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A fumaça das queimadas no Pantanal, da região amazônica e de incêndios em países vizinhos trouxe chuva preta ontem em São Domingos e em outros municípios do Oeste de Santa Catarina. As imagens foram mostradas na manhã desta sexta-feira na televisão pelo meteorologista Leandro Puchalski da emissora catarinense NSC. A Defesa Civil de Santa Catarina confirmou que a chuva escura foi resultado da fumaça.

NSC/Reprodução

A chuva preta ocorreu no momento em que havia uma grande quantidade de fumaça sobre Santa Catarina. Devido a uma corrente de jato (vento), a cerca de 1.500 metros de altitude, a fumaça oriunda de queimadas na região amazônica, no Pantanal e em países vizinhos era transportada para o território catarinense, como mostra o mapa do modelo de dispersão de aerossóis do consórcio europeu Copernicus.

Com as precipitações associadas a uma frente fria que avançou com chuva por Santa Catarina durante a quinta-feira, o material particulado se precipitou. A chuva tem o efeito de “limpar” a atmosfera, o que explica a qualidade do ar em uma cidade poluída melhorar muito após o registro de chuva. O material particulado em suspensão na atmosfera, e no caso de queimadas é fuligem ou o chamado carbono negro (soot) oriundo de queima de biomassa, acabou se precipitando juntamente com a chuva.

O mesmo já tinha ocorrido no Rio Grande do Sul no começo desta semana. Moradores de São Francisco de Assis, no Centro do Estado, relataram a ocorrência de chuva preta. Em suas redes sociais, a MetSul Meteorologia recebeu diversas fotos de seguidores da Grande Porto Alegre que relataram que a água das piscinas de suas casas estava limpa e acabou preta após a chuva registrada até o começo da quinta-feira.

Debora Selayran

Não é um fato novo, entretanto, a ocorrência de chuva preta, apesar de indicar quadro de grande presença de aerossóis na atmosfera e refletir uma situação ambiental grave. No ano passado, cidades do Rio Grande do Sul e em São Paulo houve registro de chuva preta. No caso paulista, análises químicas de universidade demonstraram que a chuva preta foi resultante de queimadas. A MetSul considera muito possível que São Paulo volte a ter chuva preta nos próximos dias com a atuação de um sistema frontal no Sudeste do país. O mesmo pode ocorrer no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso.

Carbono negro, o ambiente e o clima.

Estudos mostram que a presença de fuligem de queimadas na atmosfera pode interferir com a ocorrência de chuva, no degelo de glaciares e impactar o aquecimento do planeta. Uma equipe liderada por Newton de Magalhães Neto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), modelou o possível efeito que a queima de biomassa na Bacia Amazônica poderia ter na geleira boliviana Zongo, usando dados coletados entre 2000 e 2016 sobre episódios de incêndio, movimentos de plumas de fumaça, precipitação e derretimento de geleiras.

Os pesquisadores descobriram que os aerossóis provenientes da queima de biomassa, como o carbono negro, podem ser transportados pelo vento para as geleiras andinas tropicais. Lá, se depositam na neve e têm potencial de aumentar o derretimento das geleiras, porque a neve é escurecida pelo carbono negro ou partículas de poeira e, assim, reflete menos luz (menor albedo).

Um dos principais constituintes da fuligem, o carbono negro é o componente do material particulado que absorve energia solar. A quantidade de energia armazenada na atmosfera é medida em watts por metro quadrado da superfície da Terra e estudo de 2013 estimou o efeito do carbono negro em 1,1 watts por metro quadrado por ano, perdendo apenas para o dióxido de carbono que é responsável por 1,56 watts por metro quadrado.

Em outras palavras, o carbono negro é o segundo maior contribuinte para as mudanças climáticas depois do CO2, apontou o estudo. Ao contrário do CO2, que pode permanecer na atmosfera por centenas a milhares de anos, o carbono negro por ser uma partícula permanece na atmosfera apenas por dias ou semanas antes de retornar à terra com chuva ou neve.

O carbono negro, como todas as partículas na atmosfera, também afeta a refletividade, estabilidade e duração das nuvens e altera a precipitação. Dependendo da quantidade de fuligem que está no ar e em qual camada da atmosfera o carbono negro se encontra, ele tem efeitos diferentes. Se absorver calor no nível em que as nuvens estão se formando, elas tendem a evaporar. Quando fica acima das nuvens estratocúmulos inferiores que bloqueiam o sol, o carbono as estabiliza e, portanto, tem um efeito de resfriamento.

Como o carbono negro interage com outros componentes do material particulado, como sulfatos e nitratos que refletem a luz do sol e resfriam a atmosfera, os cientistas não sabem exatamente quanto o próprio carbono negro consegue influenciar o tempo, mas estudos brasileiros mostram que a fumaça interfere no processo de formação da chuva na Amazônia com efeito de redução.

Dentre os estudos sobre a fuligem das queimadas, um mostrou que a queima incompleta da madeira das árvores resulta na produção de carbono negro que chega às águas do Rio Amazonas nas formas de carvão e fuligem e acaba transportado para o Oceano Atlântico como carbono orgânico dissolvido.

Um grupo internacional de pesquisadores quantificou e caracterizou pela primeira vez o carbono negro que flui pelo Rio Amazonas em trabalho publicado na revista Nature Communications e que mostrou que a maior parte desse material transferido para o oceano é “jovem”, sugerindo que foi produzido por queimadas recentes na floresta.