Foi uma semana que enregelou o Estado. Por onde se andava, o assunto era um só. “Que friaca”, muitos reclamavam. O que para milhões foi motivo para se “entocar” em casa, ficar debaixo das cobertas e se aquecer da melhor forma possível, para um bombeiro da Brigada Militar foi razão para mais uma aventura, mas que também descreve como “indiada”. Saul Alexandre Rodrigues, 31 anos, ciclista há mais de dez anos, decidiu subir a Serra e percorrer em um dos dias mais frios do ano a região dos gélidos Campos de Cima da Serra. Saul conta que a ideia era pedalar com neve, como a caída na região na madrugada de segunda em São José dos Ausentes, mas somente foi possível iniciar a aventura no amanhecer de terça, apesar de estar em férias. “Gosto muito de pedalar em dias frios, mais do que no verão”, disse numa entrevista à MetSul.


O bombeiro da estação Floresta, de Porto Alegre, relata que conhece Cambará do Sul a partir das suas diversas viagens para a região, ainda no tempo que muitas das estradas eram de “chão batido”. Um dos seus destinos preferidos de “bike” é o cânion Fortaleza, no Parque Nacional dos Aparados da Serra (PNAS). Uma de suas aventuras no parque foi em 2004, quando enfrentou 2ºC negativos em Cambará. Cedo da manhã, na terça, teve início a grande aventura gelada de 2013. Por volta das 5h da manhã, sob um frio de 4ºC em Alvorada, colocou a “bike” no carro e pegou a estrada com destino a Cambará do Sul. “Como havia muito vento e pelo rádio não havia notícia de neve no boletim do Luiz Fernando Nachtigall às 6h da manhã na Guaíba, parei no Café Tainhas (entre São Francisco de Paula e Cambará), ponto de partida da pedalada do gelo. “A quarta foi muito fria, mas a terça estava bem pior pela sensação térmica baixa constante e o vento muito forte”, diz. “Minhas mãos quase congelaram”, conta. O termômetro na bicicleta marcava 1ºC, mas a sensação térmica era “absurdamente menor”.


Saul narra que seguiu pedalando pela Rota do Sol (RS-486) em direção ao Litoral. “Passei ali diversas vezes e conheci bem a região e a magnífica Serra do Pinto”, afirma. O bombeiro de Porto Alegre que combate o fogo e nas horas de folga prefere o gelo desceu a Serra até o plano e depois retornou, percorrendo cerca de 31 quilômetros. Conta que foi um trajeto relativamente fácil, apesar do frio, devido ao vento predominantemente a favor. Na volta, apesar do frio mais intenso próximo aos paredões, retirou a jaqueta à medida que o corpo ia aquecendo. Depois de 11 quilômetros, estava de volta ao topo, suado e com forte vento que trazia sensação de intenso frio. Solução ? Pedalar mais para se aquecer. Daí foram mais 20 quilômetros de “bike” com forte vento gelado em sentido contrário. “Neste momento é preciso ter paciência, pois tem de se fazer muita força para uma velocidade de 15 ou no máximo 20 km/h”, explica. No final da manhã estava de volta ao café.


Uma vez no Café Tainha, pausa para o almoço e depois uma curta viagem de carro até Cambará, onde a chegada foi por volta da uma da tarde. Saul conta que o vento era tão forte que chegava a balançar o carro estacionado na Casa do Turista, centro de recepção na cidade. Ali começou a segunda “perna” da aventura rumo ao município de São José dos Ausentes, em parte com asfalto. Foram mais 23 quilômetros de pedalada no ar gelado e, novamente, com vento contra e gélido na volta. De volta à Cambará do Sul, mesmo com sol, o termômetro da praça marcava apenas 3ºC. “Pedalar nestas condições dá muita fome por conta do desgaste. Fiz um lanche no carro mesmo e fui fazer o reconhecimento no caminho que leva até o Canyon Fortaleza”, acrescenta. A partida foi às 15h40m e o retorno às 17h. “O caminho é bonito demais e, igualmente, desgastante para se fazer de bike pelas subidas intercaladas com descidas”, diz sobre o trajeto que narra como “extremamente compensador”.


Como o dia estava acabando, o entardecer foi uma nova oportunidade para se fazer fotos da região. Percorreu o bombeiro ciclista uma descida em que se chega de bicicleta a 60 km/h, o que trouxe sensação térmica de enregelar. O destino, então, foi um camping na fazenda Pindorama. Hora de trocar a bicicleta pela barraca. “Montei o acampamento, tomei banho, preparei minha janta, fiz a manutenção da bicicleta e fui até a praça caminhando tirar mais fotos sob frio de 2ºC abaixo de zero e vento”. Decepcionado, relata que “pude ver que a neve não iria cair, pois havia nuvens que eram baixas e não pareciam ser capazes de provocar instabilidade”. Às 23h o dia terminava de vez com o sono na barraca gelada em Cambará.

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O bombeiro do frio conta que é adepto do chamado Cicloturismo. Explica que é um outro tipo de viagem. “Para viagens longas e com bagagem é recomendável bicicletas MTB-Mountain Bike por serem mais versáteis, e que podem ser usadas no asfalto e fora dele, além de serem mais resistentes”, afirma Saul Alexandre. “É uma viagem lenta, porém muito prazerosa e sem comparação com outros meios de transporte, pois você sente cada dificuldade do caminho, bem como seus prazeres”, relata. Segundo Saul, sua “bike” era uma Speed, usada apenas em asfalto, de melhor rendimento e para competição, por ser mais leve e aerodinâmica. Conta que não é competidor, mas gosta de viajar de bicicleta e de desafios. Participa de eventos denominados Brevets Randonneurs Mundiais (BRM), mais conhecidos como Audax no Brasil. São desafios pessoais de longa distância, começando com 200 quilômetros e posteriores distâncias maiores, até superiores a 100 quilômetros, que devem ser percorridos em tempo já estabelecido. Alguns dirão que nosso bombeiro do gelo é um “maluco” por percorrer enorme distância na região mais fria do Estado na pior onda de frio do ano, mas ninguém discordará que é forma saudável de gozar a vida e ainda presenteado por paisagens espetaculares. Grande história de uma grande semana ! (Fotos de arquivo pessoal)