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Inverno que transcorrem sob a influência do fenômeno El Niño não registram neve: verdade ou um mito? Então, muitas vezes se ouve que não neva ou dificilmente cai neve no Sul do Brasil em anos de El Niño. A afirmação foi parar até um dos maiores telejornais do país. Mas o que há de verdade nisso?

Então, o fenômeno El Niño – que vai influenciar o clima neste inverno de 2023 – costuma reduzir a probabilidade de nevar à medida que as estações sob os seus efeitos tendem a ser mais quentes e com temperatura acima da média. Isso é fato. Por outro lado, mesmo sob El Niño ocorrem episódios de frio intenso ou muito intenso que são capazes de trazer neve, o que também é fato.

Existe a história para provar que, sim, neva em anos de inverno sob El Niño no Oceano Pacífico. E, mais do que isso, como invernos de El Niño têm maior umidade e precipitação mais intensa no Sul do país, os episódios de neve que são menos frequentes sob o fenômeno quando ocorrem podem ser mais intensos.

Dois anos são marcantes na climatologia histórica do Sul do Brasil em termos de neve e ambos foram com eventos de El Niño de forte intensidade. Os invernos de 1957 e 1965 são lembrados por episódios de neve de enorme relevância histórica, mesmo com temperatura média que não chegou a ser muito fria.

Em 1957, em julho, uma nevada histórica atingiu o Planalto Sul catarinense. Em agosto de 1965, após enormes enchentes na Metade Norte, episódio incomum na história gaúcha trouxe neve com impressionantes acumulações no Centro e Norte do Rio Grande do Sul.

Em 1955, sob um forte El Niño, Santa Catarina experimentou uma das maiores nevascas da história do estado. A quantidade de neve foi tão grande que a cidade de São Joaquim chegou a ficar isolada do resto do estado por cerca de uma semana. A neve caiu muito intensamente ainda nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul com enormes acumulados, por exemplo, na área de Lagoa Vermelha.

Há relatos anedóticos que a imensa quantidade de neve que desabou sobre a região em 20 de julho chegou a acumular quase um metro e meio no Planalto Sul Catarinense, mas é bastante provável que estas sejam acumulações extremas exacerbadas por vento (snow drifting).

Independente de números, foi uma quantidade enorme de neve. Com tamanha acumulação que a ajuda à população atingida teve que ser lançada de aviões. A Força Aérea fez voos para lançar suprimentos de alimentos e remédios em São Joaquim. Moradores derretiam a neve para beber água e preparar a comida.

Oito anos depois, também sob El Niño, uma outra grande nevasca. Desta vez no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná e com grandes acumulados. O que mais impressionou foi a neve com acumulações muito expressivas no Centro e na Metade Norte gaúcha em cidades como Santa Rosa, Ijuí, Cruz Alta, Santo Ângelo, Palmeira das Missões, Carazinho, Passo Fundo, Erechim, Marcelino Ramos, Soledade e São Luiz Gonzaga, dentre outras. Em Lagoa Vermelha, a nevada de 20 de agosto de 1965 acabou sendo retrata no livro “Flagelo Branco”.

Neve de agosto de 1965 em Santa Rosa (RS) | ARQUIVO PESSOAL/JORNAL GAZETA REGIONAL

A neve de agosto de 1965 se seguiu a um grande evento de chuva que causou grande cheias de rios e enchentes entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A travessia entre os dois estados chegou a ser interrompida pelas inundações. As enchentes na Grande Porto Alegre foram de grande porte, tanto na capital como na região metropolitana.

Não é coincidência que os dois eventos extremos de neve tenham ocorrido em julho e agosto. Isso porque os eventos de El Niño costumam se instalar nos meses de inverno e seus efeitos na precipitação aumentam principalmente de julho e agosto em diante, quando os volumes de chuva crescem muito. Com maior instabilidade e potentes massas de ar frio, criaram-se as condições para os dois eventos marcantes na climatologia histórica do Sul do Brasil.

É fundamental destacar que não existe um ano igual ao outro e que tampouco existe um El Niño idêntico ao outro. Se em 1957 e 1965 os invernos de forte El Niño tiveram grandes nevascas, no Super El Niño de 2015 não houve evento algum expressivo de neve. Eventos passados não são garantia de ocorrências futuras e o planeta naquelas décadas de 50 e 60 não estava tão aquecido como hoje. Por fim, neve é um fenômeno que somente pode ser previsto em curto prazo.