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A Circulação Meridional do Atlântico (AMOC) – um grande sistema de correntes oceânicas que transportam água quente dos trópicos para o Atlântico Norte – pode entrar em colapso em meados do século, ou possivelmente a qualquer momento a partir de 2025, por causa da mudança climática causada pelo homem, sugere um estudo publicado na terça-feira na Nature.

Estudo publicado nesta semana na revista Nature prevê que o degelo da Groenlândia (foto) com o ingresso de águas mais frias no Atlântico pode levar a um colapso da engrenagem de correntes oceânicas que regula o clima planetário. | JONATHAN NACKSTRAND/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Por que isso importa e muito? Eventual colapso da Circulação Meridional do Atlântico levaria a uma profunda alteração do sistema climático mundial com consequências devastadoras para a economia mundial e a vida em sociedade em diversos países.

O filme campeão de bilheteria “O Dia Depois de Amanhã”, que é cientificamente extremamente impreciso, tem como premissa em seu roteiro o colapso de uma importante corrente oceânica. Na produção de Hollywood, as correntes oceânicas ao redor do mundo param como resultado do aquecimento global, desencadeando uma nova Era do Gelo na Terra.

Isso pode ter sido ficção científica, mas os cientistas dizem que a terrível profecia pode se tornar realidade. Isso ocorre porque uma nova pesquisa adverte que a AMOC, que impulsiona a Corrente do Golfo, pode entrar em colapso a “qualquer momento” a partir de 2025, graças às mudanças climáticas.

Em 2018, um estudo descobriu que o sistema de circulação do Oceano Atlântico estava mais fraco do que há mais de 1.000 anos e mudou significativamente nos últimos 150 anos. Os cientistas gastaram 35 milhões de horas de computação ao longo de dois anos para produzir seus modelos, que assumiram que as emissões de gases de efeito estufa poderia levar a um colapso da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC).

Tal colapso poderia desencadear mudanças climáticas rápidas nos Estados Unidos, na Europa e em outros lugares do planeta. Se isso acontecesse, poderia provocar uma era do gelo na Europa e o aumento do nível do mar em cidades como Boston e Nova York, bem como tempestades e furacões mais potentes ao longo da costa Leste norte-americana.

Filme “O Dia Depois de Amanhã”, de 2004, mostra o congelamento do Hemisfério Norte após o colapso da circulação do Atlântico por mudanças climáticas | REPRODUÇÃO/FOX

Também poderia levar a quantidades drasticamente reduzidas de chuva e neve no Centro e Oeste dos Estados Unidos, dizem os autores do estudo. “Estimamos que um colapso do AMOC ocorrerá em meados do século sob o cenário atual de emissões futuras”, escrevem os autores do estudo publicado nesta semana. O colapso é um dos vários “pontos de inflexão” climáticos perigosos que os cientistas dizem ser possíveis devido às mudanças climáticas.

O que é a AMOC?

“A Circulação Meridional do Atlântico é realmente um dos principais sistemas de circulação do nosso planeta”, disse Niklas Boers, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático na Alemanha, autor de um estudo anterior sobre o assunto.

O AMOC é uma correia transportadora crucial para a água do oceano, que cria o clima. A água quente e salgada se move para o Norte dos trópicos ao longo da Corrente do Golfo da costa Leste dos EUA para o Atlântico Norte, onde esfria, afunda e segue para o Sul. Quanto mais rápido ela se move, mais a água é transferida da superfície quente para as profundidades frias.

USGS

Esta “engrenagem” do oceano mantém o Norte da Europa vários graus mais quente do que seria de outra forma e traz água mais fria para a costa da América do Norte. Estudos em 2018 e 2021 descobriram que um colapso do AMOC é possível em algum momento deste século.

O que há de novo no estudo desta semana?

Usando novas ferramentas estatísticas e dados de temperatura oceânica dos últimos 150 anos, os pesquisadores calcularam que o AMOC vai parar – com 95% de certeza – entre 2025 e 2095.  O trabalho considera um conjunto de dados muito maior que em pesquisas anteriores sobre a circulação.

A previsão dos pesquisadores é baseada em observações de mudanças que as correntes oceânicas exibem à medida que se tornam instáveis. Os cálculos contradizem a conclusão do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no qual uma mudança abrupta na AMOC é considerada “improvável” neste século.

“Nosso resultado ressalta a importância de reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa o mais rápido possível”, disse o coautor do estudo, Peter Ditlevsen, também da Universidade de Copenhague.

Como o estudo foi feito?

A previsão dos pesquisadores é baseada em observações do que se denomina de sinais de alerta precoce que as correntes oceânicas exibem à medida que se tornam instáveis. Esses primeiros sinais de alerta para a circulação termoalina foram relatados anteriormente, mas só agora o desenvolvimento de métodos estatísticos avançados tornou possível prever exatamente quando ocorrerá um colapso.

Os pesquisadores analisaram as temperaturas da superfície do mar em uma área específica do Atlântico Norte de 1870 até os dias atuais. Essas temperaturas da superfície do mar são “impressões digitais” que atestam a força do AMOC, que só foi medida diretamente nos últimos 15 anos.

NATURE

“Usando ferramentas estatísticas novas e aprimoradas, fizemos cálculos que fornecem uma estimativa mais robusta de quando é mais provável que ocorra um colapso da Circulação Termohalina, algo que não podíamos fazer antes”, explica a professora Susanne Ditlevse.

A circulação termoalina tem operado em seu modo atual desde a última era glacial, quando a circulação de fato entrou em colapso. Saltos climáticos abruptos entre o estado atual e o estado colapsado aconteceram 25 vezes em conexão com o clima da era do gelo. Estes são os famosos eventos Dansgaard-Oeschger observados pela primeira vez em núcleos de gelo da camada de gelo da Groenlândia.

Como as mudanças climáticas podem causar o colapso do AMOC?

Os co-autores do estudo, Peter e Susanne Ditlevsen, explicaram ao jornal USA TODAY como o colapso do AMOC pode ocorrer: “As emissões de gases do efeito estufa causam o aquecimento global, o que acelera o derretimento do gelo da Groenlândia. A água doce derretida que entra no Atlântico Norte pode interromper a AMOC, potencialmente causando grandes perturbações climáticas.

“Quando o aumento da água derretida da Groenlândia entra no Atlântico Norte, é água doce, que é mais leve que a água salgada do mar ao seu redor”, disseram. “Esse excesso de água doce pode atrapalhar o afundamento normal da água salgada, enfraquecendo ou até mesmo interrompendo a circulação. Se a AMOC entrar em colapso, pode ter efeitos de longo alcance nos padrões climáticos e nas correntes oceânicas, levando a mudanças climáticas significativas.”

Contestação e opiniões contrárias

Especialistas não envolvidos neste estudo oferecem análises mistas de suas conclusões. Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, disse: “Não tenho certeza se os autores trazem muito para a mesa além de um método estatístico sofisticado. A história está repleta de previsões falhas baseadas em métodos estatísticos sofisticados; às vezes, eles são sofisticados demais para seu próprio bem”.

Mas Stefan Rahmstorf, cientista climático do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático na Alemanha, disse que “um único estudo fornece evidências limitadas, mas quando várias abordagens levam a conclusões semelhantes, isso deve ser levado muito a sério. Especialmente quando estamos falando sobre um risco que realmente queremos descartar com 99,9% de certeza”.

“Ainda há uma grande incerteza sobre onde está o ponto de inflexão da AMOC, mas o novo estudo aumenta a evidência de que está muito mais próximo do que pensávamos há alguns anos”, afirmou.

A AMOC já colapsou antes?

Um colapso da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC) não seria inédito na história climática do planeta. Nos últimos anos, estudos de modelos e reconstruções paleoclimáticas indicam que as flutuações climáticas abruptas mais fortes, os chamados eventos Dansgaard-Oeschger, estão ligados ao comportamento da AMOC.

Este tipo de mudança climática abrupta associado à AMOC foi experimentado pela última vez durante os eventos Dansgaard-Oeschger na última era glacial, causados pelo colapso e restauração da Circulação Meridional do Atlântico Isso resultou em variações médias de temperatura no Hemisfério Norte de 10ºC a 15°C em uma década.

Os eventos Dansgaard-Oeschger (geralmente abreviados como eventos D-O), em homenagem aos paleoclimatologistas Willi Dansgaard e Hans Oeschger, são flutuações climáticas rápidas que ocorreram 25 vezes durante o último período glacial. Alguns cientistas dizem que os eventos ocorrem quase periodicamente com um tempo de recorrência sendo um múltiplo de 1.470 anos, mas isso não é consenso entre os cientistas.

Os ciclos de Dansgaard-Oeschger normalmente começaram com um súbito aquecimento da Groenlândia em várias décadas e persistiram por cerca de 500 a mais de 2.000 anos. Até agora, 25 eventos foram identificados com uma aparente periodicidade de 1600 anos.

Os dados do núcleo de gelo das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida indicam um aumento simultâneo do CO2 atmosférico e da temperatura na Antártida no início de um evento Dansgaard-Oeschger, enquanto o frio ainda dominava a Groenlândia.

No auge do aquecimento da Groenlândia, as temperaturas da Antártida e os níveis atmosféricos de CO2 diminuíram. Esse comportamento hemisférico assíncrono também ocorreu nos eventos Heinrich intimamente relacionado, o que sugere conexão entre esses eventos e as mudanças na circulação oceânica.