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Uma declaração do ministro interino da saúde, general Eduardo Pazuello, sobre o clima no Brasil e o comportamento da epidemia causou muita repercussão na imprensa e nas redes sociais nesta terça-feira (9). O militar que ocupa interinamente o cargo previa que o avanço da epidemia no Norte e no Nordeste do Brasil será diferente do Centro-Sul do país por conta das características climáticas das regiões.

“Para efeito da pandemia, nós podemos separar o Brasil em Norte e Nordeste, que é a região que está mais ligada ao inverno do Hemisfério Norte, são as datas do Hemisfério Norte em termos de inverno, e ao Centro-Sul, Sudeste, Centro-Oeste, que é a região que tá mais ligada ao inverno do Hemisfério Sul que tá começando agora: junho, julho e agosto”.

O que diz o conhecimento científico sobre as declarações do ministro?

Na climatologia, adota-se o conceito de inverno climático para o trimestre de junho a agosto no Hemisfério Sul, logo verão climático no Hemisfério Norte, e de verão climático para o trimestre de dezembro a fevereiro no caso do Hemisfério Sul, sendo inverno no Hemisfério Norte. Já o começo e o fim do inverno assim como o início e o término do verão pelo critério astronômico são datas móveis. No caso do inverno astronômico de 2020, terá início em todas as regiões do país agora em 20 de junho.


Quase todo o território brasileiro encontra-se no Hemisfério Sul, mas o gigantismo do território nacional e sua complexidade climática fazem com que as estações do ano não se comportem igualmente em todo o território nacional. O que vale em inverno para Porto Alegre não vale para Manaus. O que vale em verão para Porto Velho não vale para Belo Horizonte.

É possível fazer frio na região amazônica? Obviamente que sim. Todos os anos, massas de ar frio de trajetória continental avançam pelo interior do continente e trazem o que se denomina de “friagem” para parte da região amazônica. A temperatura cai bastante em estados como Acre, Rondônia e em parte do Amazonas.

Na série histórica 1961-1990, Rio Branco (AC) teve 7,8ºC em 11/06/85, 6,4ºC em 13/07/84 e 6,0ºC em 19/8/75. Já no verão, a menor mínima na capital acreana na série 1961-1990 foi de 14,2ºC em 19/1/90. Na onda de frio do final de julho de 2013, que foi responsável por uma grande nevada no Sul do Brasil, algumas estações do Sul do estado do Amazonas chegaram a ter frio de 12ºC a 13ºC em pleno período da tarde. Anos atrás, uma massa de ar frio de forma muito atípica conseguiu alcançar até a linha do Equador e trouxe temperatura baixa para os padrões locais em Boa Vista, em Roraima, durante o inverno do Hemisfério Sul.

Como se vê, os episódios de frio no Norte do Brasil tendem a ocorrer maciçamente em meses de inverno e ainda assim de forma episódica, por conta de massas de ar polar mais fortes que adentram o território brasileiro. É o mesmo caso do interior do Nordeste. Quando um centro de alta pressão associado a uma massa de ar frio se posiciona mais ao Norte, no interior do continente, e avança depois para Leste, observa-se resfriamento em parte do interior nordestino com frio em localidades como do interior da Bahia.

Só que o Brasil é um país diverso também no clima e o que é visto como inverno pelo brasileiro do Sul não é inverno pro Nortista. Há uma expressão popular chamada de “inverno amazônico”, um conceito regional e que não se amolda ao conceito que é o tradicional de frio e de calor, mas que é usada até na academia e em boletins meteorológicos de órgãos oficiais.

O que determina o inverno amazônico é o padrão local de chuva. Entre os meses de dezembro e maio, quando é verão e outono no Hemisfério Sul, ocorre o denominado “inverno  amazônico” com mais chuva. É a temporada chuvosa que pela frequência mais alta de precipitação traz também temperatura média menor.

Manaus tem média de precipitação de 287 mm em janeiro, 295 mm em fevereiro, 300 mm em março, 319 mm em abril, e 246 mm em maio, durante o inverno amazônico. Já as médias de chuva do verão amazônico, que ocorre em parte no inverno do Hemisfério Sul, são de 75 mm em julho, 64,7 mm em agosto e 76 mm em setembro, justamente no período em que mais chove no Rio Grande do Sul na climatologia anual. A diferença se sente também na temperatura. A temperatura média da capital amazonense no mês de setembro, quando há transição do inverno para a primavera no Hemisfério Sul, é de 28ºC, mas em janeiro, quando é o auge do verão no Hemisfério Sul, é de 26,3ºC.

A variação de chuva no Norte e em parte do Nordeste do país está associada ao que se chama de ZCIT ou Zona de Convergência Intertropical, uma faixa na região equatorial que circunda o globo e traz mais chuva e tempestades. Foi ao passar por um temporal na ZCIT que houve o desastre do voo AF447 da Air France no Atlântico, em 2009. Durante o verão meridional e inverno setentrional (janeiro), a ZCIT se desloca para Sul (azul) e durante o inverno meridional e o verão setentrional, em julho (vermelho), a zona de convergência se move para Norte. Isso explica que a chuva aumente muito no “inverno amazônico” (verão no Hemisfério Sul) e diminua muito no “verão amazônico” (inverno no Hemisfério Sul).

A influência do clima sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2 ainda está em estudo e não há respostas conclusivas. No caso da gripe (Influenza), estudos comprovaram que em regiões tropicais o tempo mais chuvoso traz aumento de casos na análise sazonal. Um estudo de dias atrás publicado na revista Science e que a MetSul divulgou aqui em nossa página, pesquisadores da Universidade de Princeton concluíram que o clima não deve ter maior influência na disseminação do vírus na sua fase pandêmica, como a que se vive hoje, e que surtos poderão ocorrer no Hemisfério Norte mesmo agora com a chegada do verão, concluindo que o clima poderá ter impacto mais expressivo na sazonalidade no futuro, quando o vírus se tornar endêmico.

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