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Condições oceânicas e atmosféricas na Antártida têm papel fundamental no regime de ingresso de massas de ar frio no Sul do Brasil e a principal oscilação associada ao padrão de pressão e vento na região vai entrar em fase que favorece ar mais frio nas latitudes médias da América do Sul | NASA

Julho termina com frio nos estados do Sul, em São Paulo e com temperatura baixa até no Rio de Janeiro, mas este fim de mês não conta a história de julho que vai se encerrar com marcas muito acima das médias históricas mensais no Centro-Sul do Brasil. Foi um mês com o predomínio de dias de temperatura superiores às médias da estação e frio escasso depois de um junho que teve muito frio no Rio Grande do Sul e Santa Catarina que se seguiu ao maio com uma grande onda polar que atingiu a maioria dos estados brasileiros.

Uma das causas – porém não a única – para o julho de temperatura muito acima da média no Centro-Sul do Brasil foi o comportamento da chamada Oscilação Antártica (AAO) que esteve predominantemente positiva durante o mês. Na metade de maio, quando da grande onda polar no Brasil, e em junho com o mês gelado na maior parte do Sul brasileiro, a oscilação esteve em terreno negativo.

A denominada Oscilação Antártica ou Modelo Anular Sul ou Meridional é uma das mais importantes variáveis de teleconexão que impacta as condições no Brasil e no Hemisfério Sul, tanto na chuva como na temperatura. Do que se trata? Trata-se de um índice de variabilidade relacionado ao cinturão de vento e de baixas pressões ao redor da Antártida.

A Oscilação Antártica tem duas fases. A positiva e a negativa. Na positiva, o cinturão de vento ao redor da Antártida se intensifica e se contrai em torno do Polo Sul. Já na fase negativa, o cinturão de vento enfraquece e se desloca para Norte, no sentido do Equador, obviamente sem atingir a faixa equatorial. Com a maior ondulação da corrente de jato na fase negativa cresce a chance de que ocorram eventos de frio mais intenso no Cone Sul da América e em outras áreas mais meridionais dos continentes do Hemisfério Sul como o Sul da África, Austrália e Nova Zelândia.

Depois de semanas em terreno predominantemente positivo, a tendência é que a Oscilação Antártica sofra agora uma forte queda e adentre a fase negativa que predominaria durante a primeira metade de agosto, de acordo com as projeções dos modelos da NOAA, a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera, a agência climática dos Estados Unidos. A queda tem início agora no final de julho e se acentua na primeira semana de agosto, conforme as projeções.

Projeção da NOAA conforme o modelo GEFS sinaliza queda da Oscilação Antártica e período negativo agora na primeira metade de agosto | CPC/NOAA

Com a Oscilação Antártica adentrando terreno negativo, abre-se o chamado “corredor polar” que favorece não apenas uma maior frequência de ingresso de massas de ar frio como agrava o potencial de irrupções de ar mais gelado nas latitudes médias do continente, capazes de trazer dias muito gelados ou frios no Centro da Argentina, Uruguai, Paraguai e o Centro-Sul do Brasil.

Por exemplo, o Centro da Argentina, que também experimentou muitos dias de temperatura alta em julho, deve ter uma altíssima frequência de dias frios na região de Buenos Aires na primeira metade do mês de agosto, o que deve impactar o Sul do Brasil e o Uruguai.

Assim, nas próximas duas a três semanas, o cenário será mais favorável ao ingresso de ar polar e não se descarta que uma ou outra incursão de ar polar seja de maior intensidade, talvez até muito forte, com potencial para temperatura muito baixa e talvez até neve, especialmente levando em conta que agosto é um mês que historicamente tem eventos surpreendentes de neve.

Tendência é de resfriamento do Hemisfério Sul neste começo de agosto coincidindo com a queda da Oscilação Antártica | KARSTEN HAUSTEIN

Os dados dos modelos, aliás, indicam que neste começo de agosto a tendência é de o Hemisfério Sul ter um forte declínio após as marcas mais altas durante a segunda quinzena de julho. A tendência acompanha justamente a queda da Oscilação Antártica que deve favorecer incursões de ar mais frio nas próximas semanas não apenas nas latitudes médias da América do Sul, mas também na África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

O contrapeso do gelo marinho

Se a Oscilação Antártica passa a ser uma variável favorável para incursões de ar frio mais fortes e frequentes nas latitudes médias da América do Sul neste mês de agosto, o padrão perto do Polo Sul é diferente neste ano. A temperatura tem estado muito acima da média nas porções do continente gelado voltadas para a América do Sul, incluindo a Península Antártica, onde em muitas áreas o mar que deveria estar coberto de gelo está com águas à mostra.

Temperatura nas regiões da Antártidas voltadas para a América do Sul têm estado muito altas neste mês de julho | KARSTEN HAUSTEIN

De acordo com dados do National Snow and Ice Data Center (NSIDC), dos Estados Unidos, pela sua última parcial de 17 de julho, a extensão do gelo marinho da Antártida era de 14,80 milhões de quilômetros quadrados, cerca de 240.000 quilômetros quadrados abaixo não da média, mas do recorde de baixa diária estabelecido em 2017. O valor era 1,14 milhão de quilômetros quadrados abaixo da extensão média de 1981 a 2010 para 17 de julho. Neste fim de julho, a Antártida segue com níveis baixos recordes de gelo marinho para a data, uma situação sem precedentes na era dos satélites (1979-2022).

Cobertura de gelo marinho na Antártida nunca esteve tão baixa no fim de julho na era dos satélites | ZACH LABE

Quase todas as regiões costeiras da Antártida estavam abaixo da extensão média em meados de julho, com os mares de Amundsen e Bellingshausen apresentando os maiores déficits de gelo. A extensão do gelo ao longo da borda Norte dos setores Weddell e Dronning Maud, e a região perto da plataforma de gelo de Amery, também estava muito abaixo da média. As temperaturas no nível de 925 milibares, perto da superfície, estavam 3ºC a 6ºC acima da média para uma ampla faixa da Península Antártica e da costa da Antártida Ocidental. Na região de borda de gelo do Mar de Weddell era de 2ºC a 3ºC acima da média.

Por que o gelo marinho é importante? Estudo publicado por pesquisadores da UFRGS destacou uma mudança na trajetória do ar frio em direção à América do Sul. De acordo com o estudo, as incursões polares que atingem o Brasil se originam no Mar de Bellinghausen, a Oeste da Península Antártica, onde hoje há muito menos gelo que o normal.

Os pesquisadores, contudo, defendem que houve mudanças. O aquecimento da Terra teria alterado a dinâmica da atmosfera com vento mais forte. Estes se originam do Oceano Pacífico e podem ter deslocado, segundo estes cientistas, a origem das massas frias para o Mar de Weddell, no outro lado da Península Antártica, onde igualmente há menos gelo que o normal nesta época do ano. As massas de ar frio que se orginam no Mar de Weddel, historicamente, são mais frias por existir maior cobertura de gelo no mar e atingiriam o Brasil em épocas distintas das massas de ar polar tradicionais, mas neste ano há menos gelo que o habitual em Weddel.