Chuva extrema inundou repentinamente áreas no Leste do estado norte-americano do Kentuky e moradores que tiveram tempo de buscar refúgio foram para os telhados de suas casas para escapar da inundação | GREENUP COUNTY PUBLIC SAFETY/DIVULGAÇÃO

Pelo menos 20 pessoas morreram nas “piores” inundações na história do Kentucky, um número que pode aumentar, pois a chuva não deu trégua durante toda a sexta-feira no estado rural do Centro dos Estados Unidos. O presidente Joe Biden declarou o estado de “desastre natural” e mobilizou reforços federais para apoiar as áreas atingidas por tempestades, inundações, deslizamentos de terra e rios de lama.

As mortes foram confirmadas nos condados de Perry, Knott, Letcher e Clay. Onze das vítimas estão no condado de Knott, incluindo um homem de 63 anos, uma mulher de 65 anos e duas crianças. Os corpos de duas outras crianças foram achados na sexta-feira, aumentando o número de mortos. O jornal Lexington Herald-Leader relata que as quatro crianças foram arrastadas pelas águas da enchente no condado de Knott.

As chuvas torrenciais chegaram ao Leste do Kentucky na noite de quarta, acompanhando uma linha de tempestades de lento deslocamento, transformando estradas em rios e obrigando os moradores a buscarem refúgio nos telhados de suas casas enquanto esperavam ajuda. Outros ficaram presos, devido ao aumento do nível das águas, ou acabaram arrastados quando estavam no interior de seus carros.

“A notícia difícil é que são 16 mortos confirmados agora e, pessoal, ainda vai aumentar muito mais”, advertiu o governador Andy Beshear, em entrevista coletiva. “Algumas casas foram completamente varridas no meio da noite, enquanto as pessoas estavam dormindo”, relatou. Mais cedo, em declarações à imprensa, Beshear havia dito que o número de vítimas era “devastador”, acrescentando que sua expectativa é que esse balanço seja de “mais do que o dobro”.

Centenas de pessoas perderam tudo, e levará no mínimo um ano para reconstruir, completou. Os serviços de emergência, ao lado da Guarda Nacional, da polícia e de reforços vindos de estados vizinhos, estão empenhados nas missões de ajuda e resgate das vítimas. Foram realizados cerca de 50 resgates aéreos e centenas usando embarcações, segundo Beshear. Mas há muita água e as correntes são tão fortes “que não podemos chegar a todos”, disse.

“São as piores inundações na história do Kentucky e acontecem depois dos piores tornados na história do Kentucky”, lamentou Andy Beshear. Em dezembro de 2021, dezenas de tornados causaram destruição em cinco estados do Centro dos Estados Unidos, sobretudo Kentucky, com saldo de pelo menos 79 mortos. Na época, Joe Biden disse que os fenômenos meteorológicos tinham se tornado “mais intensos” com o aquecimento global.

Chuva e níveis de rios recordes

Entre 150 mm e 250 mm de chuva caíram em partes do Leste do Kentucky desde quarta-feira, sendo que a maior parte da precipitação se deu em poucas horas. As cidades de Hazard e Jackson receberam mais de 200 mm. Buckhorn Lake teve o maior total de chuva até agora com um acumulado de 260 mm. O Rio Kentucky em Whitesburg subiu para o seu maior nível já observado, batendo o recorde anterior da cheia de 29 de janeiro de 1957. O nível do rio subiu quase 6 metros em horas na manhã da quinta-feira.

Casa quase completamente submersa na Bert T Combs Mountain Parkway, no condado de Breathitt, estado norte-americano do Kentucky, durante as grandes inundações registradas após chuva extrema de verão | MICHAEL SWENSEN/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Enchente cobriu ruas, avenidas e rodovias no condado de Breathitt, estado norte-americano do Kentucky, em consequência de chuva recorde na região| MICHAEL SWENSEN/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Casas submersas sob as águas da enchente do do rio Kentucky em Jackson, Kentuck. Chuvas torrenciais causaram inundações no Leste do Kentucky, deixando várias pessoas presas em telhados e árvores. | LEANDRO LOZADA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Uma família espera ansiosamente para saber notícias sobre parentes desaparecidos como resultado das inundações em Jackson, Kentucky, que deixaram mortos e cidades inundadas | LEANDRO LOZADA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Com o aquecimento global provocado pela ação do homem, a atmosfera passa a conter mais vapor d’água, o que aumenta as possibilidades de chuvas fortes, explicam os cientistas. Essas chuvas, associadas a outros fatores, como a impermeabilização do solo pela urbanização, favorecem as inundações.

Algumas partes do Kentucky registraram por volta de 200 milímetros de chuva em 24 horas e, em alguns lugares, o nível dos rios subiu vários metros repentinamente, provocando enchentes e fazendo os rios saírem de seus cursos naturais. Na região de Jackson, algumas estradas se transformaram em córregos, com carros abandonados.

Em seus pequenos vales cercados de florestas, a água barrenta inundava os terrenos, dos quais, em alguns lugares, apenas os telhados das casas e as copas das árvores eram visíveis. Milhares de pessoas seguem sem eletricidade e água corrente. Ginásios esportivos, igrejas e parques foram transformados em abrigos.

Dois desastres de chuva na mesma semana sob clima cada vez mais extremo

O evento histórico de inundação em Kentucky ocorreu somente dois dias após outro episódio histórico de chuva submergir partes da área da cidade de St. Louis, no estado do Missouri, sob metros de água. Ambos são considerados eventos de inundação de 1 em 1.000 anos e os dois casos extremos de chuva seguem o mesmo padrão climático.

Uma “chuva de mil anos! descreve uma quantidade de chuva que tem apenas 0,1% de chance de cair em um determinado ano. Alguns lugares podem ver vários eventos de 1.000 anos ao longo de 1.000 anos e alguns podem não ver nenhum, observam os especialistas em atribuição climática.

Uma combinação de uma atmosfera com abundante umidade tropical e uma frente que estacionou em toda a região criou uma condição extremamente favorável ao registro de chuva extrema. Uma frente quente se formou na segunda-feira à noite e depois o sistema passou a ser quase estacionário, despejando grande volumes de água.

Tudo começou com uma zona de alta pressão sobre as Bermudas e trovoadas sobre o Golfo do México, no Atlântico. As tempestades injetaram vapor de água das águas quentes do Golfo na alta atmosfera e que foi levada por correntes de vento para o Norte. O ar úmido, então, encontrou uma frente estacionária que se estendia dos estados do Kansas à Virgínia junto a uma bolha de calor sobre o Sul dos Estados Unidos.

Toda a umidade atmosférica começou a se acumular perto do limite da frente e com ar muito quente se produziram os eventos extremos de chuva. À medida que as tempestades se formavam ao longo da frente, noite após noite, elas extraíam energia de uma atmosfera muito instável e muito úmida, e despejavam chuva em enorme quantidade. Como o vento em altitude estava soprando paralelamente à frente, as nuvens de chuvas intensas se moviam sobre as mesmas áreas por horas, uma após a outra.

Na terça, chuvas torrenciais provocaram inundações repentinas em St. Louis e áreas vizinhas, matando pelo menos uma pessoa e deixando moradores presos em seus carros e casas. A chuva quebrou um recorde estabelecido há mais de um século. A cidade teve mais de 230 mm no que é a maior precipitação já registrada em um único dia e cerca de 50 mm maior do que o recorde de cerca de 170 mm estabelecido em agosto de 1915, quando instabilidade remanescente de um furacão passou pela área.