O mundo está enfrenta hoje o maior surto de gripe aviária da história, com mais de 140 milhões de aves de criação abatidas desde outubro de 2021. Só no Reino Unido, mais de 4 milhões de aves domesticadas foram abatidas e cerca de 50.000 aves selvagens morreram.

É provável que o número real de mortes de aves selvagens seja muito maior do que isso, uma vez que em uma ilha com vastas faixas de aves marinhas como o Reino Unido, a maioria morre no mar e suas carcaças nunca são encontradas.

Há temores de que as populações de aves marinhas de renome mundial do Reino Unido possam ser irreversivelmente reduzidas. Desde 1986, a população local de aves marinhas reprodutoras caiu quase um quarto, e elas já estão sob imensa pressão devido à sobrepesca, perda de habitat e mudanças climáticas.

Não são apenas as aves que foram submetidas a este vírus. A gripe aviária experimentou o que se denomina de “evento de transbordamento” e afetou muitos mamíferos, incluindo lontras, raposas, gatos domesticados e leões-marinhos.

Com 2.500 quilômetros de extensão, a costa peruana abriga um dos ecossistemas marinhos mais ricos do mundo. O surto de gripe aviária, no entanto, dizimou as populações locais de leões marinhos, com 3.500 corpos encontrados em suas praias nos últimos meses.

No momento, o Chile é o país mais atingido. Quase 9.000 lobos-marinhos, pinguins-de-Humboldt, lontras-marinhas e cetáceos menores morreram até agora este ano devido à gripe aviária que está afetando severamente a costa Norte do Chile.

Os dados do Serviço Nacional de Pesca (Sernapesca) mostram que a doença – que conseguiu se transmitir para mamíferos marinhos – está presente em 12 das 16 regiões do país. A última espécie afetada é o huillín, um tipo de lontra que também é um mamífero marinho, que encalhou na região de Magallanes, a mais ao Sul do país.

Leões marinhos mortos em uma praia em Arica, Chile, em 1º de abril de 2023. Quase 9.000 leões marinhos, pinguins de Humboldt, e pequenos cetáceos morreram devido à gripe aviária que atingiu particularmente a costa Norte do Chile. | PREFEITURA DE ARICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Técnicos analisando restos de leões marinhos mortos na costa da Reserva Nacional de Paracas, no Peru, onde mais de 500 animais marinhos leões e 55.000 aves selvagens morreram do vírus da gripe aviária H5N1 em semanas no começo deste ano | SERNANP/AFP/METSUL METEOROLOGIA

No final de março, o Chile relatou o primeiro caso de contágio de gripe aviária em humanos: um homem de 53 anos que teve um quadro de influenza “grave”. De acordo com as autoridades de Saúde do Chile, não há transmissão de pessoa para pessoa. Os humanos contraem a gripe aviária apenas por contato com animais doentes. O país também detectou o vírus em aves silvestres.

Em uma fazenda na Espanha, mais de 50.000 visons foram sacrificados após entrarem em contato com aves selvagens infectadas. Este surto foi um momento significativo, pois acredita-se que o vírus da gripe aviária também pode se espalhar de vison para vison, indicando a disseminação de mamífero para mamífero, aumentando assim o medo de que os humanos possam ser mais vulneráveis no futuro.

Estudos descobriram que mudanças dos padrões climáticos afetam a maneira como as aves se comportam, assim podem influenciar a disseminação do vírus da gripe aviária. O aumento das temperaturas e as mudanças sazonais forçam as aves a ajustar seus padrões migratórios.

O aumento do nível do mar também afeta o local onde os pássaros fazem seus ninhos e põem seus ovos, levando espécies que normalmente não interagem a fazer contato e compartilhar doenças.

Sinais de alerta são exibidos nas estradas que levam à granja Bernard Matthews em Holton, Suffolk, no Reino Unido. Veterinários do governo interditaram a área para conter um surto da cepa mortal H5N1 da gripe aviária. Um abate de cerca de 160.000 perus começou na fábrica. | LEON NEAL/AFP/METSUL METEOROLOGIA

“Nos últimos dois a três anos, vimos uma mudança drástica no padrão de circulação do vírus H5N1 na população de aves selvagens, com surtos maciços e um conjunto mais amplo de espécies envolvidas”, disse Marius Gilbert, epidemiologista espacial do National Fund para Pesquisa Científica em Bruxelas.

O expert afirma que os cientistas conseguiram fazer ligações entre as mudanças climáticas e a migração das aves, mas descobrir as maneiras pelas quais as mudanças climáticas podem estar influenciando a propagação da gripe aviária é uma tarefa muito mais complicada e difícil.

Geralmente, a pesquisa mostra que a mudança climática ameaça reestruturar as redes existentes de animais, o que cria condições para que as doenças encontrem e infectem novos hospedeiros, um processo chamado “transbordamento viral”.

Mais oportunidades de compartilhamento de doenças entre uma ampla gama de espécies, não apenas aves, podem levar a mais doenças que passam de animais para seres humanos, uma das maiores preocupações dos cientistas.

Dias atrás, o Ministério da Agricultura e Pecuária declarou estado de emergência zoossanitária em todo o território nacional em função de casos de gripe aviária detectados em aves silvestres. A portaria, assinada pelo ministro Carlos Fávaro, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite de 22 de maio e tem validade de 180 dias.

A medida, de acordo com a pasta, tem como objetivo evitar que a doença chegue à produção de aves de subsistência e comercial, além de preservar a fauna e a saúde humana. Ainda segundo o ministério, a declaração de estado de emergência zoossanitária possibilita a mobilização de verbas da União e a articulação com outros ministérios, organizações governamentais nas três instâncias e não governamentais.

A orientação da pasta é que a população não recolha aves que encontrar doentes ou mortas e acione o serviço veterinário mais próximo, no intuito de evitar que a doença se espalhe. Ainda segundo o governo, não há mudanças no status brasileiro de livre da influenza aviária de alta patogenicidade perante a Organização Mundial de Saúde Animal, por não haver registro na produção comercial.