Há um século, na primeira semana de dezembro, uma violenta tempestade se abateu durante a madrugada na cidade de Porto Alegre, causando muitos estragos em diversos pontos da capital gaúcha, tanto no Centro Histórico como nos bairros de periferia da cidade, muito diferentes dos dias atuais.
A tempestade se deu na madrugada da quarta-feira, dia 5 de dezembro de 1923. Porto Alegre já contava com serviço meteorológico, o Instituto Astronômico e Meteorológico da Escola de Engenharia, que divulgou um boletim especial à época sobre a tempestade severa na capital gaúcha.
De acordo com a edição do jornal Correio do Povo de 6 de dezembro de 1923, a chuva começou por volta das 3h da manhã e se prolongou até 5h. O boletim meteorológico da época destacou que o pior do temporal ocorreu entre 4h e 5h, quando as rajadas de vento foram mais fortes.
A nota do o Instituto Astronômico e Meteorológico da Escola de Engenharia destacou que as rajadas de vento atingiram em Porto Alegre 97 km/h na estação que funcionava à época perto da Redenção. Foi a maior rajada até então medida desde o início dos registros em 1913, superando a marca de 86 km/h de 10 de agosto de 1922.
“O temporal da madrugada passada, cujo vento redemoinhando e sibilando assustadoramente pelo espaço, não encontrava obstáculos a sua impetuosidade”, descreveu o jornal Correio do Povo na sua edição de 6 de dezembro de 1923.
O temporal causou vários estragos pela cidade. O Theatro Apollo, localizado na Avenida Independência, pouco depois da Praça Dom Feliciano, que tinha sido recém reformado, sofreu graves danos com o desabamento da parte da frente do prédio. Paredes e vidros do edifício do então Club Caixeiral, que estava em construção, não resistiram à força do vento.
No Centro Histórico, o vendaval destelhou alguns armazéns do cais do porto. Sem as telhas, a chuva acabou por molhar e danificar mercadorias que estavam armazenadas nos prédios do cais. Na Santa Casa, que já tinha sofrido com estragos por outro temporal no dia 2 de dezembro de 1923, que quebrou os vidros da capela, o temporal do dia 5 há um século causou destelhamentos. Houve danos na lavanderia a vapor, na sala de operações e no depósito de carros fúnebres.
Outro local da cidade que somava prejuízos pela tempestade do dia 2 e teve ainda mais danos com o temporal do dia 5 de dezembro de 1923 foi o Cinema Palácio. A chuva forte alagou a sala de projeção e o palco do cinema, que funcionava na Rua Coronel Genuíno, no Centro da capital.
No que lembra uma cena do filme De Volta para o Futuro, que somente seria lançado no cinema seis décadas depois, um raio atingiu o relógio dos Correios. “Uma das fortes descargas elétricas, que de quando em quando reboavam durante o temporal da madrugada passada, veio acompanhada de uma faísca elétrica que atingiu o mostrador do grande relógio do edifício dos Correios e Telegraphos, quebrando-lhe totalmente o vidro”, destacou o Correio do Povo. “O relógio ficou parado nas 4,10 horas, pelo que se presume tenha sido esta a hora da queda do raio”, complementou o jornal centenário.
Dois “chalés” desabaram com a força do vendaval, informou o Correio do Povo. Um na rua Félix da Cunha, número 203, e outro nos “arrabaldes” do Partenon. Os moradores não tiveram ferimentos.
O navio a vapor Caxias cruzava o Guaíba no momento do temporal e, segundo o jornal, teve grande dificuldade para atracar no porto junto ao Mercado Público. O Correio do Povo noticiou que as louças a bordo chegaram a quebrar porque a embarcação estava “jogando muito” com o vento. Já a carga não sofreu danos.
Quase nenhum bairro da cidade escapou da força do temporal. O Correio do Povo noticiou que paredes, cercas e andaimes vieram abaixo com o vento por toda a capital. Nos bairros São João e Navegantes, muitas ruas “de arrabalde” ficaram tomadas por água. Pontos de alagamentos mais críticos ocorriam na Pernambuco, França, Brasil e Bahia.
“Nos arrabaldes de Teresópolis, Glória, Partenon, Menino Deus, Floresta, Higienópolis, São João, Navegantes, Mont Serrat e Vila Nova, além de muitas cercas, também muito sofreram os vinhedos e arvoredos frutíferos”, narrou o Correio do Povo. Na Venâncio Aires, a fábrica de calçados Martinelli e Adams, teve o seu telhado levantado pelo vento.
Embora o jornal refira em vários momentos a palavra “furacão”, não foi o que ocorreu em Porto Alegre. Foi um temporal intenso apenas, seja por uma frente fria ou por calor excessivo. À época, em jornais e documentos históricos, com frequência vendavais eram descritos erroneamente como “furacão” ou “tufão” porque não havia a compreensão dos fenômenos que se tem hoje.
Texto de Alexandre Aguia com colaboração de Renato Bohusch do arquivo do Correio do Povo.