Por que está chovendo tanto no Rio Grande do Sul? Mesmo sem El Niño, o estado vem enfrentando acumulados excessivos e localmente extremos de precipitação desde o último sábado (14) com a piora da situação principalmente a partir da noite de segunda (16) e o dia de ontem (17). Hoje, os acumulados de chuva aumentaram muito no Vale do Rio Pardo e na Grande Porto Alegre, agravando a situação.
O elevado volume de precipitação provocou a elevação do nível de rios, bloqueios em estradas estaduais e federais, além de danos em áreas urbanas e rurais. Segundo o mais recente balanço da Defesa Civil estadual, divulgado nesta quarta-feira (18), 51 municípios já registraram ocorrências relacionadas.
Os problemas vão de alagamentos e deslizamentos de terra até inundações e quedas de barreiras. Mais de 1,3 mil pessoas estão fora de casa devido à chuvarada. Pelo menos mil pessoas estão em abrigos, enquanto outras 1.336 foram obrigadas a deixar suas residências e estão alojadas em casas de parentes ou amigos.
Os números ainda podem crescer nas próximas horas, conforme novas atualizações. A situação mais grave é registrada em regiões com rios que tiveram forte elevação, com risco de transbordamento e novas inundações, em especial no município de Jaguari que tem mais de mil pessoas fora de casa.
Os maiores volumes de chuva se concentram nas Missões, no Oeste (região de São Borja), no Centro do estado, no Vale do Rio Pardo e na Grande Porto Alegre, onde a maioria dos municípios superou a média de precipitação do mês inteiro apenas nas últimas 48 horas.
Os acumulados de precipitação em diversas cidades destas regiões variam entre 150 mm e 300 mm nesta semana, mas há pontos com marcas tão altas quanto 350 mm a 400 mm desde sábado.
Dados de estações do Instituto Nacional de Meteorologia indicavam até o meio da tarde desta quarta-feira acumulados em 96 horas de 302 mm em Santa Maria, 286 mm em Encruzilhada do Sul, 279 mm em São Borja, 271 mm em Rio Pardo, 251 mm em São Vicente do Sul, 182 mm em Camaquã e Caçapava do Sul, 172 mm em Tupanciretã, 169 mm em Serafina Corrêa, 162 mm em Soledade e 152 mm em Porto Alegre.
O episódio escancara o que a MetSul Meteorologia por meses vem alertando de que a ausência do El Niño, fenômeno que costuma trazer enchentes no Rio Grande do Sul, não significa que o estado está livre de extremos de precipitação. A história está repleta de exemplos de extremos de chuva com cheias de rios mesmo com o Pacifico em fase neutra ou La Niña.
A seguir, a MetSul Meteorologia explica quais fatores estão contribuindo para este evento de chuva excessiva a extrema que atinge o Rio Grande do Sul nesta semana com vítimas e estragos em dezenas de municípios do estado. O cenário, em menor grau, guarda semelhanças com o fim de abril e o começo de maio de 2024.
Bloqueio atmosférico
Um bloqueio atmosférico é uma configuração persistente da circulação atmosférica que impede o avanço normal das frentes frias e massas de ar. Ele ocorre quando sistemas de alta pressão (anticiclônicos) ficam estacionados por vários dias ou até semanas sobre uma determinada região. Essa barreira atmosférica dificulta a movimentação dos sistemas meteorológicos, como ciclones e frentes, alterando o padrão típico do tempo.

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Durante um bloqueio, áreas sob a influência direta do sistema de alta pressão costumam ter tempo seco, quente e com pouca nebulosidade, especialmente no outono e inverno. Já nas bordas do bloqueio, podem ocorrer chuvas persistentes ou temperaturas abaixo da média, dependendo da época do ano.
No momento, atua um bloqueio atmosférico associado a um circulação anticiclônica na altura do Sudeste do Brasil em altitude. Por isso, o tempo está firme e seco com elevação da temperatura no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil enquanto no Rio Grande do Sul chove muito com uma frente bloqueada.
Frente semi-estacionária
Com o bloqueio atmosférico, frentes frias não conseguem avançar pelo Sul do Brasil. Como efeito, estados como Santa Catarina e o Paraná não estão sofrendo os efeitos da instabilidade com predomínio do tempo firme na maioria das cidades dos dois estados. É o que explica também porque mais ao Norte do Rio Grande do Sul, perto da divisa com Santa Catarina, tem chovido muito menos.

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A frente fria que chegou ao Rio Grande do Sul não consegue furar o bloqueio e passou à condição de semi-estacionária sobre o Rio Grande do Sul, despejando chuva por dias seguidos quase na mesma área e com muito altos volumes.
Jato de baixos níveis
Desde ontem uma corrente de jato em baixos níveis da atmosfera atua no Rio Grande do Sul e transporta ar quente para o estado, alimentando a formação de nuvens muito carregadas com temporais e chuva forte.

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Em termos leigos, a corrente de jato em baixos níveis é uma corrente de ar estreita encontrada na baixa atmosfera, normalmente em torno do nível de pressão de 850 hPa (ou cerca de 1500 metros de altitude), atuando entre um e dois quilômetros de altura. Ou seja, é um corredor de vento nas camadas baixas da atmosfera que se origina na Bolívia e traz ar quente para o estado.
Gradiente de temperatura
Uma vez que há um bloqueio atmosférico e o Rio Grande do Sul se encontra na borda, o estado encontra-se neste momento entre duas massas de ar com características distintas: uma quente ao Norte e outra fria ao Sul.

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Há, assim, uma condição de diferença de temperatura (gradiente térmico) que estimula a instabilidade sobre o território gaúcho, associado à atuação da frente em condição semi-estacionária.
O gradiente térmico estava presente no evento de chuva extrema que levou à enchente de maio de 2024, mas era muito maior que hoje. À época, uma forte onda de calor assolava o Centro do Brasil enquanto na Argentina o frio era muito intenso com marcas historicamente baixas na Patagônia.
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