteorológicas. Estas ocorreram pela primeira vez no final do século XIX no Forte Apache, na Praça da Matriz, mas por poucos anos e foram descontinuadas. Medições regulares tiveram início entre 1909 e 1910 a partir da Faculdade de Engenharia, também no Centro.

Embora sem dados, testemunhos da época descreviam o clima existente à época em que foi declarada a independência do Brasil. O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), convidado a vir ao Brasil no início do século XIX, percorreu o Rio Grande do Sul entre junho de 1820 e maio de 1821, portanto no último ano do período colonial, o que resultou na obra “Viagem ao Rio Grande do Sul”, publicada originalmente na França em 1887.

Entre as muitas observações de Saint-Hilaire de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul estavam os seus apontamentos sobre o clima que descreveu como muito diferente do resto do Brasil. “Durante vários dias o tempo se manteve muito frio; hoje está sombrio, como na França, antes de nevar, tendo chovido uma boa parte do dia. Cai geada quase todas as noites, […]. Acostumado como já estou às altas temperaturas da zona tórrida, sofro bastante com o frio; ele me tira toda espécie de atividade, privando-me quase da atividade de pensar”, escreveu.

No que permanece um problema na maioria das residências duzentos anos depois, o botânico francês se surpreendeu com o despreparo das moradias para enfrentar o rigor do inverno gaúcho, que não contavam com qualquer aquecimento, o que creditou à herança portuguesa.

“Esse frio se repete anualmente, todos se queixam dele, o que é de admirar-se, pois ninguém toma providências para defender-se do inverno; só cuidam de agasalhar o corpo com roupas pesadas. Os porto-alegrenses vestem, no interior de suas casas, um espesso capote que lhes embaraça os movimentos e não os impede de tremer de frio; ninguém pensa em aquecer os aposentos, trazendo-os bem fechados e neles acendendo uma lareira”, narrou.

“Há aqui um grande número de belas casas, bem construídas e bem mobiliadas, mas nenhuma delas possui lareira ou chaminé. Parece que foram os portugueses que trouxeram da Europa o costume de se precaver tão pouco contra o frio, porque garantem que em Lisboa, as estufas são objetos de luxo”, contou no seu diário de viagem.

Em 1822, quando da independência do Brasil, estava no fim um período denominado pela ciência de Pequena Idade do Gelo, entre 1300 e aproximadamente 1850, em que o planeta enfrentou resfriamento com sucessivos períodos de temperatura muito baixa. A independência do Brasil ocorreu ainda apenas sete anos após a gigantesca erupção do vulcão Tambora, que também resfriou ainda mais o planeta.

Charles Darwin, ao passar pelo Centro da Argentina, descreveu uma grande seca que é provável tenha afetado também o Rio Grande do Sul entre 1827 e 1832. A chuva por cinco anos esteve excepcionalmente abaixo do normal com impressionante mortandade de animais e migrações. A vegetação desapareceu, rios menores secaram e a paisagem se cobriu de poeira. Estudos atribuem a grande seca a uma consequência tardia da Pequena Idade do Gelo que trouxe uma acentuada seca nos Pampas e terminou por volta de 1800 a 1810.

Praia do Riacho entre 1880 e 1890 | ACERVO MUSEU JOAQUIM FELIZARDO

Se fazia muito frio, o clima de Porto Alegre também proporcionava dias de muito calor. Vinte e cinco anos depois da independência, no verão de 1847, no dia 26 de janeiro daquele ano, os vereadores da Câmara Municipal de Porto Alegre decidiram pedir providências ao Chefe de Polícia para que proibisse banhos nus, de dia, na Praia do Riacho.

Um século depois, no centenário da Independência, Porto Alegre já era muito diferente com um rápido crescimento urbano e populacional. A cidade ganhava algumas das feições que hoje se conhece, embora muitas áreas ainda mantivessem características rurais. O clima, igualmente, já era diferente. Mais frio que nos dias atuais, porém menos frio que no período da declaração da independência.

Borges de Medeiros nos anos seguintes ao centenário da independência com rápido crescimento da cidade de Porto Alegre e os trilhos dos bondes tomando a área central da capital gaúcha | ACERVO MUSEU JOAQUIM FELIZARDO

Em setembro de 1922, mês do centenário da independência, Porto Alegre anotou condições típicas de meia estação, sem extremos de frio ou calor. A maior temperatura no mês foi de 28,6ºC no dia 27 de setembro e a menor 6,7ºC em 23 de setembro. O vento predominante foi de Sudeste com média de 10 km/h. O mês terminou com 95,9 mm e a maior altura diária de chuva se deu em 18 de setembro com 23,5 mm, portanto não foi um mês muito chuvoso.

Na edição especial do centenário da independência do jornal Correio do Povo, de 1922, texto descreve o clima de Porto Alegre e resume em “muito variável”. A pequena nota elenca as quatro estações do ano, o seu começo e fim. “Tem caído geada nos meses de novembro e dezembro, e havido dias cálidos em maio, junho e julho como nunca aconteceu no corrente ano”.

Texto sobre o clima descreve as estações e o ambicnte de Porto Alegre na edição especial do centésimo aniversário da independência do Brasil do jornal Correio do Povo | ACERVO CORREIO DO POVO

O texto prossegue: “Em muitos invernos em Porto Alegre tem havido geadas notáveis, entre as quais destaca-se a manhã de 27 de julho de 1870, em que os morros próximos à cidade amanheceram completamente brancos de geada”. Alguns documentos históricos descrevem ter sido neve, mas, na prática, nunca se saberá.

A nota termina com um tom poético sobre o ambiente na capital gaúcha. “De há muito que goza de bom crédito o estado de salubridade de Porto Alegre, pois em 1835 um viajante descreveu as belezas que encontrou nesta capital. Disse ´se desfrutava boa saúde, sendo o ar balsâmico, puro e salubre”.

Em 1922 o ar já deixava de ser puro em Porto Alegre com o crescimento da manufatura e as muitas chaminés da cidade, e em 2022, ano de bicentenário da independência, definitivamente deixou de ser puro para se tornar poluído com a enorme frota de automóveis e as emissões do setor industrial da região metropolitana.

O clima de 2022 é diferente de 1922 e muito distinto de 1822 com décadas agora cada vez mais quentes, acompanhando o aquecimento planetário pelos gases do efeito estufa. Invernos estão menos frios que há cem anos e os verões mais quentes. Observou-se um aumento das médias de precipitação, especialmente no começo da primavera. Geada hoje é muito menos recorrente com maior urbanização. Saint-Hillaire passaria menos frio hoje em dia se estivesse vivo e retornasse à capital gaúcha.