A inundação repentina que atingiu o centro do Texas, deixando mais de 100 mortos, está entre os episódios de enchente mais letais das últimas cinco décadas nos Estados Unidos — e um dos mais traumáticos em razão das vítimas infantis.

JIM VONDRUSKA/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL
A tragédia foi marcada por um dado perturbador: dezenas de crianças estão entre os mortos, cerca de um terço do total de vítimas. Numa era de previsão avançada e comunicação em tempo real, esse número choca.
A enxurrada engoliu a região do Texas Hill Country, conhecida por suas colinas e rios sinuosos. Foi aí que a natureza violenta atacou um dos símbolos da cultura americana: os acampamentos de verão para crianças.
Imagens que correram o mundo mostraram cabanas alagadas, brinquedos submersos e familiares em desespero. O drama se desenrolou em tempo real nas redes sociais e emissoras de televisão.
Entre as vítimas estão duas irmãs gêmeas, netas de um ex-editor do jornal Miami Herald, e meninas do tradicional Camp Mystic, onde ainda havia dez crianças desaparecidas até segunda-feira.
A busca por sobreviventes se tornou um ato de desespero para muitos pais. Um deles foi flagrado procurando a filha de oito anos entre galhos retorcidos e bonecas encharcadas às margens do rio Guadalupe.
Especialistas alertam que crianças são especialmente vulneráveis a eventos climáticos extremos por causa do tamanho físico, desenvolvimento emocional incompleto e dependência total de adultos para proteção.
Segundo a ONG Save The Children, cerca de 710 milhões de crianças ao redor do mundo — sobretudo em países em desenvolvimento — estão sob alto risco climático, tendência que se agrava com o avanço das mudanças globais.
Nos Estados Unidos, pesquisas sobre impactos de desastres naturais na infância ainda são escassas. Um estudo aponta que crianças entre 5 e 14 anos são as mais vulneráveis em enchentes e tempestades severas.
“Mortes infantis em desastres são raras nos EUA. É por isso que esta tragédia é tão perturbadora”, disse Lori Peek, diretora do Natural Hazards Center da Universidade do Colorado, que coassinou esse estudo.
A enchente arrasou a comunidade de Center Point, onde muitas famílias perderam tudo. “Ficamos sem nada, mas ainda temos nossas vidas. Outros não tiveram a mesma sorte”, disse Nathan Rich, morador local.
O impacto total ainda não pode ser medido. Pesquisadores afirmam que, como em casos anteriores, o trauma infantil pode durar por anos, com consequências como ansiedade, depressão e comportamentos de risco.
“Desastres duram muito tempo na vida de uma criança”, afirma a socióloga Alice Fothergill, que estudou os efeitos do furacão Katrina nas vítimas infantis. “Elas são vulneráveis de muitas formas diferentes.”
Catástrofes naturais com mortes infantis sempre marcaram a história. Mas o que torna o episódio atual tão trágico é a concentração de crianças reunidas em colônias de férias em uma região sabidamente propensa a enchentes.
O Texas Hill Country tem cerca de duas dezenas de acampamentos de verão, destino tradicional para atividades como canoagem, arco e flecha, caminhadas e natação — um ritual de passagem para milhares de jovens.
A tragédia lembra o verão de 1987, quando 10 adolescentes de um acampamento cristão morreram após uma enxurrada repentina engolir os veículos que os transportavam. O rio Guadalupe, mais uma vez, foi o cenário do horror.
A morte de crianças em acampamentos atinge em cheio o maior medo dos pais: ver os filhos em perigo justamente quando estavam sob os cuidados de terceiros, em lugares que deveriam ser seguros.
“É como pensamos sobre tiroteios em escolas — são lugares que deveriam ser particularmente seguros”, disse Jacob Remes, professor de desastres da Universidade de Nova York. “Essas mortes não deveriam acontecer.”
O caso remete a outras tragédias históricas envolvendo crianças nos Estados Unidos, como a “Blizzard das Crianças”, em 1888, que matou cerca de 200 estudantes na região central do país após uma virada repentina no tempo.
Na ocasião, o sistema de telégrafo falhou em emitir o aviso de frio intenso. A maioria das vítimas morreu no caminho entre a escola e a casa, exposta ao vento congelante e à desinformação meteorológica.
Em 1986, outro desastre com estudantes ocorreu em Mount Hood, Oregon. Nove pessoas, entre alunos e professores, morreram em uma trilha durante uma tempestade de neve. A tragédia levou a investigações e processos judiciais.
Hoje, com satélites modernos e smartphones em cada bolso, espera-se que crianças não morram dessa forma. Mas a enchente no Texas mostrou que nem toda tecnologia é suficiente diante de eventos extremos.
As autoridades prometeram apurar se os alertas foram adequados e se o sistema de prevenção está à altura de uma região conhecida como “corredor das enchentes” por seu histórico de inundações rápidas e fatais.
“Há algo particularmente assustador em enchentes repentinas. Elas se movem depressa, é difícil prever onde vão atingir”, disse Remes. “É como algo bíblico: chuva forte, destruição e vidas levadas em minutos.”
Em meio ao luto, sobreviventes, pais e socorristas vivem agora com perguntas sem respostas. Como impedir que cenas como essas se repitam? E o mais difícil: como consolar aqueles que enterraram seus filhos tão cedo?
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