No aniversário de 249 anos dos Estados Unidos, o presidente Donald Trump sancionou uma nova lei orçamentária que pode reverter o progresso recente do país na corrida global pela liderança em energia limpa e beneficiar diretamente a China.

SAMUEL CORUM/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL
Especialistas alertam que a medida intiulada “Big Beautiful Bill Act” compromete o futuro econômico norte-americano ao enfraquecer os setores mais promissores da nova economia global: veículos elétricos, energia solar, baterias e tecnologias renováveis — áreas nas quais a China já domina o mercado.
A organização independente RMI argumenta que o mundo vive uma transição econômica histórica. Está ficando para trás a era da informação, liderada pelos Estados Unidos, e ganhando força a era da energia renovável, marcada por tecnologias limpas e eletrificação.
Essas tecnologias têm crescido de forma exponencial. Seus preços estão caindo rapidamente, e seu impacto econômico tende a ser tão ou mais transformador quanto o da informática e das telecomunicações nas décadas anteriores.
A China investiu pesadamente para liderar essa nova era. Fabricantes chineses têm hoje protagonismo em painéis solares, baterias e veículos elétricos, com produtos acessíveis, modernos e altamente competitivos no mercado global.
Para tentar recuperar terreno, os Estados Unidos aprovaram em 2022 a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), proposta pelos democratas e sancionada pelo então presidente Joe Biden. O pacote oferecia incentivos fiscais para estimular a produção de energia limpa e atrair fábricas ao território norte-americano.
E funcionou. A IRA provocou uma onda de investimentos em fábricas de veículos elétricos, painéis solares e baterias em dezenas de estados. A criação de empregos disparou, e as projeções climáticas melhoraram significativamente.
Mas a nova lei orçamentária republicana, chamada de “One, Big Beautiful Bill Act”, mudou tudo. Ela derrubou os incentivos da IRA, cancelou subsídios, impôs cortes drásticos e eliminou a base legal de diversas políticas ambientais.
Analistas afirmam que o impacto será profundo. A produção de energia limpa cairá. Milhares de projetos serão cancelados. E o domínio chinês nos mercados do futuro poderá se consolidar sem concorrência real por parte dos Estados Unidos.
Um dos setores mais afetados será o de veículos elétricos. Embora os Estados Unidos sejam o segundo maior mercado automobilístico do mundo, apenas 10% dos carros novos vendidos em 2024 foram elétricos. O país ainda engatinha na transição.
No entanto, globalmente, a situação é diferente. Mais de 20% dos veículos vendidos em 2024 no mundo foram elétricos, segundo a BloombergNEF. A expectativa é de que essa proporção chegue a 40% até o final da década.
A China já ultrapassou essa marca. Hoje, metade dos carros novos vendidos no país são veículos elétricos. E seus fabricantes, como a gigante BYD, oferecem modelos de qualidade por preços imbatíveis. O compacto Seagull, por exemplo, custa menos de US$ 10 mil.
O CEO da Ford, Jim Farley, alertou recentemente que os carros elétricos chineses são “muito superiores ao que vejo no Ocidente”. Ele afirmou que, se a Ford perder a disputa dos veículos elétricos, “não teremos futuro como empresa”.
O governo Biden havia imposto tarifas de 100% aos veículos elétricos chineses e criado créditos fiscais generosos para carros produzidos nos Estados Unidos. Com isso, esperava-se acelerar a adoção dos elétricos e fortalecer a indústria nacional.
A nova lei, porém, encerra esses créditos em 30 de setembro. E desmantela as regras federais que exigiam a redução de emissões nos escapamentos. O efeito será imediato: a demanda por veículos elétricos nos Estados Unidos cairá pela metade nos próximos cinco anos.
Segundo modelagem da Universidade Princeton, apenas 27% dos carros novos vendidos nos Estados Unidos em 2030 serão elétricos — bem distante dos 80% projetados para a China no mesmo ano. Os Estados Unidos perdem força enquanto a China avança.
O setor de energia solar segue trajetória semelhante. Em 2024, a energia solar foi responsável por 70% da nova capacidade de geração elétrica instalada no mundo. Nos Estados Unidos, ela respondeu por quase 60% da expansão.
Mas 80% da cadeia global de produção de painéis solares está concentrada na China, segundo a Agência Internacional de Energia. Os incentivos da IRA buscavam corrigir essa dependência, incentivando fábricas norte-americanas. Agora, esses estímulos serão eliminados.
Fabricantes como a norte-americana Talon PV já pausaram ou cancelaram projetos. A incerteza sobre o futuro dos créditos fiscais e o risco de tarifas imprevisíveis sob Trump têm afastado investimentos. A confiança no setor despenca.
Estudo do grupo Energy Innovation aponta que a revogação dos incentivos custará 760 mil empregos até 2030. O Produto Interno Bruto dos Estados Unidos será US$ 970 bilhões menor do que seria com a continuidade da política anterior.
A escassez energética será outro efeito. Com a demanda por eletricidade em alta e os novos projetos sendo suspensos, os Estados Unidos enfrentarão gargalos de fornecimento. Isso aumentará os custos para famílias e empresas, inclusive no setor de inteligência artificial.
Aumento da poluição, mais doenças respiratórias, fechamento de hospitais e perda de cobertura de saúde para milhões de norte-americanos são outras consequências previstas. Os impactos vão muito além da questão climática.
A versão original da lei, aprovada pela Câmara, era ainda mais agressiva. O texto eliminava de forma imediata os créditos para energias limpas. O impacto climático teria sido ainda mais devastador: 2,7 bilhões de toneladas extras de CO₂ até 2035.
No Senado, houve mudanças de última hora. Senadores republicanos negociaram prorrogações de um ano para projetos solares e eólicos, suavizando parte dos cortes. Com isso, a versão final provocará 2,1 bilhões de toneladas extras de emissões.
Ainda assim, a diferença para o cenário anterior é brutal. Sob as regras da IRA, os lares norte-americanos economizariam cerca de US$ 600 em energia até 2035. Com a nova lei, os custos sobem quase US$ 1.700 por família.
Além disso, os Estados Unidos não alcançarão sua meta no Acordo de Paris. Em vez disso, excederão em 7 bilhões de toneladas as emissões previstas para 2030. A reputação internacional do país também sai enfraquecida.
A lei foi aprovada no Senado por margem mínima. Qualquer senador republicano poderia ter barrado o texto. Mas a senadora Lisa Murkowski, do Alasca, votou a favor após conseguir concessões específicas para seu estado e pediu depois que a Câmara corrigisse o projeto.
Pesquisas mostram que a maioria dos norte-americanos rejeita a nova lei. Ela é impopular por diversas razões: aumento dos custos, cortes em programas sociais, risco à saúde, danos ambientais, perda de empregos e favorecimento a rivais estratégicos.
Como resumiu Robbie Orvis, diretor da Energy Innovation: “Este projeto é um presente para a China. Estamos entregando a eles as indústrias do futuro, tornando os Estados Unidos um lugar mais difícil para investir e reduzindo nossa segurança energética”. (Com informações da Yale Climate Connection)
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