Memorável aguaceiro atingiu a cidade de Porto Alegre na tarde de ontem (20). Foi uma das mais intensas precipitações em curto período na cidade que se tem na memória. A Capital mergulhou no caos como poucas vezes se viu. As autoridades chegaram a recomendar que a população não saísse a rua. Parou o Trensurb em estações da cidade. Ruas ficaram inundadas. Um taxista morreu afogado na Rua Voluntários da Pátria. Aviões tiverem que arremeter no Salgado Filho e retornar aos seus aeroportos de origem. Árvores tombaram. Parte de uma das mais conhecidas ruas da cidade afundou. Faltou luz. Houve caos no trânsito com longos congestionamentos. Chegou a ser autorizado que as lotações transportassem passageiros de pé.
Avenida Nilópolis inundada por Samuel Almeida / Facebook Rádio Gaúcha
Alagamentos interditaram ruas por Paulo Nunes/Correio do Povo
O temporal que atingiu Porto Alegre se formou sobre a cidade. Não veio de nenhum lugar. Sob uma atmosfera muito quente e úmida, enorme nuvem de desenvolvimento vertical se originou sobre a zona Leste da Capital, onde a chuva intensa teve início. Ela migrou lentamente em direção à zona central, despejando enorme quantidade de água por onde passou, o que fez com que os volumes registrados fossem extremos.
Imagem de satélite em alta resolução e imagem de radar das 15h20 que mostram como as nuvens sobre a Capital eram carregadas e o caráter muito localizado da precipitação
A chuva intensa atingiu primeiro bairros como Partenon e Intercap, avançando na sequência para o Jardim Botânico, Petrópolis, Bela Vista, Mont’Serrat, Auxiliadora, Moinhos de Vento, Higienópolis, Floresta, Rio Branco, Bom Fim, Santana, Azenha, Navegantes, São Geraldo e Centro. A chuva intensa, assim, concentrou-se numa faixa entre a zona Leste da cidade e a área Central. Os extremos Sul e Norte de Porto Alegre tiveram pouca chuva (menos de 5 mm) e no momento em que o aguaceiro atingia a cidade alguns bairros do Sul e do Norte até registravam sol. Em Guaíba, no outro lado do Lago Guaíba, sequer choveu durante o temporal na Capital. A chuva extrema em Porto Alegre, desta forma, afetou algumas das áreas da cidade com maior densidade populacional e de urbanização, potencializando efeitos negativos para a população. Se não bastasse a chuva, houve ainda algumas rajadas de vento, o que gerou cortes de energia e queda de árvores.
Avenida Protásio Alves alagada por Linda Tanski
Vento derrubou árvores em Porto Alegre por Mauro Schaeffer/CP
O maior volume de chuva entre 15h e 16h foi na estação do Jardim Botânico do Instituto Nacional de Meteorologia com 69 mm. Na estação do Metroclima do Moinhos de Vento, na mesma faixa horária, foi de 65 mm (sendo 62 mm em apenas meia hora entre 15h05m e 15h35m). No Menino Deus foram 27,5 mm em uma hora. Na Chácara das Pedras caíram 16,2 mm. No Lami, em uma hora, no momento do temporal a chuva somou 3,5 mm. Veja os acumulados de chuva em dezesseis pontos de Porto Alegre entre ontem e hoje, sendo que quase todo o volume anotado se deu apenas entre 15h e 16h do dia de ontem.
É fundamental analisar também a taxa de chuva (volume/tempo) ocorrida. Em alguns momentos, no auge do temporal, a estação do Sistema Metroclima do bairro Moinhos de Vento (que reporta dados em tempo real) indicou chuva de 4 mm a 5 mm por minuto, o que gera taxa espantosa pela força da precipitação (5 mm/minuto corresponde a uma taxa de 300 mm/hora). A média histórica de chuva (1961-1990) de todo o mês de fevereiro na cidade de Porto Alegre é de 108,6 mm, logo o acumulado total em 30 minutos na estação do Moinhos de Vento implica que choveu 57% da média do mês inteiro em apenas meia hora.
Correnteza na Félix da Cunha (Moinhos de Vento) por Manuela Demartini Gomes
Parte da Rua Coronel Bordini (Moinhos de Vento/Auxiliadora) cedeu por Mauro Schaeffer/CP
Carros foram engolidos pela rua na Coronel Bordini por Diogo Abelin
A climatologia histórica no Brasil considera totais diários (altura máxima em 24 horas) para avaliação de excessivos volumes de chuva em curto período, mas com o advento das estações automáticas (que reportam dados horários) nos últimos anos foi possível se avaliar acumulados de precipitação em intervalos mais curtos. Desde que foi instalada a estação automática do Inmet no Jardim Botânico em 2007 e do Metroclima no Moinhos de Vento em 2008 jamais havia se registrado chuva tão expressiva em tão curto período nestes pontos.A chuva da quarta-feira é histórica pelo alto acumulado em curto período (o que é mais grave para gerar alagamentos), mas não pelo volume total diário. Porto Alegre teve 109,5 mm em 24 horas no dia 14 de fevereiro de 1981. Atente que a chuva de 69 mm em só uma hora ontem no Jardim Botânico foi mais volumosa que o maior acumulado em 24 horas em janeiro no local em uma década que foi de 68 mm no começo deste ano (leia mais).
Região do Fórum Central colapsada por Eduardo Barbosa / Facebook Rádio Gaúcha
Alagamentos no Centro por Kevin Cassol
Alagamento no bairro Azenha por Djonatan Rocha
Avenida Polônia (São Geraldo) por Beto Lewin
Não só Porto Alegre teve dilúvio ontem. Chuva extrema, com volume que foi o dobro de Porto Alegre, atingiu Uruguaiana na madrugada e manhã de ontem. Foram 155 mm na estação do Inmet na cidade da Fronteira Oeste, sendo 61,8 mm em só uma hora. Em Quaraí, a chuva acumulada em 24 horas entre a madrugada de ontem e a de hoje superou 130 mm. Pelotas também “submergiu” na quarta-feira foi a vez de Pelotas. Caíram mais de 100 mm na área portuária da cidade, mais de 70 mm em apenas uma hora. Gramado também teve chuva intensa à tarde com alagamentos. A estação de Canela do Inmet acusou 71,6 mm em intervalo de cinco horas (12h a 17h), sendo 49 mm em somente duas horas. Chuva extrema atingiu ainda localidades como São Lourenço do Sul e Barão do Triunfo. A BR-116 chegou a ser bloqueada por alagamento no Sul do Estado. Houve relatos ainda por observadores de chuva de 150 mm em apenas uma hora e meia no município de Lagoão.
Alagamento em Pelotas por Jonathas Rivero/Diário Popular
Alagamento em Gramado por Sandro Seewald/Jornal de Gramado
O que causou os aguaceiros ? A atmosfera estava quente e muito úmida, logo bastante instável, sobre o Rio Grande do Sul há vários dias, como destacado ontem pela MetSul Meteorologia. O ingresso de uma área de baixa pressão no Estado tornou a atmosfera ainda mais instável ontem, atuando como se fosse um “gatilho” para os aguaceiros localizados. Era uma situação prevista e que foi alertada reiteradamente pela MetSul desde o começo da semana. Ainda na manhã do domingo a MetSul Meteorologia publicou advertência sobre volumes de 100 mm a 200 mm nesta semana em pontos do Rio Grande do Sul e que na quarta a cidade de Porto Alegre poderia ter chuva em alto volume em curto período com risco de alagamentos.
Imagem de satélite que estima velocidade do vento (esquerda) e de satélite das 8h de hoje mostrando a baixa pressão desta quinta-feira (direita)
Neste momento o centro de baixa pressão está bem configurado entre os litorais do Uruguai e Sul do Rio Grande do Sul. Venta forte desde o começo do dia no Chuí com rajadas acima de 90 km/h em alguns momentos. O centro de baixa impulsiona ar mais seco e frio para o território gaúcho. Ao encontrar o ar quente ainda presente sobre o Estado, podem se formar nuvens carregadas com chuva forte a intensa localizada hoje no Estado, sobretudo nas Metades Norte e Leste, mas não se antecipa eventos tão extremos quanto de ontem. O Litoral Sul é uma das áreas de maior risco. O vento sopra forte com rajadas no Sul do Estado e em pontos do Leste ao longo do dia. À medida que o ar seco toma conta do Norte da Argentina, o tempo começa a firmar pelo Oeste. Durante esta quinta, haverá nebulosidade variável com períodos de abertura e outros de instabilidade na maioria das regiões, como em dias de circulação ciclônica. Não é possível se descartar totalmente formações de nuvens funis na Metade Sul e trombas d’água na costa Sul do Estado e áreas das lagoas. O tempo melhora em quase todo o Rio Grande do Sul amanhã e o sol brilha no fim de semana com o retorno do calor, mais forte no domingo. Na segunda-feira o Estado pode voltar a ter chuva forte e temporais.